Falta de combustível prejudica primeiro semestre da publicidade

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A sensação geral no mercado publicitário é de que o primeiro semestre de 2018, que iniciou com grandes expectativas de melhora no cenário econômico, lembrou a todos que vivemos no Brasil, um país sujeito a variáveis que se tornam a cada dia mais imprevisíveis. 

A pulsação atual da economia brasileira traz indicadores como o dólar a R$ 3,92, com expectativa de intensas variações nos próximos meses; taxa de juros de 6,5%, que tende a se manter estável até o fim do ano; uma previsão de inflação (índice IPCA) de 4,03% para 2018; e previsão de crescimento do Produto Interno Bruto de 1,55%. Há um mês, de acordo com o relatório Focus, do Banco Central, que condensa previsões de instituições financeiras diversas sobre a economia brasileira, a expectativa de crescimento econômico estava em 2,18%.

Mesmo a previsão do próprio Banco Central foi de crescimento menor para o PIB em 2018: de 2,6% para 1,6%. Portanto, houve uma revisão para baixo para um ano que, se já se revelava desafiador, termina o mês de junho com ainda mais complexidade.

Ninguém imaginava, em janeiro, que um ano que já teria Copa do Mundo, com o movimento natural que ela traz para a economia, e eleições, com seu grau de imprevisibilidade, teria a companhia de um terceiro grande evento: a greve dos caminhoneiros.

Além do reflexo no dia a dia das pessoas por alguns dias, o fato tende a trazer impactos no crescimento menor da economia e, possivelmente, no aumento da inflação. Após o desabastecimento, por exemplo, gás de cozinha, alimentos e combustíveis já tiveram revisão para cima de seus preços.

Como indústria tipicamente caudatária da economia, a publicidade recebeu esse impacto. “O movimento foi menor do que eu esperava. O ‘efeito Copa do Mundo’ foi reduzido na indústria como um todo e durou um período bem mais curto. Até normal, porque viemos da última Copa aqui mesmo no Brasil. O que afetou muito obviamente este período foi a greve dos caminhoneiros, evento completamente não previsível e com consequências que, sem dúvida, vão marcar o restante do ano para alguns segmentos”, resume Fernando Musa, presidente do Grupo Ogilvy Brasil.

Além da Copa, havia grande expectativa sobre os investimentos do governo que, em ano de eleições, tende a se concentrar no primeiro semestre, por conta de legislação. Mas o ano de 2018, como reforça Musa, tem sido atípico até nesse sentido. “A Copa é sempre um evento mobilizador de investimento em comunicação. Assim como o governo. Mas, de maneira geral, este ano é atípico em vários sentidos, com feriados, Copa com feriado, greve de caminhoneiros, eleições, corrupção e prisões. Tem uma frase que fala que o Brasil não é para principiantes. Acho que este ano é bem por aí”, analisa.

Fernando Musa: “Greve dos caminhoneiros afetou o mercado”

O publicitário da Ogilvy se demonstra irritado com a situação política do Brasil e afirma que, na realidade, ainda não há descolamento da economia em relação ao que ocorre em Brasília. “Como discurso, talvez. Mas a prática não tem sido esta. A agenda de Brasília é orientada para a política do ‘preciso escapar da Lava Jato’, o enfrentamento do Judiciário com a corrupção, agora adicionada com a pauta política para as eleições. Brasília, até aqui, só trabalhou por Brasília e o país ficou literalmente parado”, reflete.

A imagem de 2018, diz Musa, será a dos caminhões nas estradas, as cidades vazias e os postos com filas intermináveis. “E, talvez, tomara, uma foto com o hexa. Com tudo isso, acho leviano falarmos em descolamento”, avalia.

Desconfiança
Para Abel Reis, CEO da Dentsu Aegis Network (DAN) no Brasil, há barreiras ainda muito relevantes à retomada do consumo e da confiança dos agentes econômicos no futuro. “Esses são parâmetros fundamentais para dirigir as decisões de investimento publicitário. A remoção dessas barreiras passa, necessariamente, por um novo arranjo político para o Brasil que proporcione fôlego às instituições e injete otimismo nesses agentes econômicos”, avalia.

O primeiro semestre, relembra Reis, foi marcado por uma dose de otimismo no começo. “Verificamos um crescimento dos investimentos logo no início do ano. Outra movimentação foi a continuidade de migração de investimentos em direção ao digital, desafiando os demais meios, com exceção à TV aberta, que permanece consolidada”, explica. No entanto, o humor já não é mais o mesmo neste momento. “Os primeiros cinco meses do ano foram marcados por certo otimismo em relação à retomada da atividade econômica no Brasil. Cenário esse que mudou”.

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Abel Reis: “Os primeiros meses foram marcados por otimismo”

Crença em melhora
Algumas visões no mercado são um pouco mais otimistas, mas sem se descolar dos problemas. “Achei que o primeiro semestre deste ano foi bastante positivo. O apetite para os negócios aumentou por termos a perspectiva de um cenário que pode vir a ser positivo. Acredito que esse cenário seja mais pela expectativa do futuro do que pelo que ocorre no presente. Mas, se comparado ao ano passado, tivemos um primeiro semestre muito melhor em 2018”, opinou Marcio Toscani, co-CEO e CCO da Leo Burnett Tailor Made. Ele acha que a Copa do Mundo e investimentos governamentais trouxeram um impacto ligeiramente positivo aos resultados do setor de publicidade. “Esses fatos, sem dúvida, impactam diretamente nos resultados. Acredito que existiu positividade do cenário econômico, o que trouxe a retomada dos negócios”, avalia.

Sob seu ponto de vista, a economia se descolou um pouco da situação política, mas, para os próximos meses, a tendência é de indefinições no setor de publicidade. “Conforme as eleições se aproximam, e até o momento da definição, o mercado deve ficar retraído devido às incertezas. Passado esse cenário político, e dependendo do que o novo governo estabelecerá como política econômica, devemos ter a retomada da positividade e, a partir daí, teremos mais clareza do nosso futuro em 2019”, prevê.

Da mesma forma, Marcia Esteves, presidente da Grey Brasil, tem mais otimismo sobre o desenrolar do ano de 2018. “Seguimos atravessando uma crise política importante e estamos, infelizmente, aprendendo a conviver com isso. O que percebo é uma retomada de confiança do nosso mercado, não necessariamente ainda refletida em crescimento expressivo de negócios, mas sim em perspectivas e crença de um ano melhor”, analisa a executiva.

Ela notou que, no semestre, boa parte dos anunciantes foi obrigada a repensar as suas
estratégias para antes e depois da Copa, deixando de anunciar nesse período. Para agências que não atendem marcas patrocinadoras, essa foi a tônica. “Isso impactou os resultados do primeiro semestre e comprimiu o do segundo, por conta das eleições e a insegurança causada pela imprevisibilidade do resultado”, acredita Marcia Esteves.

Marcia Esteves, que mantém otimismo sobre 2018

A publicidade, analisa, deve continuar absorvendo os impactos negativos desse cenário político. “Acho muito difícil nos descolar do que ocorre no país, dado que a crise afeta o consumo, que está diretamente relacionado aos nossos objetivos com as marcas. Este é um ano curto, com Copa e eleições, e ainda estamos sentindo o reflexo da greve. Ou seja: é um ano de desafio e tensão”, reflete. Por outro lado, ela acredita nas oportunidades que o setor tem diante de si para o momento da retomada. “As marcas continuam sendo o fator de maior importância para as pessoas. As empresas que fizerem de suas agências bons parceiros de negócio e tiverem coragem para se comunicar de forma efetiva e relevante, vão atravessar a crise e crescer”, avisa.

Na Rapp, acredita-se em um segundo semestre curto, devido às eleições e na sua capacidade de fazer os investidores sentirem mais confiança, ou não, no país. “O mercado de publicidade atuará de forma ainda mais agressiva. Os anunciantes estarão em busca dos resultados efetivos de negócios, e terão pouco tempo e dinheiro. Caberá às agências saber oferecer a seus clientes respostas ainda mais rápidas e, principalmente, efetivas”, avalia Tatiana Pacheco, copresidente da agência.

Recuperação
Para as agências de capital nacional, há um misto de sentimentos. Fernando Calfat, chief media officer da REF+, analisa 2018 de forma mais positiva, com clientes retomando investimentos e pensando na diversificação das estratégias. “Sentimos que o país está definitivamente em um momento de recuperação econômica. Isso também pode ser percebido pela volta da segurança dos clientes em investir mais em comunicação”, avalia. Já Claudio Kalim, sócio e CEO da Tech and Soul, afirma que o início deste ano trouxe um sentimento de retomada. “Lenta, é verdade, considerando que em ano de Copa do Mundo a publicidade tem um crescimento maior no primeiro semestre. Mas, diante do cenário que havia, temos de comemorar essa volta”, apregoa. Ele acredita que, mesmo diante de indefinições eleitorais, haverá um descolamento do mercado em relação à política, para que ele não fique na inércia. “Na publicidade, notamos que há uma série de projetos em andamento que serão ampliados e um crescimento no número de consultas para novas iniciativas”, avalia.

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Marcio Toscani: “Economia se descolou um pouco da política”

Ações estratégicas
Dentro desse cenário econômico difícil, cada empresa, seja agência, anunciante ou veículo, vive sua realidade individual e tenta encontrar a melhor forma de seguir adiante. Um dos setores impactados pela greve foi o de alimentação, por conta da crise de abastecimento. Um dos anunciantes da área, a Barilla, tentou manter os investimentos em iniciativas planejadas, como o patrocínio ao Masterchef (Band), uma campanha global com Roger Federer e projetos especiais com foco em inclusão e diversidade. “A economia começou a andar, independentemente de Brasília, mas em alguns momentos sofremos com os impactos, como quando da paralisação dos caminhoneiros. O nosso posicionamento, contudo, é de continuar com as nossas ações estratégicas”, afirma Maurizio Scarpa, diretor-geral da marca.

Entre os veículos, especialmente a TV, o momento é bom para audiência. Na Globo, o Big Brother, por exemplo, chegou a 173 milhões de pessoas em todas as plataformas, e a novela Segundo Sol teve alcance médio diário de 44 milhões. A Copa, na Globo, foi vista por 99 milhões até o dia 1º de julho, e o Jornal Nacional alcançou 44,4 milhões em média por dia de exibição, alta de 24%. A ordem na empresa foi trabalhar em projetos comerciais multiplataforma, desenhado em parceria com agências e anunciantes para gerar engajamento com os consumidores. A crise no país não impediu a empresa de lançar projetos como a plataforma Milhões de Uns. “Compartilhamos conhecimento e aprendizado para fomentar a produção de conteúdo publicitário”, afirma Marcelo Duarte, diretor-geral de negócios da Globo. “No primeiro semestre de 2018 trabalharmos para gerar soluções inovadoras, atendendo a alta demanda por projetos integrados”, conta.

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