"Está todo mundo se reinventando", diz executiva da Coca-Cola
A Coca-Cola está mudando e Andrea Mota, diretora de categoria da marca, é uma das pessoas mais envolvidas nessa missão. Sua principal atividade, hoje, é liderar a agenda de mudança da identidade da empresa – a Total Beverage Company – e é por ela que passam as principais estratégias para atingir o objetivo, como ampliar e desenvolver o diálogo com a sociedade e criar novas alternativas de produtos mais adaptados às demandas das pessoas, aplicar rotulagens mais claras e ampliar a oferta de embalagens de refrigerantes, com opções em menor tamanho.
O que mudou, que está fazendo a Coca-Cola mudar?
O mercado mudou. A principal mudança é que a sustentabilidade nas empresas, de uma maneira geral, deixou de ser aquele departamento verde, do cantinho, com o pessoal meio hippie e diferente que estava totalmente fora do negócio, não participava dos processos de business plan. Hoje ele está dentro. Sustentabilidade é o centro do nosso negócio. É a forma com que vamos crescer daqui para frente. Porque o mundo mudou e, se as empresas, as pessoas e as profissões não mudarem, estamos mortos. No caso de relações corporativas e a área de sustentabilidade, gosto de contar a minha história: trabalhei 22 anos em marketing e agora estou nessa área. Para trabalhar em sustentabilidade, a premissa é entender do negócio. Meu time tem pessoas de operações e de marketing totalmente inseridas no negócio.
Você tem uma agenda bastante “lotada”. Como ela nasceu e qual tem sido o seu principal vetor?
A mudança veio das pessoas. A Coca-Cola tem uma história de 130 anos e quase 75 no Brasil. Ela sempre olha para o que está se passando com as pessoas. Olhando para as pessoas e para o mundo, percebeu-se que havia mudanças importantes em andamento. Tivemos sucesso ao longo do tempo porque fomos capazes de perceber as mudanças e o seu impacto no nosso negócio. Cada década teve suas questões e no momento as pessoas querem consumir de forma consciente. E tão importante saber o que se faz e como se faz. O vetor principal dessa agenda foi e tem sido esse: as pessoas com um interesse muito maior em entender como as coisas são feitas, de onde elas vêm, qual o seu impacto nas comunidades e no meio ambiente, na própria saúde e de seus filhos. A coisa se tornou tão grande que nos levou a enxergar o negócio de uma maneira diferente. A nossa área de sustentabilidade tem duas lentes: o que fazemos e como fazemos, sendo que o ‘como’ é a tradicional área verdinha, que entrou dentro do negócio e diz respeito a causar o menor impacto possível no meio ambiente. O lado do ‘o que fazer’ diz respeito aos produtos: sempre tivemos um olhar muito na marca. Minha posição, hoje, é olhar para os produtos e avaliar se temos um portfólio sustentável.
De marca mais amada do mundo a foco de críticas de diversos lados. Como lidar com isso?
Esse ambiente de paixões, ódios e extremos é uma realidade que estamos vivendo hoje. Com as redes sociais, a tecnologia, as pessoas se sentem poderosas atrás de um teclado e dão sua opinião de forma muito apaixonada e polarizada – sobre tudo. Política, vida pessoal, produtos. Todo mundo está sendo julgado o tempo todo. No nosso caso, abrimos diálogo com todo mundo. Não dá para escolher. É dialogar com pessoas que têm algo a dizer, que são relevantes, que estão construindo um pensamento e há pessoas que gostam da gente e outras não. E junto às pessoas que ‘aparentemente’ não gostam foi onde mais aprendemos, conseguimos ter um diálogo mais profícuo, nos transformamos. São diálogos de extremos. Tem um parceiro nessa jornada de quem eu gosto de falar que é a ONG Novos Urbanos, de São Paulo, que acredita no diálogo de ação, intersetorial. Todos os setores discutem um mesmo tema. Se é alimentação, estão pessoas de governo, da indústria, da área médica, da academia e da sociedade civil para buscar soluções e chegar a um acordo. É baseado numa metodologia desenvolvida pelo Presence Institute, do MIT, para criar um espaço de confiança para que o diálogo ocorra, porque senão vira um debate de acusações e defesas e não se chega a lugar nenhum.
Dentro da agenda de vocês, o que veio de fora como demanda da sociedade ou imposição governamental e o que foi iniciativa própria?
Foi uma combinação. O governo naturalmente tem um papel e falamos muito do triângulo que é a base de qualquer transformação: o governo, a sociedade civil e a indústria precisam trabalhar juntos. O governo tem um papel de regular e propor, mas se a indústria não caminhar junto, a coisa não vai. Cada um aporta uma expertise. A sociedade civil e os ativistas trazem um olhar mais transformador, que é importante. A indústria tem o poder de fazer acontecer, uma agilidade que o governo muitas vezes não tem. Redução de açúcar foi uma iniciativa nossa, já vinhamos fazendo. Há dois anos iniciamos um plano de reformulação contínua e reformulamos 42 produtos do nosso portfólio. Colocamos frutas onde era só aroma, retiramos conservantes, lançamos novas opções de sucos 100%. Reduzimos açúcar em refrigerantes como Fanta e Kuat. Lançamos a Coca-Cola Stévia, com metade do açúcar e parte de stevia. Quando iniciamos alguns desses diálogos, as pessoas se surpreenderam. Muitos acreditam que nós temos um papel como empresa grande de ajudar as pessoas a se acostumarem a produtos mais doces. Porque os brasileiros amam açúcar. Na Inglaterra se consome 50% de produtos light, diet, zero e afins. No Brasil, muito pouco. Aqui há a cultura da cana, da doceria portuguesa, é ancestral. Mas podemos oferecer opções. Outra agenda é o nosso marketing responsável. Desde 2011 reformulamos nosso código. Não fazemos, por exemplo, propaganda para crianças abaixo de 12 anos.
Vocês deixaram de vender refrigerantes em escolas. Como foi essa iniciativa?
Esse – comercialização em escolas – é nosso compromisso de maketing responsável. É um compromisso global. Não vendemos em escolas primárias. Aqui no Brasil ouvimos a sociedade a respeito. O que surgiu foi uma proposta de oferecer bebidas do portfólio que fossem adequadas às cantinas e isso foi feito em conjunto com Ambev e Pepsico.
O que vocês comunicam, dessas iniciativas, e o que não comunicam? Como encontrar o equilíbrio?
Isso também é um desafio, para os profissionais de comunicação e as agências. Está todo mundo se reinventando, não só as empresas. As agências de comunicação, as assessorias, o jornalismo e a imprensa como um todo. Todos estão se perguntando o que está acontecendo com esse mundo e como se ajustar. Há coisas muito bacanas que gostaríamos de divulgar mais, como nosso programa Coletivo. Nele há um projeto chamado Geração Movimento, que combate o sedentarismo, além da dieta. Foi feito com professores de educação física focado em crianças de seis a 12 anos. Há uma semana ganhamos com ele um prêmio global da ONU. Investimos em tecnologia, fizemos piloto em duas praças e provamos que valorizando o professor de educação física consegue-se criar uma cultura corporal e trabalhar com o corpo vira um prazer.
Qual é a importância em focar nessa nova identidade de empresa com um amplo portfolio de produtos?
Esse processo está no começo, estamos veiculando a segunda campanha agora, Escolhas. A Coca-Cola Brasil sempre deixou as marcas brilharem muito. Temos grandes marcas, mas hoje em dia as pessoas querem saber o que está por trás das marcas. Quando nos posicionamos como uma empresa de bebidas é importante para a sociedade saber que temos muitas opções. Agora temos a marca Verde Campo, temos produtos lácteos, lançamos café Leão em agosto. Uma das nossas estratégias é oferecer cada vez mais escolhas para que as pessoas decidam o que querem consumir. Muitas pessoas ainda se surpreendem quando dizemos que Matte e Del Valle são marcas da Coca-Cola. Nas nossas pesquisas as pessoas em geral reconhecem Coca-Cola e Fanta como produtos da empresa, mas estamos aos poucos ampliando esse conhecimento. Queremos saber o que move as pessoas. O mundo pede transparência.
No marketing institucional, essa construção de uma nova identidade de empresa com vários produtos está no centro?
Duas coisas: mostrar o que fazemos, e é preciso que as pessoas saibam que vai além da Coca-Cola que empresta o nome à empresa, mas também o como fazemos, uma área em que estamos aprendendo ainda sobre como comunicar, o que comunicar dos muitos projetos que realizamos. Como os nossos projetos de reaproveitamento de água. São duas grandes avenidas pelas quais transitamos ao longo do ano.
Quanto pode se mexer num produto como a Coca-Cola?
Coca-Cola não é mais nossa, é das pessoas. É uma marca tradicional e presente na vida das pessoas. A maioria adora a marca. Isso tem de ser respeitado. Mas acabou sendo a marca com a maior quantidade de opções. São paradigmas. A marca Coca-Cola é muito maior que o produto. Mas, no fim do dia, é um produto maravilhoso. Precisamos acreditar no nosso produto, que é uma bebida deliciosa. Não podemos ficar reféns das críticas. Recebemos críticas com a campanha atual (Sinta o sabor) e com as campanhas anteriores, quando falamos de felicidade, de emoções. Agora, o que é um fato e isso vale para todos e não só para a indústria de bebidas: precisamos ficar atentos ao capitalismo consciente, e ele passa por menos consumo. O marketing e a comunicação das empresas terão de medir o seu sucesso de outra forma. Não dá mais para focar em crescimento desenfreado porque senão o planeta vai acabar. Sustentabilidade é isso. Tudo é pendular.