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Cannes 2019 termina e me deixa algumas reflexões, poucas respostas e inúmeras dúvidas. Tentarei resumir tudo em apenas 5 pontos, porque de Cannes você sai exausto até de rosé, imagine de propaganda. 

1. “Nunca existiu uma época tão maravilhosa para ser criativo” foi algo que ouvi em várias palestras. O que ninguém disse, mas acabou subentendido também em vários painéis: “Nunca existiu uma época tão difícil para tocar um business”. E a razão das duas afirmações é a mesma: o excesso de ferramentas, possibilidades, métodos, previsões e a absoluta falta de certeza do que vem pela frente. No painel do David Droga com o cara da Accenture, o que eu ouvia o tempo todo era praticamente isto: “Deixe-me juntar com esse cara aqui porque sabe-se lá o que vem pela frente”.

Eu, Wilson, sou um diretor de criação executivo. Enquanto o meu lado “diretor de criação” está felizinho, o meu lado “executivo” continua tenso.

2. Simplicidade, simplicidade, simplicidade. Provavelmente a palavra mais repetida. Basta ler o tópico acima que você deve entender o porquê. Nessa onda de complexidade e incertezas, ter algo SIMPLES   ̶   e eficaz, may God help us   ̶   facilita tudo: de processos à compreensão da mensagem. E o recado foi passado por perfis muito diferentes, que vão desde a autora best-seller e fenômeno do Netflix, Marie Kondo, até Tor Myrhen, vice-presidente de marketing da Apple. Mas, como este último disse, “simplicidade não é simples” e “a busca pela simplicidade requer 1.000 nãos pra cada sim”, no sentido de que tirar tudo o que não é absolutamente necessário dá trabalho danado. E vai tentar explicar isso pro seu marqueteiro na próxima vez que ele quiser enfiar bullet points, RTBs, reasons-why e unique selling proposition em tudo. Ou pro seu atendimento com 3 páginas de brief. Ou pro seu diretor de criação querendo enfiar 3 ideias dentro da ideia. Uma frase de Albert Einstein deixa claro o paradoxo da simplicidade: “Temos que explicar as coisas de um jeito simples, mas não simples demais”.

3. Ainda falando em simplicidade, Debbie Millman, founder e host do podcast “Design Matters”, disse algo duma singeleza absurda: “Marcas não mudam a cultura; a cultura muda as marcas”. Capacidade de adaptação, autenticidade de discurso, entendimento do consumidor, relevância, engajamento legítimo… impressionante quantas lições podemos tirar dessa única colocação. Marcas, não tentem surfar, e muito menos criar o hype. Aprendam, entendam, absorvam, respeitem e só então venham com seu inevitável manifesto.

4. Bandeiras e zoeiras. Na minha visão, a parte da premiação de Cannes foi dividida por estas duas modalidades: marcas querendo ajudar minorias e a trollagem divertida e espirituosa do Burger King. Qualquer outra coisa me parece ter ficado no meio do caminho. Ideias que aplicavam tecnologias e recursos interessantes parecem ter chegado com um ano de atraso.

5. No final, o mundo gira, a Lusitânia roda, mas essa indústria continua sendo sobre duas palavrinhas: paixão e coragem. As consultorias e os grandes grupos, por exemplo, ainda têm, sim, que provar que são apaixonados por comunicação e criatividade, e não apenas pela contabilidade. Eles estão devendo isso neste exato momento. Podem até não querer provar nada, mas vão ter que conviver com os alarmantes índices de problema de saúde mental na nossa indústria   ̶   hoje, com a mais alta taxa de suicídio entre mulheres e a segunda maior entre os homens, vejam vocês. E a coragem é aquilo: não sei quantos de vocês, que chegaram a essa profissão com senso de propósito e vontade de fazer a diferença, ainda estão por aí. Mas nós, que acreditamos que pode haver mais alegria numa ideia colocada em pé do que no holerite, ainda temos que lutar e tentar e arriscar e bater e voltar e persistir. Porque o dia que o medo de uma ligação raivosa do CMO for maior que o nosso tesão pelo trabalho, aí, sim, estaremos derrotados. E eu prefiro ficar com a mensagem da melhor campanha de 2019: “Believe in something. Even if it means sacrificing everything”.

P.S.: E obrigado, Innocean Worldwide, pelos ventiladores de celular. Garantiu as lembrancinhas pra família toda 🙂

Wilson Mateos é VP de Criação Leo Burnett Tailor Made (wilson.mateos@leoburnett.com.br