Explosão e interrupção
De tão fortes e frequentes explosões, tão cedo a Samsung não conseguirá dormir em paz. Ou conseguirá, diante da lei da mordaça e do silêncio que impera na maior empresa da Coreia do Sul. 19 de agosto de 2016. Com toda pompa e circunstância que precedem os lançamentos da empresa, o Note 7 foi oficialmente apresentado ao mundo. 15 dias depois, após centenas de explosões em diferentes países, a Samsung se manifesta: “Recebemos várias informações sobre a explosão da bateria do Note 7. Foi confirmado tratar-se de um problema de bateria”, disse Kohdong-Jin, diretor do departamento de mobile”. Na imprensa mundial, o relato de centenas de explosões. Na manifestação oficial da empresa, “até o dia 1º de setembro ocorreram 35 casos que foram relatados globalmente e estamos realizando uma inspeção completa com nossos fornecedores para identificar possíveis baterias afetadas no mercado onde os produtos já foram vendidos…”.
Mas, por via das dúvidas, “como a segurança dos nossos clientes é uma prioridade absoluta para a Samsung, interrompemos as vendas do Galaxy Note 7 nos países onde o produto já estava sendo comercializado… A Samsung destaca que o produto ainda não foi comercializado no Brasil e seu lançamento no país será adiado…”. Em verdade, cancelado definitivamente. A Samsung é boa e rápida para fazer produtos. É competente. Péssima no marketing. E quando, no desespero, pisa no acelerador, atropela. Faz merda. Fez merda. Tão simples quanto. Mas, até admitirem e fazer um mea-culpa de verdade…
No dia 23 de janeiro de 2017, a explicação oficial e final. O que disse a empresa: “Bateria grande demais para o espaço projetado, fazendo com que eletrodos, que deveriam permanecer separados, se sobrepusessem, causando aquecimentos e curto-curcuitos…”. Diante das primeiras reclamações e explosões, a empresa correu e contratou uma empresa terceirizada para produzir as baterias… “essa empresa entregou as peças internas das da bateria sem algumas soldas essenciais, o que determinava deformações no isolamento da bateria”… e… não resolveu, ao contrário, piorou. Buuuuummmmmm!!! Merda total. Comportamento medíocre e inaceitável de uma empresa da dimensão da Samsung. A Samsung é responsável por 20% do total das exportações sul-coreanas. É uma empresa moderna e de ponta naquilo que faz. Uma empresa envelhecida em seu modelo organizacional e muito especialmente na cultura interna. Hierarquia vertical rígida, liderança pela submissão e pelo silêncio. Da média gerência para baixo, todos de bico calado. Ninguém ousa questionar…
Comentando o affaire Note 7 em matéria do New York Times, fornecedores da Samsung disseram que a cultura do silêncio e aceitação radicalizou-se nos últimos anos devido à concorrência acirrada, muito especialmente com a Apple: “Os gerentes se sentem pressionados o tempo todo e cobrados mediante ameaças. Trabalham sob medo e na expectativa de, em não cumprindo as metas, perderem o emprego”. Em depoimentos sob sigilo ao New York Times sobre o Note 7, executivos da empresa disseram que a pressão chegou ao máximo. Era preciso lançar o Note 7 antes do Iphone 7. Confirmados pelo diretor da unidade de dispositivos móveis, D.J.Kohn, depois de consumada a tragédia: “Sentimos uma dolorosa responsabilidade por nossa falha em testar e confirmar que tínhamos problemas com o design e a manutenção das baterias antes de lançar o produto no mercado…”.
Fica o registro. Fica a lição. Tirando o Note 7 e outros poucos equívocos, a Samsung fabrica produtos de boa qualidade. Mas sua relação com os clientes é péssima, truculenta, desrespeitosa. Assim, não possui crédito em quantidade suficiente para suportar novas cagadas de idêntica proporção. Isso no tocante ao curto e médio prazo. No longo prazo, somos absolutamente céticos sobre o futuro da empresa, independentemente de seu poder, dimensão e resultados de hoje. Se não conseguir rever seu modelo organizacional, se não oxigenar radicalmente sua cultura, é forte candidata a um espaço privilegiado no “Museu de História Natural” do Admirável Mundo Novo. Em alguma pequena sala de final de corredor…
Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing