Entre o ativismo e hardsell
De um discurso raso e superficial, usado como estratégia repleta de boas intenções, mas nenhuma ação concreta no mundo – e também o desejo de emocionar jurados de festivais -, a comunicação das marcas finalmente encontrou o seu lugar e pôde ser vista brilhando de um jeito novo em Cannes.
Sim, as marcas querem vender. Mas, sim, elas precisam fazer a diferença causando algum impacto positivo no mundo, não porque querem parecer boazinhas, mas porque isso se reflete nos seus balanços financeiros. Porque as aproxima das pessoas. É fato! Incontestável. O que se viu, durante muitos anos, foram discursos vazios e feitos para parecer, no lugar de ser. Discursos de um mundo idealizado, criado em bolhas refrigeradas, sem ressonância no mundo real. No entanto, grandes transformações nasceram dentro das empresas e suas marcas.
Foram as grandes marcas que primeiro perceberam que tudo o que vinham fazendo simplesmente não funcionava mais e, se quisessem sobreviver no mundo e ganhar alguma relevância na apertada agenda dos consumidores, teriam de fazer alguma diferença e mostrar algo mais do que uma oferta de produto ou serviço. Tinham de abrir um diálogo bilateral e falar o idioma das ruas. Tinham de abandonar estereótipos e serem inclusivas em todos os momentos da complexa “jornada” do consumidor, no maior número possível de pontos de contato.
Então o Cannes Lions se transformou em uma premiação “for good”? Não exatamente. Ele reflete o novo caminho para se conectar com as pessoas. Se pegarmos os principais GPs deste ano, veremos uma espécie de ativismo por causas inserido em inúmeros deles – certamente a imensa maioria, em 27 categorias. Mas não só. O Titanium, que representa o futuro da comunicação, mostra uma estratégia de hard sell por excelência, de Burger King, em que o rival (McDonald’s) se torna o trampolim para uma promoção desconsertantemente genial, provando o poder de uma boa ideia publicitária para, essencialmente, vender. Porque não é preciso causar impacto social o tempo todo, mas também. O Grand Prix de Mídia é brasileiro, e também busca a venda de um jeito novo, que fala a linguagem dos jovens de espírito pelas ruas de São Paulo.
A categoria Glass enaltece o bom jornalismo do NYT – verdadeiro, trabalhoso, valoroso. O GP de Design é do Google e fala sobre inclusão, temática que também entra no GP de Health & Wellness, no qual a IKEA mostra que seus produtos são para todos. Mensagem semelhante está no GP de Brand Experience & Activation, do XBox (Microsoft), que desenvolveu um controle para seus games para ser utilizado por pessoas com deficiências físicas. E também fala disso o GP de Inovação, See Sound, um dispositivo que traduz sons para o celular de pessoas surdas, permitindo que elas visualizem na tela sons que representem perigo ou necessitem de alguma interferência imediata.
O GP de Creative E-commerce é talvez o meu favorito em todo o festival: o cartão DoBlack, do banco digital sueco Doconomy, cujo limite se baseia na pegada de carbono que cada compra representa, e ainda ensina as pessoas a compensarem no mundo cada despesa feita, calculando seu prejuízo para o meio ambiente. É novo. É oportuno. E o que isso diz sobre esse banco digital? Há GPs que interferiram e mudaram a realidade, como Black Supermarket, do Carrefour, que ajudou a mudar o lei que limitava a venda de frutas e verduras de determinado número de fornecedores de sementes, criando um cluster de privilégios no segmento agroquímico. Outro nessa linha é o GP de PR, uma ação que levou à redução, na Alemanha, dos altíssimos impostos que elevavam os preços dos absorventes internos .
Não por acaso, o Grupo Havas anunciou, durante o festival, seu novo plano estratégico, baseado na missão de ajudar marcas a fazerem a diferença no mundo, com base em estudos muito aprofundados que comprovaram a verdade inescapável da qual falo neste artigo: as pessoas esperam isso das empresas, das marcas.
(Assista a todos os GP’s deste ano clicando aqui.)