Especialistas discutem marcas como publishers no Rio
Uma ampla discussão a respeito das possibilidades do Branded Content reuniu no Rio de Janeiro na quinta-feira (3) diferentes profissionais envolvidos na área no Conexão RJ, realizado pela Abap-Rio e pelo jornal O Globo. Quem abriu o debate foi Ana Laura Sivieri, gerente de marketing da Brasken, empresa da área química que, com a difícil missão de demonstrar os benefícios do plástico para a humanidade, construindo uma percepção de que o material não apenas polui, recorreu a estratégias que combinaram publicidade e branded content. “Hoje há uma queda geral de reputação entre as empresas, este valor agregado intangível, e o conteúdo entra para ajudar a construir uma nova percepção no mundo”, comentou Ana Laura.
O foco foi optar por falar do papel do material em próteses ortopédicas, por exemplo, a partir do patrocínio da equipe paralímpica de atletismo e uma estratégia que envolveu ações de publicidade criadas pela agência Africa, um documentário em parceria com o canal Discovery e o desenvolvimento de diferentes conteúdos, muitos em parceria com a G-Lab, área de branded content do grupo de publicações Globo.
Exemplo de filme:
Outra ação que acabou revertida em diferentes peças de conteúdo e que ainda gera frutos foi o patrocínio da primeira impressora em 3D usada no espaço, pela Nasa, e posteriormente de uma recicladora, a partir do projeto da startup Made In Space, e que utilizou o plástico feito com base em cana de açúcar da Brasken. Outro documentário com a Discovery foi produzido (Mundo Inovação).
A partir daí a empresa enveredou por um caminho de proximidade com o empreendedorismo e a inovação, com a criação do Brasken Labs e, mais recentemente, da plataforma digital Bluevision, que produz conteúdos sobre soluções inovadoras, inteligência no uso dos recursos, sustentabilidade e desenvolvimento humano.
O jornalista Edward Pimenta, diretor executivo do G-Lab, disse que a combinação de produção de conteúdo pelas marcas aliada à publicidade pode levar a ótimos resultados.
“Marcas são publishers, em busca de ambientes seguros para veicularem seus conteúdos. Por isso cresce o interesse pelos content studios, e todos querem ter um para ‘chamar de seu”, disse Pimenta, que deu diversos exemplos de como mensurar a efetividade de estratégias de Branded Content, um dos temas propostos pelo seminário Conexão RJ. Segundo ele, não se pode medir ações isoladas ou pontuais, mas, idealmente, projetos de duração de no mínimo dois meses, com uma média de 14 conteúdos. Há hoje distintas formas de medir e muitas novas ferramentas como Content Monitor, Knotch, Rentrak, Tapestry, entre outros.
Pimenta, do G-Lab
“Tudo depende do problema, e de onde dói. Muitas vezes a empresa quer se apropriar de um território, como foi o caso da Petrobras com o tema ciência, em sua estratégia Jornada do Conhecimento. Ou o objetivo pode ser gerar leads, conversas, ou ainda divulgar pontualmente um evento ou projeto. Pode ser ainda mudar a imagem da marca, como foi o caso da GE, um case que já dura seis anos, e que criou um verdadeiro ecossistema de conteúdo voltado para tecnologia e inovação”, comentou Edward.
Exemplo de conteúdo da Petrobras em parceria com National Geographic:
Segundo ele, encontrar a maneira correta de posicionar a marca no conteúdo é um dos desafios do Branded Content. Presença demais ou de menos pode gerar resultados pouco produtivos.
André Lima, sócio e vice-presidente nacional de criação da NBS, lembrou que a boa publicidade contemporânea segue premissas muito semelhantes, hoje, às do Branded Content, buscando não ser invasiva, ser mais sobre pessoas e suas relações com as marcas do que apenas sobre as marcas, e com o objetivo de se transformar em conteúdo compartilhável. Além de, segundo ele, se tornar parte da cultura popular.
“Não há briga entre a publicidade e o branded content e sim uma batalha fenomenal pela atenção das pessoas. O maior desafio que já houve na história da comunicação. Essa é a batalha que importa. Antes a disputa era mais leve. Hoje, ainda é importante comprar audiência qualificada, mas a oferta de entretenimento é gigante e as marcas brigam com as inúmeras ofertas, desde os serviços de streaming a memes e vídeos de gatinho”, disse Lima.
André Lima, da NBS
Ele lembrou que, neste cenário, a grande pergunta é: “Qual o tempo que as pessoas vão dedicar à sua marca?”. Lima lembrou que deve se buscar o ponto de equilíbrio entre mensagens e entretenimento, entretendo e ao mesmo tempo construindo vínculos. Neste sentido, cada vez mais a publicidade se aproxima do branded content em abordagem e estilo. Ao mesmo tempo, é fina a linha em que o branded content trafega.
“Se as pessoas percebem a presença excessiva da marca, vira conteúdo patrocinado”, comenta.
Cabe à publicidade, em sua opinião, ajudar as marcas a encontrar aquilo que cabe ser colocado no mundo, como o seu propósito, sua atratividade, legitimidade e relevância.
Uma visão de futuro
Tiago Afonso, diretor de desenvolvimento comercial e digital da Editora Globo, levou para o evento uma visão de futuro e tendências com base na sua participação no SXSW, o mais importante evento de inovação do mundo, hoje, realizado anualmente em Austin, no Texas. Falou-se, por exemplo, no fim dos smartphones (apontado pela futuróloga Amy Webb) a partir de 2018. O uso da Inteligência Artificial aumentará, bem como se apliarão os conceitos de casas inteligentes, cidades inteligentes e carros autônomos. O aumento da capacidade computacional também promete revolucionar, a partir da chamada computação quântica. Outro assunto importante durante o evento foi a chamada BlockChain, que transcende as moedas criptografadas e deve se tornar uma espécie de “segunda camada” da internet mais segura, com novo protocolo, para justamente resolver as questões de segurança da rede para diversas transações. Temas como igualdade, diversidade e tolerância entram definitivamente para a agenda do planeta – e consequentemente das marcas. Fica a questão: como se comunicar idealmente? Com narrativas curtas, ou fragmentadas?
“A segunda perspectiva do SXSW foi o nascimento de uma espécie de movimento de humanismo, que deixa de enxergar as pessoas como vítimas das inovações e da tecnologia e as coloca na posição de cuidar dos seus resíduos, assumindo a responsabilidade pelas implicações das inovações na sociedade”, comentou Tiago.
Segundo ele também ficou claro que esta noção de responsabilidade de marcas e empresas também não tem mais volta, e não é mais possível estar no mundo com relevância sem se posicionar claramente diante das questões importantes da sociedade. Ele citou como alguns exemplos a decisão do Google de investir na imprensa responsável e da decisão da marca Dick’s Sporting Goods de não vender mais armas de fogo.
Pimenta, do G-Lab, lembrou que diante do cenário atual, nem todas as marcas precisam produzir conteúdo.
“Nem todas as marcas têm maturidade para produzir conteúdo. É preciso valor real para o conteúdo, é preciso relevância”, argumentou.
Lima, da NBS, concordou com ele, afirmando que a obsessão pela produção de conteúdo leva a grandes equívocos.
“Webséries, por exemplo, podem ser extremamente chatas e ineficientes, pois competem com séries de grande qualidade que estão por aí, acessíveis a todos. É preciso ter legitimidade para colocar conteúdo no mundo, e nem todas as marcas têm assunto para falar. A maturidade do mercado dará esta linha de corte”, concluiu.