Espaços de trabalho: uma questão cultural
A essa altura muitos de nós já passamos pela experiência de trabalhar em casa. Com as mudanças que a pandemia trouxe à rotina profissional de muitas pessoas, chegou a hora de guiarmos o olhar para os escritórios e o impacto no espaço urbano, na mobilidade e até mesmo na poluição das grandes cidades.
Legados da primeira Revolução Industrial, os escritórios que conhecemos hoje têm origem em 1820. Estes espaços de trabalho fechados evoluíram desde então em termos de condições de salubridade, mas a verdade é que pouco mudou desde então dentro das “caixas de tijolos” que cercam equipes inteiras. No século 20, aqueles que investiram em fábricas voltaram sua atenção para os escritórios, e as engrenagens dos maquinários, dentro destes novos espaços, passaram a ser os próprios humanos, a registrarem a produção em papéis e documentos.
Nos Estados Unidos, cronômetros passaram a funcionar como instrumentos para medir produtividade: o tempo por tarefa era o indicativo de sucesso. Frederick Winslow Taylor, pioneiro nos estudos de tempo e movimento na década de 1890, concluiu que os trabalhadores funcionavam melhor quando sentados em filas de mesas com tampos planos, como se estivessem em uma sala de exames escolares. Depois, alguns estudos sugeriram que trabalhadores funcionam melhor quando observados.
Mas qual seria a qualidade do que era feito? Quão bem as pessoas trabalhavam sob este sistema de vigilância? Se chegou até aqui, talvez tenha concluído que, enquanto você é distraído por cafés, colegas e até mesmo uma bela sala de descompressão, o maior motivo para a existência do escritório persiste: o controle das atividades.
A rotina herdada dos tempos das primeiras revoluções industriais moldou nosso comportamento e alguns elementos dela são, até hoje, confundidos com a própria fisiologia humana. Será que as horas mais produtivas de todas as pessoas estão entre 8h e 18h? Será que temos mesmo que ir almoçar ao mesmo tempo às 13h, lotando praças de alimentação e restaurantes por quilo?
Tudo isso faz sentido em um ambiente fabril, para aproveitar da melhor maneira a utilização das máquinas, ou as linhas de produção introduzidas por Henry Ford. Mas fábricas não estão mais nos grandes centros urbanos há décadas, embora o conceito do escritório tenha caído como uma luva nas cidades modernas.
Há algum tempo estas construções formais de espaço de trabalho são questionadas. Em 2004, Corinne Maier, uma psicanalista francesa, publicou um livro chamado “Bonjour paresse”, ou “Bom dia, preguiça”, uma crítica à cultura corporativa que se tornou um best-seller. Maier argumenta que, longe de auxiliar a eficiência, os escritórios são inúteis, pois os trabalhadores “perdem muito tempo indo às reuniões, falando o jargão corporativo e fazendo de fato muito pouco trabalho”. Ela descobriu que podia fazer tudo o que eu tinha que fazer em apenas duas horas durante a manhã.
Obviamente Corinne encontrou críticos que argumentam — e ainda argumentam — que os “encontros presenciais enriquecem decisões, com novas perspectivas”. Mesmo em meio à pandemia, vi colegas discutindo sobre conseguirem, ou não, viver longe dos escritórios. “Tijolos cuidadosamente agrupados e bem decorados impressionam clientes e promovem vendas” e, finalmente, “pessoas juntas são mais felizes”. Argumentos que não encontram muito respaldo na situação em que estamos hoje.
Foi interessante notar como, logo nos primeiros dias da pandemia, muitos de nós nos surpreendemos com um céu mais azul nas grandes cidades. A causa era bem óbvia: menos deslocamentos, menos poluição. Algumas pessoas começaram a testar novas atividades naquele tempo que antes era dedicado ao trânsito. Redes de varejo tiveram seus estoques de farinha de trigo zerados: o humano da quarentena resolveu que era uma boa hora para produzir pão!
Agora, vamos refletir: mesmo com tanta gente sem ter onde morar, quase metade das nossas cidades está “vazia”, dada a imensidão de metros quadrados ocupada por escritórios. Precisamos ser vigiados? Muitas atividades continuaram sem impacto negativo por adaptações na rotina de trabalho e com adoção do home office.
Gui Rios é fundador e diretor-executivo da agência SA365.