“Eu faço a roda girar”
Pintor, músico, ator, cantor, compositor, humorista, jornalista e escritor. Carlos Righi já quis ser tudo isso, e acabou encontrando elementos de cada uma dessas atividades na profissão que exerceu a maior parte da sua carreira: a redação publicitária. A propaganda também o levou para outra etapa profissional, como sócio de produtoras de filmes. Foram cerca de
20 anos em redação publicitária, e cerca
de 15 em produtoras. Hoje é sócio da Damasco Filmes, a quarta produtora em que trabalha e onde já está há dois anos
Muito cedo na vida Carlos Righi teve a certeza de que ganharia a vida escrevendo – depois de um período encantado com a ideia de ser pintor de paredes. Ainda criança, tornou-se um leitor voraz, dividindo seu tempo entre os livros e a construção de fortes de apaches e cidades infinitas pelo sobrado em Belenzinho.
Adolescente, além da leitura, ouvia bossa nova e adorava as séries da época, como “Agente 86” e “Terra de Gigantes”. Ao se formar no colégio Dante Alighieri, Righi pensava em ser jornalista. Seus pais lhe deram de presente uma viagem de navio, e seus planos tomaram contornos inesperados.
“No navio conheci uma diretora de arte da Almap, que me convidou para conhecer a agência. Naquele dia eu soube o que podia ser e o que queria ser: redator”, conta. Assim Righi foi parar na FAAP, no curso de publicidade e propaganda.
“Eu queria muito escrever os roteiros daqueles filmes engraçados que eu vira tantas vezes nas exibições que os principais festivais de publicidade do mundo realizavam em São Paulo. Não havia internet. Assistir àquelas sessões era a única maneira de ver aqueles filmes maravilhosos ou hilários ou com produções grandiosas. Era exatamente isso que eu queria fazer: encantar as pessoas com inteligência, humor, irreverência e criatividade”, relata.
Atraente, a propaganda já vivia anos dourados naquela virada dos anos 1970 para os 1980, quando Righi assistiu na faculdade a uma palestra do Petroninho, filho de Petrônio Correa, o “P” da MPM. Não perdeu tempo.
“Depois da palestra fui falar com ele e me chamou para uma conversa na agência. Liguei, marquei e lá fui eu para a lendária Rua General Jardim. Saí de lá com um estágio marcado e férias desmarcadas”, conta Righi.
Medo e encantamento marcaram sua chegada à maior agência do país, onde trabalhavam, naquele ano de 1983, Sérgio Graciotti, Ciro Pellicano, João Simone, Sylvio Lima, Feijão (João Carlos de Souza Neto), Nelo Pimentel, Claudio Deckes, Adriana Cury, José Diniz, Laerte Agnelli, Paulinho Leite, Cristina Silva, Bjarne Norking, Adilson Ferrari, Zbigniew Campioni e Alarico de Toledo Piza.
“Era o maior número de talentos e prêmios por metro quadrado. Depois chegou o Gilberto dos Reis, que virou meu chefe, virou meu amigo, virou meu irmão. Era o máximo”, relembra.
Righi começou fazendo tijolinhos de jornal para concessionárias Fiat. Feliz da vida. Um belo dia, teve a chance de criar um spot para a Aliança Francesa, chamado “Tradutor”, uma imitação do Hélio Ribeiro (ator, radialista, jornalista) traduzindo o hino francês. “Allons enfants de la Patrie, Le jour de gloire est arrivé!” virou “Alô elefantes da Pátria, os juros de agora é de doer! E terminava com “Marchons, marchons!” aos gritos de “Machão, machão!” Foi um sucesso e a primeira medalha de ouro do Righi no Clube de Criação de São Paulo.
No ano seguinte, outro ouro, desta vez com um filme para um defensivo agrícola em que o Zé Rodrix ficava repetindo sem parar: “agora vou encher o seu saco, de milho, com Triamex você controla o mato e seu milho rende muito mais. Agora vou encher o seu saco… de milho…”.
No terceiro ano, o terceiro ouro, para um anúncio de página inteira de jornal para a Adria, com a foto da largada da corrida de São Silvestre e o título “Tá na mesa”. Righi se sentia em casa na MPM. Mas começou a receber propostas muito interessantes.
O choque cultural que veio da aquisição da MPM pela Lintas fez com que Righi, com 11 anos de casa, finalmente se abrisse para sair de lá. Com a ajuda de seu diretor de criação na época, Ercílio Tranjan, foi “rodar a pastinha”, como ele gosta de dizer.
Fez um freela na JWT com Bá Assumpção, mas logo foi chamado por Ruy Lindenberg para trabalhar na Y&R. “A agência estava voando na época, liderada pela Christina Carvalho Pinto e pelo Antonio Fadiga. E tinha um time sensacional: Paulinho de Almeida, Robertinho Pereira, José Carlos Lollo, Rita Corradi, Flavio Casarotti e J. R. D’Elboux.
Dessa época eu me lembro bem de uma campanha que fiz para o lançamento da marca de sorvetes Mövenpick no Brasil. Aproveitando que a Etta James estava em São Paulo para o Free Jazz, pedi para a Play it Again fazer um jingle com a cara dela. Adoramos e ela topou fazer. Fui pegá-la no hotel. Passamos o dia juntos. Ficou lindo e emocionante”, relembra.
Em 1995, Righi foi trabalhar na sua “segunda casa”: a DPZ. A convite de Nelo Pimentel, entrou para o time que cuidava de Kaiser, uma grande responsabilidade numa grande conta, que já tinha o “Baixinho” como garoto-propaganda e um belo histórico criativo.
“Fizemos uma reunião inesquecível, com todos os andares trabalhando juntos, Roberto Duailibi, Petit e Paulo Ghirotti. Zaragoza, Neil Ferreira, Nelo Pimentel e Pedro Alcântara. Eu e o Carneirinho (Doriano Cecchettini). Conseguimos. Fizemos muita coisa boa lá. É dessa época o ‘Dá pra tomar uma Kaiser antes?’”, conta Righi.
Quando a marca deixou a DPZ, Righi aceitou um convite de Cláudio Carillo para ser diretor de criação da Carillo Pastore Euro RSCG, indicado por Paulinho de Almeida. A agência crescia rápido na época, depois de conquistar contas como Embratel, Brahma, Peugeot e Pão de Açúcar.
De lá, passou pela direção de criação da segunda agência da Talent, a QG, de onde saiu, em 2002, para se dedicar exclusivamente ao Clube de Criação de São Paulo. O Clube é, por sinal, um capítulo à parte na história do profissional. Havia muito trabalho a ser feito, e ele acabava de ser eleito presidente. Foi bom para mim e ótimo para o Clube, segundo Righi.
Ele participou da vida do Clube desde o início da sua carreira, se apaixonando pelo trabalho e pela força dos Anuários. “Quando entrei na MPM, o Ciro Pellicano era o presidente. Depois foi o Sérgio Graciotti. E depois o Giba (Gilberto dos Reis). O diretor-executivo era o Tião Teixeira. Minha mulher trabalhou alguns anos lá. Fui diretor nas gestões do Carlos Chiesa, da Ana Carmen e do Tomás Lorente. O Tomás era um diretor de arte brilhante e um presidente teimoso. Quase quebrou o Clube. Resolvi me candidatar para colocar ordem na casa”, conta.
Como presidente, chamou Giba para ser o novo diretor-executivo e colocou as contas em dia. Fizeram a sede nova, o site, contrataram a jornalista Laís Prado – que está lá até hoje -, criaram o ClubeOnLine e a revista Pasta, reformularam o estatuto e mexeram na eleição dos jurados, além de trazer clientes e estudantes para participar de festivais, exposições e premiações.
“Peguei o Clube com 300 sócios e entreguei com bem mais de mil. Peguei o Clube endividado e entreguei com mais um milhão de reais em caixa. Um aprendizado e tanto”, relata.
No meio do caminho, foi para a Giacometti, pois o Clube sempre foi trabalho voluntário. Daqueles tempos, lembra especialmente da campanha para as Lojas Marisa, em que o Fábio Assunção aparecia vestido de mulher. Olhava para a câmera e perguntava: “Gostou desta blusa? É da Marisa. Se você comprar, no próximo filme eu apareço sem ela”. A cada filme, ele aparecia sem as roupas que havia anunciado, até aparecer completamente nu no último filme.
“Fez tanto sucesso que repetimos com o Reynaldo Gianechini, com o Bruno Gagliasso e com o Márcio Garcia”, conta. Também foi na Giacometti que Righi fez a campanha para o seu segundo mandato para presidente do Clube. O tema era Righi Bis.
“Cobrimos centenas de chocolates Bis com a embalagem sutilmente mudada para Righi Bis e distribuímos para os sócios junto com uma carta explicando o que havia mudado e o que precisava ainda mudar”, relembra. Deu certo e Righi foi para o seu segundo mandato.
Em 2004, Righi já tinha feito quase tudo: trabalhado como redator, diretor de criação, ganhado prêmios, sido presidente do CCSP. Ao receber a proposta de ser sócio da TV Zero em São Paulo, então uma bem-sucedida produtora carioca tocada por Renato Pereira e Roberto Berliner, Righi resolveu aceitar: ser sócio do próprio negócio era algo que nunca tinha experimentado. Deu certo, mas os sócios decidiram seguir caminhos diferentes e para continuar na área Righi inventou a Fulano FIlmes – já pensando em abrir a Beltrano Digital e a Sicrano Pós.
“Foram 10 anos de aprendizado e trabalhos que eu considero muito bons. Fizemos Kaiser para a FCB, fizemos o
Coronel Skavurska, da NET, com a Talent, ganhamos prêmios e fomos indicados para outros prêmios. Construímos uma produtora extremamente charmosa e competente”, relata.
Quando vendeu sua parte na Fulano, pretendia morar fora, mas isso acabou não ocorrendo e ele se abriu para novas propostas. Recebeu só uma de agências, o restante eram projetos ligados a produtoras, e a que mais lhe atraiu foi a possibilidade de “ser sócio um gênio chamado Rodolfo Vanni”.
“Queríamos fazer a Cia de Cinema crescer de novo, brilhar de novo e dar dinheiro de novo. Estávamos no caminho certo. Mas aí veio o golpe que derrubou a Dilma. Havíamos feito um filme gigante de uma estatal para as Olimpíadas. Filmamos em novembro e eles resolveram pagar só em maio. Some-se a isso a crise e pronto: a produtora não aguentou”, conta.
A Damasco Filmes surgiu em 2016. “Eu penso que a Damasco foi gerada dentro da Fulano. O Marcus Baldini era diretor da casa, fazia dupla com o Homero Olivetto, quando comprou os direitos do livro da Bruna Surfistinha. Ele foi fazer o longa, montou a Damasco e chamou o Marcelo Monteiro para ser seu sócio. O longa foi um sucesso e logo vieram outros projetos, a série “PSI”, canais do YouTube, projetos de branded content, outros longas. Os meninos sentiram a necessidade de completar o time chamando alguém mais ligado à publicidade”, comenta.
Há dois anos na Damasco, Righi fala que seu projeto é fazer a produtora ficar maior e melhor. E gostaria que a Damasco fosse sua última produtora – e não apenas mais uma.
Da propaganda, não sente saudades. Até porque, viveu tempos maravilhosos de uma indústria brilhante, organizada, premiadíssima, charmosa e rica em todos os sentidos, conforme descreve. A desregulamentação, ele acredita, trouxe degradação, mas ainda há espaço para a qualidade. E é exercendo este critério – o da qualidade -, que ele procura trabalhar.
“Não dá para entrar no jogo da falta de grana. Você tem de escolher que tipo de trabalho você quer fazer. Que tipo de trabalho você quer colocar no seu portfólio. Nós escolhemos trabalhar direito, contratar bons profissionais, pagar bons cachês, não economizar na produção e na finalização dos nossos filmes. Nunca vamos ser uma produtora baratinha. Escolhemos ter muito orgulho de cada filme que a gente faz”, enfatiza.
Na Damasco, hoje ele cuida do atendimento, da prospecção, das relações com o mercado, da assessoria de imprensa. Abandonou a criação, e só dá pitacos se for para facilitar ou melhorar a produção ou os tratamentos. Deixa a criação para quem está no dia a dia das contas, dos briefings, das estratégias. Ele já se considera “em outra encarnação”. E livre da frustração e do aprisionamento vividos, tão frequentemente, por quem trabalha em criação. “Sou um homem livre”, brinca, falando sério.
Ele é o cara que faz acontecer. Uma espécie de imã que atrai e conecta pessoas e trabalhos. “Eu faço a roda girar”, define.
Além de trabalhar, Righi gosta de beber com os amigos, de cinema, de séries, de estar com os filhos e de viajar. Pelo mundo será visto sempre em paisagens urbanas, museus, igrejas, restaurantes icônicos. “Natureza, sol e muriçocas”, como ele diz, não fazem parte do seu repertório.
Entre os muitos ídolos que colecionou nesses mais de 30 anos de trabalho, estão os que o ajudaram na profissão e na formação do seu caráter, como Giberto dos Reis, Sylvio Lima, Ercílio Tranjan, Adriana Cury, Nelo Pimentel, Tião Teixeira, Sergio Graciotti, Paulinho de Almeida. Cita ainda Washington Olivetto, Petrônio Corrêa, José Zaragoza, Neil Ferreira, Petit e Roberto Duailibi, Julio Ribeiro, Alex Periscinoto, Marcello Serpa, Fabinho Fernandes, Luiz Toledo, Eugênio Mohallen, Thomaz Lorente. José Diniz, Roberto Cipolla, Carneiro, Javier Talavera, Adilson Ferrari, Marta Matui e Carlos Rocca. Com muitos ele trabalhou, outros só admira, virou fã.
“O que mais pode querer um redator que veio do Belenzinho? Fora da profissão a minha extensa lista de admirados sempre começa com Chico Buarque de Hollanda”, conclui.