Não, este não é mais um artigo sobre a vida e as façanhas de Elon Musk. Qualquer tentativa de retratar este assunto melhor do que a imprensa já o faz seria, no mínimo, prepotência ou ingenuidade da minha parte. Elon trabalha e lidera projetos que, em sua visão, irão mudar o mundo. De alguma forma, já estão mudando. Toda novidade tem efeito onde surge até quando ela falha, pois provoca aprendizados que irão culminar em novos desenvolvimentos.
Na série no Netflix que retrata sua missão chamada de Inspiration 4, que leva civis ao espaço, ele é questionado sobre o porquê investe na exploração do espaço se existem muitos problemas aqui na Terra. Ele responde: “Se a vida for só sobre resolver problemas, então qual o ponto de estar vivo?”. De fato, é isso! Enquanto alguns seres humanos deste mundo celebram aniversários soprando velinhas ou esquecem seus problemas tomando uma cerveja no bar, Musk, um ser de outro planeta, quando não quer só resolver problemas, inventa missões para o espaço.
Entretanto, nós ainda estamos aqui neste planeta e, portanto, precisamos lidar com o nosso contexto. E, é por isso que esse artigo curioso guarda uma reflexão não sobre a vida e as façanhas de Elon Musk, mas sim sobre como ele personifica e representa códigos, informações, imagens, mensagens e uma cultura de inovação que está afastando ou que pode, de maneira crescente, mais afastar as pessoas de inovar do que aproximá-las.
Estamos vivendo 2 anos de uma pandemia inesperada. Um estudo global da Qualtrics descobriu que 42% das pessoas experimentaram um declínio na saúde mental. Especificamente, 67% das pessoas estão experimentando aumentos de estresse, enquanto 57% têm ansiedade aumentada e 54% estão emocionalmente exaustos. Também 53% das pessoas estão tristes, 50% irritadas, 28% com dificuldade de concentração, 20% demorando mais para terminar as tarefas, 15% com dificuldade para pensar e 12% com o desafio de conciliar suas responsabilidades.
E nas terras tupiniquins, especificamente, a história não é diferente. A felicidade média do brasileiro caiu ao menor nível em 15 anos em 2020. Além disso, 64% dos brasileiros querem fazer algo diferente do que fazem hoje no trabalho e 9 em cada 10 brasileiros estão infelizes no emprego.
E mesmo quando não sofremos alguma doença psicológica, depressão ou algo mais sério, podemos estar no estado “Languishing”, termo trazido à tona por Adam Grant, psicólogo e pensador, para explicar um estado de inércia mental no trabalho ou na vida, um piloto automático que não te dá vontade de fazer nada, de e mexer, de evoluir, mas que não necessariamente é uma doença, é só um limbo mental e de energia mesmo.
Recebemos estímulos massacrantes da inovação advinda de realidades muito diferentes. O Vale do Silício, Israel, China, celeiros da inovação mundial, tem condições absurdamente mais favoráveis para a inovação, como condição para financiamento das startups, cultura das empresas e maturidade do empreendedorismo. Estamos mais atrasados em educação, maturidade digital, conhecimento tecnológico, informação e acesso ao ecossistema de inovação do que outros países.
É neste contexto que somos afogados pela enxurrada de informações e códigos da inovação que são disseminados como verdades afiadas feitas somente para cortar a tão famigerada “mediocridade” em que vivemos. No entanto, a cobrança, o furacão de informações, códigos sociais, padrões estigmatizados de sucesso sobre a inovação continuam chegando de forma exponencial, mas em culturas corporativas descoladas em seu discurso vs ação.
Assim, chegamos a uma receita desfavorável ao dia a dia das pessoas e empresas: excesso do exibicionismo desenfreado dos códigos de inovação somados ao descolamento e distanciamento dos discursos das lideranças e empresas de suas ações e realidades cotidianas em um momento pandêmico onde as comparações geram privação relativa faz com que as pessoas queiram deixar as empresas ou fiquem inertes, apáticas, desinteressadas, distantes da inovação, cansadas de tudo isso, um fenômeno que chamo de A FADIGA DE ELON.
Em resumo mais coloquial, a Fadiga de Elon é quando você está de corpo presente, ouve e vê algo sobre inovação, mas ao invés de ter vontade de inovar e se energizar com aquilo, você tem vontade de abraçar seu cachorro ou comer um bolo de fubá com sua avó numa tarde nublada. Os códigos sociais da inovação, notícias, cases, aportes, workshops, todo o “business bingo” da inovação, inclusive os discursos motivacionais da liderança, simplesmente te fadigam, te cansam, te afastam da inovação, mais do que aproximam.
“Meu Deus, que preguiça de tudo isso” é o que mais ouço de amigos e colegas de trabalho. No LinkedIn posto algumas enquetes para sentir o calor em algumas questões que quero saber como as pessoas pensam. Quando perguntados sobre “Quando você ouve/lê: “Inovação disruptiva, “Missão para o Vale do Silício”, “A startup que captou bilhões”… – O que você sente?”, a média de respostas é:
Me aproxima da inovação – 15%
Me afasta da Inovação – 6%
Tanto faz, não muda a minha vida – 18%
Ai meu Deus que preguiça! – 62%
E a pergunta que fica é: o que fazer então? Como posso evitar isso como profissional ou como líder de empresa?
O primeiro fator a ser levado em consideração é que é impossível se privar de toda informação e códigos da inovação como eles vêm sendo disseminados. Não é possível se fechar dentro de um universo à parte ou fugir do mundo como ele é.
Como não acredito em receita, nem em modelos finitos, só conseguiria mesmo propor que o caminho para não se deixar levar pela Fadiga de Elon seja uma trilha de experimentação. E como todo experimento, precisamos assumir algumas premissas para começar e gerar aprendizado. Quais as premissas básicas para evitar e mitigar a Fadiga de Elon:
1 – Reduza a fricção, construa a crença.
Se não quisermos que as pessoas sintam-se menos aptas e energizadas para inovar, nosso papel é sistematicamente reduzir a fricção no sistema. Permitir mais fluidez para as coisas acontecerem. Nas startups, as pessoas sentem que é possível errar, e por isso será possível inovar. Construa a crença de que é possível inovar na sua empresa.
2 – Diminua a carga, dê pausas para o seu cérebro.
Quer saber qual é o melhor presente que um líder poderia dar para sua equipe? Corte a carga cognitiva, reduza a carga de trabalho. E isso vale para você também, diminui a carga de trabalho e terá resultados significativos, até na sua produtividade.
O antídoto para enfrentar a fadiga é simples: fazer pequenas pausas além de reduzir a carga, também te deixa menos estressado, mais capaz de inovar por tanto.
3 – A inovação só é possível pela ação.
O grande desafio de toda liderança é comunicar a visão e crença e obter da companhia determinado comportamento. Mas o que vem antes, a crença ou comportamento? Qual desses tem mais influência?
O comportamento tem o poder de influenciar uma mudança de crença, mais do que o contrário. Walk the talk – é como dizem, dê o exemplo, faça o que fala.
4 – Um grande talento pode não ser um(a) grande líder.
De muitas maneiras, há apenas uma pergunta que qualquer gerente precisa fazer: como faço para tornar a vida dos membros da minha equipe mais fácil – física, cognitiva e emocionalmente?
Uma pesquisa da Gallup afirma que apenas uma em cada dez pessoas possui as características necessárias que os grandes administradores exibem, características que incluem a construção de relacionamentos que criam confiança, diálogo aberto e transparência.
As pessoas também são mais propensas a serem promovidas quando exibem autoconfiança, constroem redes extensas e navegam pela política organizacional com facilidade. Criar um senso de poder pessoal e resistência pode ter resultados positivos para os líderes, especialmente se eles forem confrontados com um status quo imutável. Mas essa orientação pessoal é o oposto do que é necessário para construir confiança. Entretanto a abordagem egocêntrica é perpetuada pelas práticas de contratação e avaliações de desempenho de muitas organizações. As organizações que permitem que essa dinâmica persista perdem o lado positivo da satisfação dos funcionários e contribuem ainda mais para gerar a Fadiga de Elon.
5 – Aprenda a aprender sempre.
Se a Fadiga de Elon é resumidamente o cansaço que te dá ao receber informações, exemplos e uma enxurrada de boas práticas da inovação, que parecem fazer parte de um universo que não tem nada a ver com o seu, então uma boa saída para isso é tentar aprender qualquer coisa com isso. Mesmo se for para aprender “o que não fazer”, podemos tirar “leite de pedra” e isso torna o dia a dia mais fácil, mais palatável de ser entendido. Já que não podemos mudar os estímulos que chegam até nós, podemos mudar a maneira como reagimos a eles.
6 – Hay que duvidar, pero sem perder a confiança!
Dentro de uma empresa grande, são inúmeros os projetos que só começam, são comunicados para uma promoção, colocados na avaliação de desempenho para evidência de uma tomada de decisão de promoção ou aumento. Passado um ano, a pessoa sai da vaga, ninguém mensurou se deu certo, ninguém lembra mais. A startup não pode fazer esta espuma, se ela lançar algo e o cliente não gosta, lá se foi investimento, tempo, recurso e o cliente te desinstala. Salvo quando a startup já se tornou uma grande empresa, não há espaço para a cultura da espuma. Existe foco no cliente, experimentação e aprendizado. Este é o campo fértil para inovação. Geralmente vem carregado de autonomia, aprofundamento e propósito, que são as 3 dimensões que motivam as pessoas, segundo Daniel Pink em seu livro Drive. Eles provam por várias pesquisas que isso motiva mais as pessoas do que dinheiro.
Por tanto, é preciso ganhar confiança para duvidar de si mesmo. Este é o segredo.
7 – Seja empático com os outros e com você.
A empatia não é só um nome bonito de soft skill. Ela gera resultados para as empresas, pessoas e inovação nos negócios. A empatia pode ser um antídoto poderoso e contribuir para experiências positivas para indivíduos e equipes.
Primeiro, compare quem você é hoje com quem você era no passado. Isso irá lembrá-lo – e permitir que você se sinta orgulhoso – de quão longe você chegou. Em seguida, compare quem você é hoje com quem você espera um dia se tornar. Porque isso o manterá focado em ter e fazer o que realmente importa para você.
Enfim, desejo a todos muitos abraços no cachorro, ou café com bolo de fubá com sua avó, mas que isso seja muito mais corriqueiro, natural e gostoso pela nossa natureza humana na busca pelo amor e conexão, do que pela fuga e o cansaço da Fadiga de Elon.
Eduardo Paraske é cofundador da 1601, consultoria de inovação