Evolução da fotografia gera impacto

Em tempos de smartphones com câmeras potentes para registros instantâneos no Instagram, ou fugazes para o Snapchat, todo mundo pode, se não ser,  ao menos sentir-se um fotógrafo. Difícil seria imaginar que o daguerreótipo, surgido em 1839, na França, alcançaria essas proporções e, hoje, a arte de retratar, antes atribuída apenas a pintores, seria de tão fácil acesso. Para a publicidade, em especial, os últimos 50 anos da fotografia e as mudanças que ocorreram no período representam um marco.

O ano de 1975 talvez tenha sido o início do período mais importante para essas mudanças. Foi ali que Steven Sasson, então engenheiro da Kodak, criou a primeira câmera fotográfica digital. Ao contrário de modelos levíssimos que existem hoje, o equipamento pesava cerca de 8 quilos e tinha um sensor de 100×100 pixels. O equipamento unia dispositivos analógicos e digitais, captava imagens em 100 linhas, em preto e branco, e levava cerca de 23 segundos para realizar o procedimento.

Comercialmente, a primeira câmera digital foi lançada também pela Kodak, em 1990. No entanto, o produto não conquistou o mercado devido ao seu alto custo. Apesar do início pouco promissor, foram necessários apenas dez anos para que a fotografia digital ganhasse a corrida, deixando o mercado analógico de lado.

Na história da publicidade, o registro de fotografias sendo usadas em anúncios é mais antigo e percorreu o período analógico. A J. Walter Thompson foi a primeira agência a substituir as ilustrações por fotografias. “Em 1925, a agência passou a substituir as ilustrações pelo uso de imagens fotográficas para marcas como creme Pond’s, algo simples hoje, mas que representou uma quebra de paradigma e uma evolução tecnológica”, lembra o head de arte da agência no Brasil, Fabio Simões. “Hoje a fotografia enfrenta grandes desafios com o advento do 3D e o desgaste do meio pelo uso excessivo do retoque, mas, ao mesmo tempo, ela nunca foi tão popular como forma de expressão quanto hoje”, avalia.

Simões explica que o principal impacto do 3D para a fotografia publicitária foi quando as fabricantes de carro começaram a usar imagens tridimensionais de seus produtos para serem compartilhadas no mundo todo. “A proporção do uso de 3D em propagandas de carro gerou um impacto muito grande para a fotografia. A foto de carro era um trabalho muito técnico. Há cerca de dez anos isso começou a mudar e hoje você constrói um banco de imagens em 3D e consegue aplicá-las em vários fundos. Isso, assim como o digital, representou uma queda para o mercado fotográfico dentro da publicidade”, conta.

Para ele, o comportamento das pessoas e o acesso fácil a câmeras, sobretudo as dos celulares, é outro fator que modificou a linguagem da fotografia na publicidade. “Há 50 anos, a publicidade usava fotografias muito mais jornalísticas, que exigiam mais, eram feitas por fotógrafos consagrados da época. Hoje, com a popularização do digital, a estética que as pessoas veem é diferente, é a estética de selfie. E a gente acaba usando isso como referência na publicidade, já que o que o consumidor quer ver mudou. A publicidade também acompanha essa mudança, que é cultural”, destaca.

Um clique

Não foi só a mudança estética da fotografia que gerou impacto para o mercado, mas também a forma como as empresas estão anunciando. Pegando carona nos cliques rápidos feitos com dispositivos móveis para o Instagram, a propaganda finalmente chegou a esta rede social. No início de abril, a empresa passou a permitir no Brasil a veiculação de anúncios, ainda em fase de testes e restrito a algumas marcas, o que até então era permitido apenas em países como Estados Unidos, Canadá e Austrália, entre outros. Antes disso, porém, já tinha muita gente fazendo publicidade por lá.

Foi há pouco mais de quatro anos que a jornalista Daniela Arrais e a publicitária Luiza Voll conheceram o Instagram, que acabava de ser lançado. As amigas aproveitaram o momento e lançaram um projeto autoral que logo tornou-se também um negócio para elas: o Instamission, uma espécie de concurso temático que hoje reúne mais de 44 mil seguidores e já realizou mais de cem missões patrocinadas para empresas de diversos segmentos. “Começou como um projeto nosso, já que estávamos empolgadas com essa nova forma de compartilhar o dia a dia por imagens. Antes do Instagram, a comunicação na internet era à base de texto, no Facebook ou Orkut. Depois, as pessoas passaram a ver o mundo por imagens. A gente não tinha um modelo de negócio, mas com seis meses de Instamission uma agência nos procurou pedindo um trabalho para um cliente, a LG. Não tínhamos valor, precisamos fazer uma pesquisa com amigos do mercado e assim nasceu nossa primeira missão patrocinada, que foi ‘fotografe uma cena de cinema’”, lembra Daniela, que ao lado de Luiza criou a Contente, empresa que hoje desenvolve outros projetos na internet.

A partir da primeira parceria, outras agências começaram a procurar pela Contente pedindo missões que ajudassem a engajar as marcas no Instagram. Cada missão tem um tema e é criada a partir de uma hashtag que reúne as postagens dos participantes. As melhores imagens são selecionadas e recebem um prêmio do patrocinador da missão. O patrocinador, no caso a marca, também sai ganhando: durante um ano ele pode usar as fotografias compartilhadas com a hashtag do concurso. “Esta é uma forma muito legal de as marcas estarem no Instagram. O que a gente recebe de feedback das marcas é que elas procuram o Instamission porque querem falar com seu público, com gente de verdade. Depois que a missão acaba, elas podem usar as fotos compartilhadas. Tem marca que usa nas campanhas no Facebook, outras fazem vídeos institucionais, assim humanizam o conteúdo de suas divulgações e continuam em contato com os participantes, que se sentem lisonjeados”, afirma Daniela.

Talento permanece

Em contrapartida às recorrentes críticas sobre o uso excessivo de retoques e advento da era digital, há a defesa de que a fotografia, como forma de expressão artística, não é afetada pelo mau uso dessas tecnologias. “O fato de você saber escrever não te torna um escritor, assim como o fato de você saber nadar não te torna um nadador campeão. E o fato de você saber tirar fotos legais não quer dizer que você é um fotógrafo”, diz o premiado fotógrafo J.R. Duran, espanhol que chegou ao Brasil nos anos 1970 e acompanhou boa parte da evolução da imagem nesses últimos 50 anos.

Duran começou a fotografar para revistas de moda como Vogue e Elle Brasil,  ao mesmo tempo em que iniciava trabalhos para agências de publicidade como DPZ, McCann, J. Walter Thompson e Talent. Ele acompanhou vários momentos da evolução da fotografia, do analógico para o digital, e é enfático: “Nada mudou”.

Para ele, o surgimento da fotografia digital foi um marco para o meio editorial e publicitário no que diz respeito somente à agilidade dos processos. “Basicamente o que mudou foi a rapidez, a agilidade para ver pronto o trabalho do fotógrafo. Para os produtores gráficos foi uma grande mudança, pois eles passaram a receber em horas materiais que levavam dias. Agora o talento do fotógrafo continua sendo o diferencial, o processo de fotografar é o mesmo, não mudou do analógico para o digital”, diz.

Em 2015, o programa mais popular de retoques de imagens, o Photoshop, da Adobe, completa 25 anos. O uso excessivo da ferramenta, entretanto, é alvo de críticas, principalmente em campanhas publicitárias. Segundo Duran, o retoque em imagens sempre existiu. “É tudo mais simples do que parece, o que falta para quem mexe no Photoshop, muitas vezes, é lucidez. Tem uma história que diz que o pintor francês (Jean-Auguste Dominique) Ingres queria ser o retratista de Napoleão. Ele foi lá e pintou algo irreal, meio puxa-saco, digamos assim. E Napoleão disse: pode parar, esse não sou eu. Entende como retoque sempre existiu? O que falta é bom senso”, defende.