"Faça a diferença na sua casa, depois no mundo", diz CMO Global do BK

O brasileiro Fernando Machado tem se dedicado a uma tarefa complexa nos últimos anos: cuidar para que a linguagem irreverente e a identidade do Burger King permaneçam unificadas globalmente, respeitando, claro, mercados tão distintos como Brasil ou Indonésia.

Fernando Machado: “Diversidade é tão importante que a gente deve focar em fazer mais do que falar”

A criatividade orientou esse trabalho, que foi reconhecido inúmeras vezes por grandes festivais. Em 2019, foram três GPs em Cannes. Agora, em 2020, acaba de ser eleito o Anunciante do Ano no One Show. Mas por trás da excelência criativa está algo muito mais essencial: o espírito coletivo de sua equipe. Na entrevista a seguir, o executivo fala sobre posicionamento de marca, propósito e como contribuir para a igualdade racial começando com ações dentro da própria companhia.

Em seu perfil no Twitter, você comentou que, em vez de receber briefings para campanhas em apoio às comunidades negras, seria melhor ver ações reais de diversidade no mercado. Quando o racismo deveria ser pauta para a propaganda?
A luta contra o preconceito é algo que o Burger King trabalha há muito tempo. Fizemos progresso em algumas áreas, como na comunidade LGBTQI+ e na igualdade de gêneros, por exemplo. Não é perfeito, mas evoluímos. A área racial está um pouco atrás. Sendo muito honesto, não vejo tanto a diversidade de idade na companhia, e menos ainda de cor de pele. Justamente por eu ter essa debilidade, e a gente sabe disso, e tem trabalhado para melhorar, meu foco deve ser melhorar essa questão primeiro. Quer fazer diferença? Faça a diferença primeiro na sua casa e depois vai fazer para o mundo.

Não dá para entrar na discussão da “casa de ferreiro, o espeto é de pau”. Quando uma agência, que muitas vezes nem trabalha com a gente, me manda uma ideia de campanha com foco em diversidade, e eu sei que ali as minorias são realmente minorias, fico um pouco constrangido. O meu feedback é o seguinte: antes da ideia, por que a gente não se une para ter mais diversidade dentro da agência? Isso está no meu controle. Fazer uma campanha a mais, enquanto tem um monte de marca já fazendo, não vai mudar nada. O que eu posso mudar, e leva tempo para fazer da forma correta, é ter políticas de diversidade na minha empresa. Diversidade é tão importante que a gente deve focar em fazer mais do que falar.

Isso significa que assuntos mais sensíveis, como racismo, ou mesmo pandemia, não são necessariamente briefings? Precisam fazer sentido para não parecer oportunismo ou lacração?
A pandemia é um pouco diferente da questão racial. Eu vi pelas pesquisas que as pessoas estavam inseguras de ir aos nossos restaurantes por medo de contaminação do vírus. Então, precisávamos explicar que elas estavam seguras no Burger King. Depois, quando fechamos as lojas, fizemos um briefing de campanha mostrando as facilidades do delivery. Em paralelo, e isso não foi um briefing, tivemos consciência social, então fizemos algumas iniciativas para ajudar a população. Nunca pedimos ao nosso presidente no Brasil, o Iuri Miranda, que fizesse uma doação ao SUS.

A operação teve a consciência que era algo importante. Antes de fazer campanha, agimos. Na questão racial, a única ideia boa para mim é aquela que vai me ajudar a aumentar a diversidade na minha empresa, e isso não é necessariamente uma ideia de comunicação externa. É aquele velho ditado, primeiro você anda, depois fala. Quando as marcas procuram direto fazer uma campanha contra o racismo é quase como falar primeiro e depois andar. Isso, na maioria dos casos, não faz sentido. A não ser que a marca tenha um trabalho de diversidade forte, mas, no caso da maioria das empresas, primeiro as marcas devem buscar fazer e depois pensar em comunicação.

O BK sempre teve uma postura de levar o consumidor à reflexão, de questionar. As marcas estão sendo mais cobradas a se posicionar?
Quando a pandemia começou, e dependendo do país, ela atingiu de uma maneira diferente, as marcas que fizeram o melhor trabalho foram as que desde o começo assumiram a postura de ajudar a população. No nosso caso, como temos um time de marketing muito forte em todos os países-chave, mesmo sem precisar de dar um briefing, ou sugerir de os países tomarem alguma atitude, todo mundo foi pelo mesmo caminho: usar a nossa marca, a força da empresa para ajudar a população.

Nos EUA, muitas crianças comem nas escolas e, com elas fechadas, as famílias tiveram dificuldades porque mudou a rotina. Vendo isso, anunciamos que daríamos a refeição para as crianças. No Brasil, logo de imediato, fizemos uma doação de um milhão de reais para o SUS; na Europa, oferecemos comidas e bebidas para médicos e profissionais de serviços essenciais. Independentemente do posicionamento de marca, da sua coragem de estar falando sobre assuntos controversos, as marcas que como primeiro passo fizeram coisas para ajudar a população foram as que começaram a ter o direito de falar de si em um segundo momento.

Em uma recente entrevista ao PROPMARK, o Ariel Grunkraut, CMO do BK Brasil, falou que o papel da marca é muito mais do que vender hambúrguer. Como manter a unidade desse posicionamento de marca em contextos tão diferentes?
A marca BK é muito querida no Brasil. Crescemos muito, principalmente com os jovens. É uma marca divertida, ela olha no olho da pessoa, não é arrogante. Sim, produto importa porque você precisa ser bom, mas para ter afinidade de longo prazo você precisa investir para que as pessoas entendam qual a personalidade da marca, seus valores e o que ela representa. E o Brasil é um dos países que melhor fazem esse trabalho. A gente tem um time de marketing fortíssimo. Não é à toa que a marca tem crescido tanto em preferência e vendas.

A pessoa escuta a palavra Burger King e abre um sorriso porque a gente é brincalhão, leva as coisas com leveza, entregamos ideias fora do comum. E é o que as pessoas esperam da gente. E num período como o da pandemia, primeiro focamos no que era certo e evoluímos, considerando o contexto da pandemia, inserindo outros aspectos que faziam mais parte da filosofia da marca. As campanhas feitas no Brasil têm um pouco do conceito que o Ariel sempre fala: the zoeira never ends. Por exemplo, a gente está rodando agora a campanha Ficar em casa é fogo, que premia as pessoas que estão ficando em casa porque isso ajuda na não disseminação do vírus. É uma funcionalidade nova no app, uma forma de gamificar o isolamento social e incentivar as pessoas que podem a ficar em casa.

Essa abordagem tecnológica na comunicação, utilizando recursos digitais, tem se tornado uma marca do BK, com reconhecimento global em festivais de criatividade. A máxima de que budget não é limitação faz ainda mais sentido na crise?
A gente faz muita propaganda na TV porque fast-food é uma categoria muito democrática. E TV dá um bom retorno, porque atinge muita gente sem precisar segmentar tanto, mas o meu concorrente vai ter muito mais dinheiro para fazer filme do que a gente tem. E, fora isso, temos investido muito como marca em melhorar a qualidade do serviço que as pessoas recebem via digital. Por exemplo, temos investido muito no nosso app.

Dependendo do país, temos programa de fidelidade, é possível pagar usando o app, pedir delivery, tem cupom de desconto, mas nem todos sabem disso. A gente precisa subir o awareness sobre essas funcionalidades. A campanha que o Brasil fez no ano passado, Taca fogo, foi o primeiro Leão de ouro que ganhamos com BK Brasil e a David SP em Cannes, o que me deu muito orgulho. Uma campanha de tecnologia levantando o awareness sobre os cupons no app.

O mesmo com essa campanha de gamificação de agora na quarentena. Queremos mostrar que temos um app e suas funcionalidades. A ideia é que ele seja uma ferramenta que melhore a relação com o consumidor. É natural que surjam ideias como o Whopper Detour, que foi destaque em premiações por sua excelência criativa. Foram três GPs em Cannes, inclusive o GP de Titanium.
É uma ideia divertida, meio maluca, que usa tecnologia e faz você dar risada.

O BK também é provocativo, outra marca registrada globalmente…
Sim, mas o tipo de provocação que a gente faz não é agressiva.

É como uma brincadeira entre amigos. Somos concorrentes, mas não é uma coisa pesada. É uma categoria que tem espaço para todo mundo crescer. Na campanha Whopper Detour, por exemplo, você baixa o app do BK, vai para o McDonald’s, faz o seu pedido de lá, e dirige de volta para o BK. É o tipo de coisa que quando você conta para um amigo, ele acha maluco. Para ganhar um Whopper de graça, primeiro eu preciso ir para um McDonald’s? A gente não se leva tão a sério. Se o concorrente faz uma brincadeira, a gente entra. Quando criamos o Mc Whopper, em 2015, o McDonald’s não quis fazer parceria, tudo bem, é do jogo. Mas o Giraffas quis. E nós aceitamos. Foram quatro marcas que quiseram fazer. Se você quer brincar, tem de aceitar a brincadeira também.

Como vocês conseguem esse equilíbrio e unidade de marca em tantos mercados regionais?
Demora para chegar neste ponto. Eu estou no BK há 6 anos. No primeiro ano, focamos a comunicação nos EUA e quase não desdobramos para os demais países. No segundo ano, conseguimos ampliar, fazer com que eles entendessem o posicionamento da marca, os valores, a identidade visual. Tudo executado de forma relevante localmente. O humor do brasileiro, por exemplo, é diferente dos EUA ou Japão, então sempre respeitamos o tom local, por isso damos muita autonomia para os países. Mas com o passar do tempo, porque construímos uma credibilidade grande em termos de qualidade criativa, conseguimos unir os países.

Temos um grupo no WhatsApp com 150 pessoas de marketing de diversos países. A ideia do chapéu mexicano para manter o isolamento social veio da Alemanha, mas todo mundo gostou. Os EUA perguntaram se poderiam usar também. A Indonésia queria usar a imagem, mas as pessoas na foto têm cara de europeu, então refizeram a imagem, mas usaram a mesma ideia. É um time que entende muito bem a marca, é unido em trocar ideias, todo mundo divide, não há ciumeira, porque todos são orgulhosos do trabalho.