Especulação sobre house agency no governo federal reacende polêmica
Quem não lembra do comercial da Pepsi criado por sua agência in-house, em 2017, estrelado por Kendall Jenner e considerado um dos maiores fiascos da história da propaganda? No filme, a modelo aparece em um protesto, quando oferece uma lata do refrigerante a um policial. A campanha foi alvo de críticas por minimizar o movimento Black Lives Matter (vidas negras importam), que se opõe à violência policial contra a população negra norte-americana. Na ocasião, a marca pediu desculpas em comunicado e tirou o vídeo do ar. O acontecimento gerou inúmeras reportagens, artigos, milhares de comentários nas redes sociais e algumas críticas inflamadas a anunciantes que criam suas estratégias de comunicação internamente.
O tema das houses voltou à cena na semana passada, quando a revista Época publicou que a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) estaria planejando criar uma agência interna para cuidar das comunicações do governo federal. De acordo com a publicação, o plano partiu de Carlos Bolsonaro, vereador pelo Rio de Janeiro e responsável indireto pela Secom. O objetivo do filho do presidente, segundo a revista, é reduzir os gastos com as agências de propaganda em até 70%.
House agency do governo: solução ou dor de cabeça?
Declarações variadas e atitudes vêm apontando para o combate ao BV (Bonificação por Volume) e um endurecimento nas licitações das contas públicas federais, bem como reduções de verbas. Mas não há, ainda, qualquer indício concreto de que o governo federal esteja, de fato, disposto a montar uma house e ir muito além de uma central de compra de mídia na Secom, por exemplo. Resta saber se onde há fumaça, há fogo.
A assessoria de comunicação da Secom não deu retorno à demanda do PROPMARK sobre o tema e, embora ele ainda esteja no plano da especulação, chegou a ser comentado durante a última reunião da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap), no Rio de Janeiro.
Mario D’Andrea, presidente da entidade, disse que nunca viu um governo montar house. “Já vi empresas fazerem e se arrependerem. Meu primeiro emprego foi na house de um grande anunciante, que hoje não tem mais house. A conta não fecha. Nem falo sobre qualidade de trabalho, esta é uma outra discussão. Do ponto de vista de negócio, não faz o menor sentido”, afirmou o publicitário.
As chamadas houses vêm e vão, e um modelo que está se tornando bastante popular são estruturas internas em anunciantes administradas por agências de publicidade, como é o caso do Walmart e sua agência interna tocada pelo Grupo Publicis nos Estados Unidos. Um caso interessante é o da house do Pão de Açúcar, a PA, mantida durante oito anos, que chegou a ter 280 pessoas, e foi comprada pelo Grupo Havas. Um advogado do mercado comentou que há restrições às houses pelas normas padrões do mercado publicitário, que são normas convencionais.
“Houses não podem negociar mídia e receber os descontos das agências, que são apenas de agências de propaganda. A agência cria, produz, planeja e negocia a mídia. Uma house atende um cliente exclusivo e a questão é como fica a negociação com os veículos”, comentou.
Outra fonte, que preferiu não se identificar, comentou que ter uma house sempre teria sido o sonho de quem assume o poder em Brasília. “Já pensou quantos empregos, quantas boquinhas novas seriam criadas?”, especulou.
Outra fonte comentou: “Uma agência própria é criar mais um órgão público quando estão tentando acabar com uma centena deles. Não ajuda porque o novo órgão vai ter de licitar tudo, da produtora de filmes e vídeos aos veículos que farão a inserção da publicidade, inclusive nas redes. É inviável.”
Eduardo Domingues, fundador e diretor-geral da Nova!Comm, fala que o movimento para criar uma house agency no governo federal não é salutar porque leva a crer que existe uma desconfiança de todas as agências que hoje trabalham para o governo, como se todas fossem envolvidas com corrupção e trapaças.
“Agência de publicidade, no fundo, nada mais é do que uma consultoria e executora (feita por pessoas) de comunicação. Quando o trabalho é feito de uma forma isenta, fica melhor. As pessoas numa house agency são empregadas do cliente e, assim, planejam e executam aquilo que o cliente quer, não aquilo que ele precisa”, comenta.
De fato, uma das críticas mais veementes que o mercado em geral costuma fazer às houses é que existem, no processo de produção e aprovação de trabalhos, simplesmente poucas pessoas para dizer “não” e eventualmente impedir que certos trabalhos sejam produzidos. A perspectiva externa, mais isenta, é uma das grandes vantagens de trabalhar com fornecedores de fora, especialmente em uma tarefa tão essencial quanto a comunicação.
“A ideia de criar uma ‘house agency’ para atender o governo federal é ruim sob vários pontos de vista. Cito três: tecnicamente pelas mesmas razões que há décadas não é recomendação entre as boas práticas preconizadas pelas associações que congregam anunciantes mundo afora, entre as quais a nossa, da qual, inclusive, fazem parte várias empresas controladas pelo Estado brasileiro. Juridicamente por significar quebra de contratos recentes assinados com a própria Secom da Presidência da República e desrespeito com a legislação vigente. E politicamente por sinalizar excesso de poder de criação, produção e distribuição de publicidade – não necessariamente a crítica – concentrado nas mãos do poder central, o que nunca é bom, nem para a boa fluidez do processo democrático, muito menos para o exercício pleno da liberdade de expressão de um país”, comenta Armando Strozenberg, ex-Havas e hoje consultor.