Especialistas analisam a saída do X do Brasil

No geral, me parece que todos perdem

O X, antigo Twitter, acaba de fechar o seu escritório no Brasil. Divulgada no dia 17 de agosto, a decisão reflete o embate travado com a Justiça brasileira, que fecha o cerco contra a plataforma comprada pelo empresário Elon Musk em 2022 e renomeado para X no ano passado. Apesar do encerramento da operação, o serviço seguirá disponível para os usuários brasileiros.

Para André Miceli, coordenador acadêmico da FGV e CEO da MIT Technology Review no Brasil, o impacto resvala sobre a eficácia da regulamentação digital. “No geral, me parece que todos perdem”, lamenta.

Às vésperas de eleições municipais no Brasil, a saída do X abre um vácuo, supostamente preenchido por Meta - com Facebook e Instagram -, e o TikTok, embora a rede de Musk tenha um público específico. “Pode aumentar a concentração de poder nessas duas redes, pois terão uma influência ainda maior na formação da opinião pública”, sugere Miceli.

André Miceli: estratégia pode ser vista como uma tentativa de evitar responsabilidades (Divulgação)

Ao reduzir a abrangência das ações de monitoramento, a ausência do X pode ainda atrapalhar a aplicação de políticas de combate à desinformação e discurso de ódio. “A gente vai ter de entender isso melhor com os próximos passos”, indica Miceli, que ainda teme questionamentos sobre a capacidade do país em manter a integridade do processo eleitoral na ausência de cooperação dos players digitais.

Dado o histórico recente de conflitos com a Justiça brasileira, a saída do X do Brasil “pode ser vista como uma resposta às pressões regulatórias e ao ambiente jurídico, que vem se apresentando de uma maneira confusa sobre liberdade de expressão, tecnologia e o entendimento da responsabilidade das plataformas em relação a conteúdos ilícitos e desinformação. Tem uma questão com o próprio conceito da desinformação”, insiste.

Aventa-se ainda a suspeita de que Musk queira evitar novos confrontos com a Justiça brasileira. “As plataformas digitais, incluindo o X, têm enfrentado uma pressão crescente sobre o cumprimento de leis. Ao deixar o mercado brasileiro, a empresa pode minimizar riscos legais e financeiros associados à interpretação da Justiça sobre um eventual descumprimento dessas ordens. Essa estratégia pode ser vista como uma tentativa de evitar responsabilidades”, acredita Miceli.

Segundo o especialista, esse cenário aponta para a dificuldade das big techs em operar em mercados onde as leis locais “são pouco claras, mas rigorosas e com penalidades severas”. A movimentação pode ficar restrita ao X em função dos posicionamentos políticos de Musk, mas o professor chama a atenção para possíveis desdobramentos nas demais empresas de tecnologia.

Entenda
No dia 15 de agosto, o  juiz Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), elevou o valor de multa, após o X descumprir ordem da Corte para retirar o perfil do senador Marcos do Val (Podemos-ES) do ar, além de outras contas investigadas pela Polícia Federal (PF), por postagens com conteúdos antidemocráticos e ofensas contra autoridades. O valor passou de R$ 50 mil para R$ 200 mil ao dia.

“Essa carta exige a censura de contas populares no Brasil, incluindo um pastor, um atual parlamentar e a mulher de um ex-parlamentar. Acreditamos que o povo brasileiro merece saber o que está sendo solicitado a nós”, publicou a página de global affairs do X, referindo-se ao texto com a determinação de Moraes.

“É um cenário que se concretiza. Não surpreende, porque Musk não quer cumprir as decisões judiciais. Estamos falando de casos de investigação relativos à informações do PCC, e não só sobre questões envolvendo liberdade de expressão. Musk está atrapalhando investigações judiciais. Óbvio que é preciso tomar cuidado, o Poder Judiciário tem de seguir balizas e controles para evitar abusos de poder e proteger a liberdade de expressão. Mas estamos falando sobre obstrução de investigações”, observa Yasmin Curzi, professora da FGV Direito Rio.

O X alega que a saída do Brasil protege os seus executivos. “Apesar de nossos inúmeros recursos ao Supremo Tribunal Federal não terem sido ouvidos, de o público brasileiro não ter sido informado sobre essas ordens e de nossa equipe brasileira não ter responsabilidade ou controle sobre o bloqueio de conteúdo em nossa plataforma, Moraes optou por ameaçar nossa equipe no Brasil em vez de respeitar a lei ou o devido processo legal”, argumenta o X em comunicado.

“Essa decisão de fechar o escritório do X no Brasil foi difícil, mas se concordássemos com a censura secreta (ilegal) de @alexandre e com as exigências de transferência de informações privadas, não haveria como explicar as nossas ações sem nos sentirmos envergonhados”, comentou Musk.

Yasmin Curzi: imunidade não dá direito de desobedecer ordens judiciais (Divulgação)

"Há todo o direito do Poder Judiciário de pressionar para que a companhia ceda as informações solicitadas, segundo o Marco Civil da Internet”, explica Yasmin, que lembra ainda a desinformação propagada pelo X. “Seguindo o Artigo 19 do Marco Civil da Internet, a empresa tem imunidade em relação a conteúdos de terceiros, mas, para isso, precisa obedecer decisões judiciais. Do contrário, está cometendo uma ilegalidade”, adverte.

Leia a íntegra da reportagem na edição impressa do dia 26 de agosto.