Estudo do Ibope analisa crise e consumo

Levando em conta principalmente aspectos da economia e do cenário político e social brasileiro e valendo-se de uma robusta pesquisa de campo – que incluiu técnicas de coolhunting e etnografia –  o Ibope realizou em parceria com o semioticista Bruno Pompeu o estudo Brasil: Contexto & Tendências, que se aprofundou nos dois principais universos do consumo brasileiro, antepostos entre si, mas perfeitamente permeáveis: dos valores elitizados e dos valores populares. Ainda que o panorama socioeconômico brasileiro leve em conta o aumento da classe C e apresente alguma tendência para a homogeneização do consumo, o que se percebe é um cenário polarizado: de um lado os ricos, e do outro os pobres, duas pontas que se alimentam e tensionam mutuamente.

“Verifica-se uma aproximação desses dois universos, um estreitamento, fruto da racionalização do consumo e consequentemente maior conscientização e o empoderamento do consumidor. O consumidor ficou mais exigente e o pessimismo tomou conta da sociedade”, analisa Marcia Akinaga, diretora de Pesquisa Qualitativa e Inovação do IBOPE Inteligência.

Neste cenário, a classe mais alta pode ter valores de consumo populares, assim como um consumidor de classe baixa ter valores de consumo elitizado. Um mapeamento desses valores, sentidos e significados por trás dessas escolhas traçou oito diferentes territórios de valores (tabela abaixo). Em todos foi identificada a dicotomia e a presença do caráter mais popular e do caráter mais elite.

“Acredito que um dos resultados que mais chama a atenção é constatar os desafios de se estudar o consumidor contemporâneo. Estamos presenciando um contexto muito complexo e dinâmico. O consumidor assume múltiplas identidades e orienta o consumo de acordo com seu estado de espírito, necessidade ou momento. Ficou mais difícil estudar seu comportamento.”, explica Marcia.  Segundo ela, não é mais possível lançar mão somente dos métodos tradicionais de pesquisa e inteligência.

Segundo ela, de uma maneira geral, o consumo se sofisticou, mas a crise o tornou mais racional.

“Independente da classe, todos estão precisando justificar o consumo, seja por uma via mais prática, como por um argumento mais elaborado. Um iogurte tipo ‘grego’ é mais caro mas pode manter seu potencial de consumo ao oferecer benefícios claros de consistência e sabor, por exemplo”, exemplifica.  

Em momento de crise como o atual, os valores “Vínculos familiares”, “Local de referência”, “Conceito de nação” e “O valor do trabalho” ficam mais evidentes e crescem justamente pela valorização dos vínculos (“a união faz a força”), pois o consumidor precisa sentir-se acolhido, protegido, e luta para sobreviver em meio a um cenário de incertezas.

Na crise, a racionalização do consumo prevalece e aproxima os valores de consumo elitizado e popular. Uma marca pode se beneficiar dessa tendência ao se apropriar de determinado território e transitar entre um valor de elite e popular.

Marcia diz que para a publicidade é importante perceber que o universo simbólico do consumo de elite  lida com o tempo alongado, com o passado e com o futuro, tem um vetor apontado para o qualitativo (melhorar, especificar, detalhar), sugere estilo e sofisticação. Já o universo simbólico do consumo popular está ligado diretamente com o tempo do agora, com o presente e com a rotina, tem seu vetor apontado para o quantitativo, sugere mistura e experimentação.  E nenhum desses universos está obrigatoriamente amarrado a classes sociais. 

É preciso ter respostas para o lado mais quantitativo da crise, que pende para o território mais racional do que emocional, quanto para o qualitativo, buscando  discurso para o lado mais sólido, perene, consistente, duradouro.

“Assim, a palavra “investimento” se faz presente: em vez de gastar, investir. Funciona como justificativa para o consumo”, conclui.

O estudo é dinâmico que está em constante atualização e será extendido para toda a América Latina ainda esse ano.

 

Os principais valores de consumo:

 

Vínculos familiares: valores ligados ao círculo familiar, envolvendo confiança, origem, rotina, ambiente doméstico etc.; 

 

Minha fonte de prazer: tudo aquilo que me proporciona um prazer intimo, ligado ao sensorial, livre das regras. 

 

Quero fazer parte: aquilo que me conecta afetivamente ao coletivo, que me faz sentir parte de um grupo positivamente avaliado; 

 

Consumo identitário: mostrar ao outro a minha identidade, como forma de expressar algo de superior e de conquista; 

 

Melhora no cotidiano: o que eu tenho dentro de casa e que serve para que a minha vida seja melhor, mais fácil e mais prazerosa; 

 

Local de referência: grupo eletivo de pessoas que fazem parte do meu dia a dia, ainda que mais simbolicamente do que concretamente; 

 

Conceito de nação: espaço geográfico a que me sinto pertencente, que ajuda a definir minhas referências de origem e circulação; 

Valor do trabalho: tudo aquilo que esteja ligado ao trabalho, às realizações e à minha formação técnica ou intelectual;