ESPM e Círculo de Criativas Brasil debatem sobre as dores das mulheres no mercado
O evento feito em parceria com o Círculo de Criativas Brasil contou com a presença de Luiza Helena Trajano e nomes de renome da comunicação do país
O evento "Circulando: Mais Mulheres no Mercado", feito em parceria com o Círculo de Criativas Brasil e sediado na ESPM, reuniu nomes femininos de renome do mercado nacional na última terça-feira (28).
Com foco na visibilidade e fortalecimento do papel da mulher na indústria da comunicação, o encontro contou com painéis que tinham como objetivo apontar as dores que o público feminino ainda enfrenta no mercado, como por exemplo a falta de mulheres nas lideranças e os preconceitos enfrentados por essa parcela da população.
O início dos trabalhos se deu em um bate-papo com a presidente do Conselho do Magazine Luiza e presidente do Grupo Mulheres do Brasil, Luiza Helena Trajano, que subiu ao palco junto de Adriana Cury, líder-fundadora do Círculo de Criativas Brasil, e Paulo Cunha, professor e coordenador do Curso de Comunicação e Publicidade da ESPM, que mediaram a conversa.
Durante a conversa, Luiza contou sobre o seu início de carreira, vinda da cidade de Franca, no interior de São Paulo, e a trajetória até se tornar uma das mulheres de mais renome nacional, além dos desafios que encontrou no meio do caminho.
"Eu sou uma mulher do interior, então imaginem eu chegando em São Paulo para mostrar uma empresa totalmente desconhecida na época... Três coisas me ajudaram muito no caminho. A primeira foi que eu nasci em uma família que há 70 anos já tinha mulheres empreendedoras. Segundo, eu sou filha única e sobrinha única, e filha única tem uma autoestima incrível, né? Eu me acho a tal. E terceiro, eu tenho muita fé. Eu acredito que quando a gente faz o bem, o mal não chega na gente", afirmou a empresária.
Luiza também afirmou que, desde o seu início, reconheceu as dificuldades enfrentadas pelas mulheres no mundo corporativo, mas que nunca se deixou abalar e que a vida profissional é feita de ciclos.
"Eu acredito na fusão do masculino com o feminino, mas ainda temos uma distância muito grande. Eu confronto os homens, porque eles foram criados de uma forma diferente na questão de gestão empresarial. Hoje, o mercado é totalmente diferente e é importante entender que estamos aprendendo. O mundo precisa de liderança e, ser líder é levar as pessoas mais longe do que elas imaginam", pontuou.
A empresária também usou o seu espaço para incentivar os alunos que estavam no auditório da ESPM a "começarem já" os projetos que tem na gaveta e perderem o medo de errar.
"Eu queria lançar um movimento aqui que é o 'É pra já'. O mundo ta muito rápido para a gente ficar protelando as coisas. Comecem fazendo, não se importem muito com o que os outros vão pensar. A primeira coisa é não ter vergonha de errar, de estar nos lugares. A melhor qualidade que eu tenho é não ter compromisso com o acerto, porque são dos ensaios do erros que a gente aprende. Claro que a gente tem medo, mas a única forma de vencer isso é falar que estamos com medo e tentar mesmo assim. Redireciona o medo e faça", finalizou Luiza.
Em seguida, foi a vez do palco da ESPM ser tomado por nomes reconhecidos do mercado da comunicação, como Samantha Almeida, Diretora de Inovação e Diversidade da Globo; Dilma Campos, fundadora e CEO da Nossa Praça e Head de ESG da BPartners; Letícia Rodrigues, CD da FCB/Brasil e cofundadora do Perifa Lions; Michele Levy, sócia da consultoria Filhos no Currículo e Renata Leão, ECD da David, no painel "Preconceitos: Esse tema precisa sair das nossas pautas", moderado por Ana Paula Dolabella, Head de RH e do Núcleo de Inclusão da ESPM.
A conversa foi iniciada com a provocação "por que ainda precisamos falar sobre preconceito?", e a resposta das participantes se tornou unânime: porque ele ainda não acabou.
"Nós vamos continuar tocando nesse assunto, mas o que eu queria falar é um pouco em direção ao futuro. Se a gente voltar um pouquinho no passado, aquela foi uma época onde não se tinha noção ou percepção desse preconceito, mas hoje nós temos. Isso significa que nós somos os agentes de quebrar isso e, se daqui duas gerações o preconceito continuar existindo, nós falhamos. A gente não pode achar que o mundo pode continuar dessa forma. A gente sabe e cabe a nós reconhecer e entender o que temos que fazer para mudar", afirmou Dilma Campos.
Durante a fala, Samantha Almeida ainda pontuou sobre a necessidade de identificar os objetivos e reconhecer o que é inegociável para cada um. "Não cabe o conformismo, mas vale uma avaliação saudável porque o excesso de desafio nos leva à exaustão, mas o excesso de conformismo leva a frustração. Então, alguns confortos excessivos vão precisar entrar em equilíbrio para que o público que está desconfortável tenha um pouco mais de conforto", afirmou a executiva da Globo.
Renata Leão, foi de encontro com a linha de Samantha e, durante a sua participação, afirmou que o mercado da comunicação "não nasceu para ser o mais diverso do mundo". "O mundo da propaganda nasceu de um boys club, que se reunia, fumavam seus charutos e tomavam as decisões. Mas, com o tempo, percebemos que as coisas precisavam mudar. Então sim, o desconforto de alguns é um preço pequeno a se pagar pelo progresso social".
Durante a conversa, as convidadas também debateram sobre alguns preconceitos específicos, como o social — ligado a desigualdade —, lgbtfobia, etarismo, machismo e o matriarcal no ambiente de trabalho.
Sobre o social, Letícia falou sobre a criação do Perifa Lions e como o projeto apresentou para os estudantes da UNASP Capão Redondo, local de nascimento da iniciativa, uma oportunidade de ingressarem no mercado.
"O nosso gatilho para a criação do Perifa foi a frase 'professor, eu nunca saí do Capão, como você quer que eu saia de São Paulo?', dita por um dos alunos ali. Eles vinham de uma região que não era vista pelo mercado e nem pelos profissionais, aqueles talentos estavam longe do mercado e as vagas não chegavam até eles. Essa frase significou uma sensação de falta de pertencimento e por isso fundamos o Perifa Lions. Ali entendemos que o mercado precisava enxergar esses talentos e esses talentos precisavam se enxergar nesse mercado", explicou a CD da FCB/Brasil.
Letícia também usou seu espaço para comemorar o aumento das inscrições no projeto de 2023, que passou de 38 inscritos no ano anterior para 125. "Isso é um reflexo dessa sensação de pertencimento. Claro que eles vão encontrar dificuldades no mercado, mas primeiro eles precisam entrar e entender que podem fazer parte. Nós vivemos em um ciclo vicioso do 'quem indica' e é importante que esses jovens ocupem os lugares nas empresas e ocupem os grandes festivais. Esse foi o nosso maior motivador", finalizou a executiva.
Já sobre o preconceito com a comunidade LGBTQIAP+, Renata Leão acredita que a pauta tem que ser debatida "de cima para baixo", com o letramento dos líderes das empresas.
"Essa é uma pauta diária e eles precisam entender que isso é uma prioridade. Nós temos que formar e empregar essas pessoas. É fato que as siglas avançaram muito com os anos, mas a T, de transexuais, ficou para trás. Nós temos que ter vergonha disso. O letramento das lideranças das empresas é importante para fazer com que essas pessoas sintam o desconforto de não ter pessoas trans em seus quadros de funcionários. Enquanto as coisas não mudarem, a gente precisa pensar nisso e procurar. Como líder, não da para fugir e nenhum deles deve dormir sossegado enquanto isso não avançar", ressaltou a ECD da David.
No tema machismo e racismo, foi a vez de Dilma Campos ter a palavra e, em sua fala, a executiva afirmou que as mulheres, principalmente as que possuem filhos, foram as que mais perderam os seus empregos durante a pandemia e ainda pontuou que os dados sobre o crescimento do empreendedorismo feminino não devem ser tratado com o glamour de avanço do mercado.
"As demissões dessas mulheres geraram o movimento de empreendedorismo por sobrevivência, mas isso veio com um glamour enorme. Quando a gente analisa, esse aumento só aconteceu para que essas mulheres tivessem voz, porque no mercado, isso foi tirado delas. Segundo a ONU, o mundo só vai alcançar a equidade de gênero daqui 280 anos. Nós temos que evoluir e acelerar isso. Então, precisa sim de letramento, mas mais do que isso, temos que nos comprometer com a causa", pontuou Dilma.
Quando o tema se tornou os filhos, Michele Levy, também trouxe o dado de que 40% das mulheres saem do mercado de trabalho após a chegada da maternidade e, para ela, uma das formas de resolver essa questão é mostrar para essa parcela da população que é possível ser mãe e ser bem sucedida em seus cargos.
"Nós temos que olhar para cima e ver que é possível. Quando a gente tem filhos, temos um laboratório de inovações diário em casa e isso são skills que agregam no mercado. Filhos são potências e não barreiras para carreira, mas as empresas precisam criar um ambiente propício. Além disso, precisamos falar de cultura também. Precisamos naturalizar a chegada de uma criança como qualidade de vida", afirmou Michele.
O último tema debatido trazido para a conversa foi o etarismo e, sobre isso, Samantha Almeida ressaltou a necessidade de se repensar a caixa da idade.
"A idade não afeta todos os grupos da mesma forma. Ela afeta as mulheres de uma forma muito cruel. Hoje, a perspectiva de vida aumentou e precisamos rever as questões culturais sobre esse tema porque as pessoas não irão se engajar na prática se o teórico não existir", afirmou Samantha.
Além disso, a executiva também falou da importância da mistura de idades no aprendizado.
"Assim como precisamos aprender com quem está a muito tempo nos espaços, nós também precisamos aprender com o olhar de inovação de quem está chegando. Precisamos entender que estamos falando de nós, não dos outros, porque se tudo der certo, a geração que vai precisar pensar no etarismo é a geração que vai sobreviver e ela somos nós", completou Samantha.
Outro ponto levantado pela conversa foi o inconformismo como combustível da mudança, pontuado por Letícia Rodrigues, que afirmou que a mudança só acontece a partir do inconformismo e que só assim a sociedade irá avançar.
Já para Michele Levy, o avanço também virá no momento em que as conversas sobre o combate aos preconceitos sair da bolha dos convertidos.
"Precisamos falar com os homens, trazê-los para essa conversa. Então, homens, usem as vozes de vocês, não se calem! Porque se calar é deixar que as coisas se perpetuem. Não permitam que isso aconteça", completou a sócia da consultoria Filhos no Currículo.