Entre causas e sabonetes
Quando comecei a trabalhar em publicidade, em 1975, meu pai, homem de esquerda, militante desde jovem do Partido Comunista, ficou indignado. Não aceitava que eu fosse defender, por dinheiro, “causas” em que eu não necessariamente acreditava. Pior: que eu fosse disponibilizar tão vulgarmente o talento criativo, que reconhecia em mim como qualidade preciosa, que deveria estar reservada a questões relevantes, como a defesa do povo oprimido.
E sempre que queria ilustrar essa crítica, principalmente diante dos outros, citava o “sabonete” como o vilão ao qual eu me vendera. Aliás, eu nunca entendi exatamente por que o sabonete se consagrou como a referência preferida dos críticos ao uso do talento criativo na publicidade. Inclusive na área do marketing político tive ocasião de ouvir que ali era diferente porque “político não é sabonete”. Ocorre-me que é provável que lá nos primórdios da televisão a nossa aculturação para a publicidade profissional tenha nascido assistindo aos comerciais das marcas de sabonete, bastante frequentes e normalmente bem produzidos, para os padrões da época.
Mas voltando aos questionamentos, digamos éticos, do meu velho pai, lembro-me que eu reagia a eles com certo deboche, típico de um carinha de menos de 20 anos que estava se achando. Na verdade, muito diferentemente das causas sociais tão caras ao meu velho, o que me motivava era a oportunidade para, de um jeito fácil e rápido, ganhar fama e prestígio. Dinheiro ainda era secundário. Porque eu entendia aquela possibilidade como de conquista de fama e prestígio “fácil e rápido”? Porque o contrário, “difícil e lento” seria ter reconhecido o talento criativo nas atividades “grandiosas e sérias”, como a literatura e as artes. Ou seja, paradoxalmente, eu concordava com o meu pai, no sentido de que optava pelo ordinário, em detrimento do verdadeiramente importante.
E assumia que estava atrás, em primeiro lugar, de satisfazer a minha vaidade, com urgência. No ambiente da publicidade, eu não precisaria esperar muitos anos para ter direito a um comportamento exótico admirado; não teria de esperar muito anos para receber convites da mídia para eventos caros; não teria de esperar muitos anos para que as menininhas olhassem para mim sequiosas… E sob esse aspecto, a publicidade mostrou-se generosa, quanto maior a dedicação com que eu fornecia a ela torrentes de ideias, de sacadas, de soluções surpreendentes para desafios nada originais. Fui e tenho sido feliz na publicidade, me realizando um pouco mais a cada dia. Talvez por isso não sinta pressa em abandoná-la.
Acredito que passei esses 41 anos de profissão, em que pese alguns momentos difíceis, relativos à administração, nunca de criação, lidando com relativa facilidade na superação dos desafios criativos. Porque não me abandonou o sentimento inicial de que tinha optado pelo caminho mais fácil (sem querer fazer nenhuma alusão à opção de certas moças). Talvez meu pai tivesse razão de se indignar. Ele olhava para o talento que o filho revelava desde pequeno e projetava um futuro brilhante a serviço de uma ideologia. Preferi a publicidade. Ainda bem. Já pensou? Podia ter virado um Goebbels.
Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing
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