Entre o barulho e o silêncio
Minha família tem suas origens em Minas Gerais. Meus bisavós e avós criaram e moldaram a nossa família com os costumes do sítio e, como bons sitiantes, entre muitas outras qualidades, levam a sério dois comportamentos: acordar com o cantar do galo e uma boa prosa. Mineiro, além de um bom pão de queijo, se alimenta diariamente da cultura popular.
Meus pais já não são da geração que cresceu no sítio, eu tampouco. Mas, cultivo todos esses valores e hábitos que meus bisavós e avós me ensinaram e, como eles, levo também muito a sério o hábito de acordar cedo e valorizar as pessoas, as histórias e a cultura.
Deus ajuda quem cedo madruga.
Cresci com minha avó Didi martelando essa frase na minha cabeça e adotei esse hábito desde criança. Mas, não pela tradução literal da expressão, de receber uma ajuda divina simplesmente por acordar cedo. Muito pelo contrário, acordo cedo por razões práticas: meu corpo funciona melhor de manhã e, para criar, funciona ainda melhor no silêncio matutino.
É raro ter criativos às 8h da manhã nas agências, e eu, desde quando estagiário, sempre fui o primeiro a chegar. Um dos meus primeiros prêmios nacionais foi um Ouro no Festival de Publicidade de Gramado e, quando apareci com o troféu – um “Galo de Ouro”, como é apelidado no festival –, esse apelido instantaneamente mudou para “Galo da Madrugada”, em celebração ao horário que eu chegava na agência.
Usava esse tempo, essas poucas horas pela manhã, quando a agência ainda estava vazia, para resolver o meu dia todo. Na pandemia isso mudou: minha filha Olivia, de 5 anos, me ensinou também a ser produtivo no barulho. Mas isso é outra história.
O silêncio me traz serenidade, foco e faz com que minhas ideias, insights e suas conexões culturais gritem aos meus ouvidos.
Mas, nada adianta o silêncio se não houver barulho prévio.
Quando digo barulho prévio, é viver o barulho de estar entre pessoas. A prosa do mineiro é alimentada pela cultura popular, por pessoas que ouvem, criam, recriam e compartilham histórias. As nossas campanhas nascem dessas histórias. Aliás, as melhores campanhas nascem de insights corriqueiros, do dia a dia, de tensões culturais que estão logo ali, bem à frente do seu nariz.
Esse contato com pessoas, o conversar, o vivenciar, o trocar e – principalmente – o observar são essenciais para que seu cérebro esteja abastecido na hora do silêncio.
Na minha vida, há um hobby que é um ponto de encontro entre o silêncio e o barulho: as motos. Tenho paixão por motos, especialmente as Custom. Tenho uma e a uso como minha válvula de escape e o capacete é meu domo mágico.
Andar de moto significa se locomover e muito, conhecer novas pessoas, estreitar laços com outras, desbravar novos lugares, viver culturas novas e, certamente, somar todas essas experiências ao seu repertório.
Esse é o barulho. O silêncio é o caminho.
O trecho entre a partida e o destino é onde tudo é realizado. Horas guiando, você e ninguém mais, a moto e as belas paisagens ao redor.
O ronco constante e poderoso do motor é abafado e transformado pelo capacete em um silêncio perfeito, aquele que te convida a pensar, criar, imaginar e te leva a resolver os problemas mais desafiadores.
E é desse mesmo capacete, desse silêncio perfeito, que nasceram muitas das minhas campanhas.
Luis Constantino é CCO da Oliver Latin America