Festival manterá premiação como foco

 

O Cannes Lions já foi reduto exclusivo criativo, já foi comparado ao Fórum de Davos e até com as Olimpíadas. Como bom sexagenário, porém, ele passa a pensar seu futuro baseado nas origens e, mesmo tendo ganhado milhares de novos adeptos e uma agenda bem além da avaliação de trabalhos publicitários, pretende manter claro o foco central na entrega de seus tradicionais Leões. “O Cannes Lions ainda é totalmente baseado na premiação, nos Leões e nos trabalhos aqui inscritos. Se eu tivesse que abrir mão de todo o restante da agenda do festival para manter isso, eu faria. A premiação é o coração do evento, especialmente porque mostra o caminho para o futuro da indústria. É ela que faz tudo acontecer. É em torno dos Leões que acontece essa enorme reunião de grandes profissionais que acompanham o Cannes Lions hoje”, declarou Philip Thomas, CEO do Lions Festivals – sub divisão do inglês Top Right Group, controlador do festival, em entrevista exclusiva ao propmark dois dias antes do início da edição de número 60 do evento.

Apesar de ser a evolução para o conteúdo – de seminários a workshops – e a ampliação do escopo do festival, passando a receber mais envolvidos na comunicação criativa profissionais de áreas muito além da publicidade tradicional, que elevou o tamanho – e consequentemente o valor – do Cannes Lions, seus organizadores tomam o cuidado para fugir de qualquer estigma de “feira global” ou outra especialização que não tenha o termo “criatividade” como base. “Com o crescimento contínuo de Cannes, há, sem dúvida, mais pessoas interessadas nele. Vemos mais gente de empresas de tecnologia, mídia, design, relações públicas, até de Hollywood. Eles querem se juntar e se tornar parte dessa enorme conversa sobre comunicação. Com isso, acho que cada vez mais pessoas estarão presentes. Esse o futuro: mais que agências e clientes, mais gente na conversa”, lembra. “Mas Cannes é sobre criatividade. Então, qualquer criativo, de qualquer área, estará feliz em ver clientes e outros envolvidos na indústria participarem, discutirem e entenderem melhor sobre isso. Não queremos nos tornar uma conferência de marketing, ou de mídia, ou de tecnologia. Somos baseados na criatividade e como todas essas outras áreas podem explorá-la”, completa.

Primeira expansão

Após muita discussão nos últimos anos sobre a crescente agenda do Cannes Lions e a manutenção de apenas uma semana para sua realização – sempre a terceira de junho –, a organização dá aquele que pode ser o primeiro passo para uma ampliação do prazo de realização de seus eventos com o lançamento do Lions Health. Com sua primeira edição em 2014, a novidade será um “mini-Cannes” focado totalmente no mercado de bem estar e acontecerá dois dias antes do festival principal.

Se der certo, a iniciativa pode ser o início de divisões específicas no reconhecimento do trabalho criativo de diversas indústrias, levando o conceito do Cannes Lions para esferas mais restritas e especializadas. “O Lions Health é um festival separado do Cannes Lions, terá pessoas interessadas especificamente no segmento que aborda e que, após seu término, poderão decidir em acompanhar ou não o festival. Ele será ‘conectado, mas separado’. Poderá ser acompanhado de forma totalmente independente ou visto como parte integrante de um guarda-chuva maior que é o Cannes Lions”, conceitou Thomas.

De início, o CEO do festival não dá indícios que alguma das áreas do Cannes Lions possa ser desmembrada da estrutura-mãe e transformada em um pré-show. Porém, já há intenção em replicar o modelo para outras segmentações, ao invés de estudar sua inserção em mais uma área de Cannes. “A área de Direct, por exemplo, foi idealizada para ser separada do festival, acontecendo duas semanas depois. Porém, ela é parte muito integrada ao conceito do Cannes Lions, como Promo e outras, o que a fez ser parte integrante do evento, como tantas outras. Temos a intenção de mantê-las unidas, já que integram essa mesma conversa ao redor da criatividade. O que podemos ter no futuro são mais coisas acontecendo durante esta semana prévia, como um evento semelhante ao Lions Health envolvendo outras indústrias criativas, como moda e arquitetura, por exemplo”, adiantou.

Venda

Muito se especula em volta da venda do Cannes Lions por parte do Top Right Group – que adquiriu o controle do negócio em 2004, pelas mãos da Emap, hoje sua divisão dedicada a publicações especializadas. De acordo com Philip Thomas, a negociação é quase inevitável a médio prazo. Mas ele acredita que a holding britânica ainda vê, nos próximos anos, um benefício financeiro mais significativo em manter o evento sob seu comando.

“O Top Right Group é propriedade de uma private equity, grupo que baseia suas estratégias em compra e venda. Portanto, um dia, eles venderão o festival. De imediato, porém, eles acreditam em um grande potencial de crescimento do Cannes Lions. Posso confirmar que, de meu conhecimento, não há qualquer venda ou negociação em andamento. O festival dobrou de tamanho nos últimos cinco anos e temos muitas ideias e iniciativas para fazê-lo continuar evoluindo. Digo que, se o dinheiro fosse meu, eu investiria no evento”, garantiu o executivo.

Crescimento

Depois de crescer 19% ao ano nas últimas edições em número de inscrições, e ver a presença de delegados subir em aproximadamente 500 mil por festival – estima-se 12.500 participantes em 2013 –, Cannes este ano teve avanço mais modesto, com 4,2% de aumento no número de trabalhos concorrentes a Leão. Na opinião de Thomas, o evento chegou ao patamar ideal após ter sofrido com a recessão internacional de quatro anos atrás, e deverá se manter em ascensção – mas, agora, de forma mais orgânica.

“As inscrições não devem mais crescer tão rápido, o que é natural. Tivemos uma queda brusca em 2009, por causa da crise global, e o crescimento dos últimos anos foi muito acelerado para recuperar o patamar de antes. A partir de agora, cremos em um crescimento sustentável, com aproximadamente 5% de aumento ao ano. A atividade presente no festival, de seus patrocinadores e delegados, será seu maior crescimento nas próximas edições, assim como a abordagem de mais mercados – como o de bem-estar, com o Lions Health”, explicou.

60 anos

“Temos o mais incrível time de presidente de jurados de todos os festivais, assim como os júris em si estão fortíssimos. Temos uma exibição sobre a história da publicidade, outra sobre a história do Cannes Lions, teremos duas festas. Estamos muito empolgados e creio que essa empolgação vai estar com os participantes desta edição histórica também”, introduz Thomas, sobre aquilo que vai ser o mote da edição que marca os 60 anos do festival.

Em relação aos prêmios, o CEO acredita que, mesmo com um dream team de presidentes e júris, que poderia tornar a avaliação mais rigorosa, não deve haver uma equação muito diferente dos últimos anos. “Os júris vão decidir. Está na mão deles. A dificuldade de ganhar um Leão continua a mesma desde 1992. Fica sempre mais difícil porque, quanto mais inscrições, mais trabalhos deixam de ser premiados – o que mostra que um Leão nunca perde sua relevância. Mas não sinto que haverá diminuição no número de prêmios. Deve ser mantida uma proporção parecida com a das últimas edições, que sempre leva em conta o número de inscrições das áreas”.

Futuro das áreas

Nos últimos cinco anos, o Cannes Lions vem estreando áreas em todas as suas edições – entre elas Film Craft, Design, PR, Mobile, Branded Content & Entertainment e, para este ano, Innovation Lions. Para a edição de 2014, a novidade pode ser musical. “Estamos pensando em uma área baseada no uso da música. A música é muito forte na comunicação e hoje, em Cannes, ela está disseminada nas áreas das formas mais distintas – como em videoclipes, eventos musicais etc. Estamos analisando, junto com representantes dessa indústria, em uma possibilidade de tornar o assunto ainda mais integrado ao festival”, revelou Philip Thomas.

Já a discussão sobre uma possível extinção de Cyber, baseada principalmente no argumento de que o digital, por ela premiado, está hoje presente em praticamente todas as outras divisões, sendo apenas parte de um todo –, está próxima de uma definição. “Precisamos repensar Cyber como uma área separada, qual sua relevância, assim como a força do social dentro do digital e como ele estará inserido no Cannes Lions. Estamos falando com muitas pessoas para tomar as decisões mais acertadas para o futuro de Cyber no festival. Talvez no ano que vem, ou no outro, Cyber vai definitivamente mudar. Nós apenas não sabemos como”, conta o CEO do Lions Festivals. Se encerrada, Cyber seria a primeira área a ser extinta do Cannes Lions. Tendo nascido apenas analisando filmes, em 1954, e permanecendo assim até 1992, com a chegada de Press, atualmente, o festival é composto por 16 divisões.