Fingimento e enganação
A cultura popular vem absorvendo novos significados para as palavras “Propaganda” e “Marketing”, incensada pela imprensa, que de tantos fatos negativos recorrentes, passou a considerar as duas atividades como sinônimo de enganação.
Pois, vejamos as últimas manchetes. “Talibã entra em modo propaganda” e “Morre o marqueteiro Duda Mendonça.”
Dois equívocos, duas injustiças.
Entrar no modo propaganda sugere que o Talibã reuniu a imprensa mundial, vestido de pele de cordeiro com uma conversinha para boi dormir. O que foi chamado de “modo propaganda”.
Duda Mendonça foi muito mais que um marqueteiro, na medida que essa palavra virou símbolo de algo que é feito para maquiar rugas e cicatrizes. Deve-se esse significado deturpado à atividade do marketing político, que historicamente vem descambando para extrair perfeição no que é imperfeito, escondendo debaixo do tapete defeitos e malfeitos.
Propaganda não é isso. Marketing não é isso.
Propaganda é uma atividade essencial à qualquer sociedade que se pretende livre, pois escancara o poder de escolha diante de quem tem o direito de optar por alguma coisa. Não tem nada de enganação, e se tiver, além de ela mesma se autorregulamentar e punir os enganadores (conheçam o Conar), existe a sentença final do próprio consumidor, que decide por livre arbítrio comprar ou não o que ela pretende vender. Simples assim.
Marketing é o exercício de uma estratégia de uma marca em adequar seus produtos, serviços e ideias à preferência e aos anseios dos consumidores. Um marketing mal feito significa uma estratégia mal feita. Uma estratégia mal feita, mais cedo o mais tarde, pode gerar a rejeição do consumidor. Quantos produtos, serviços e ideias deram com os burros n´água por não se adequarem àquilo que o consumidor verdadeiramente se identifica? Simples assim.
Várias vezes, o marketing político é pego no contrapé quando maquia um produto, o consumidor compra o produto, o produto se mostra defeituoso e o consumidor rejeita o produto. Claro que o custo desse erro pode ser desastroso para a democracia. Podemos com um marketing “eficiente” de um produto deficiente andar várias casinhas para trás, o chamado retrocesso civilizatório. Isso vale para qualquer espectro ideológico, quando nem a História perdoa. O cara que criou “uma mentira dita mil vezes vira verdade” achou por vários anos que havia conquistado holofotes e o mundo. Mas acabou com a própria vida acuado num bunker, e ainda levou a mulher e os filhos junto.
Duda Mendonça foi um brilhante estrategista e brilhante redator publicitário. Construiu uma marca de excelência em propaganda e emprestou seu talento profissional ao marketing político. Com sucesso, muito sucesso. Mas caiu em armadilhas éticas e operacionais, e ainda levou na testa o rótulo de “marqueteiro”, adjetivo de significado jocoso à luz do senso comum, termo que não define sua relevância para a publicidade. Injusto com quem criou e entregou de bandeja à cultura brasileira o incontestável conceito “Não basta ser pai. Tem que participar.”
Numa briga de casal, a mulher enciumada com a sogra intrometida, disse ao marido: “sua mãe faz o marketing da velhinha coitadinha”. Ou seja, acusou a senhora de fingir o que não é para obter vantagens com o público alvo, o filho. Propaganda enganosa.
Atribuir ao marketing a ideia de fingimento e à propaganda algo de mentiroso não é culpa da mulher da briga do casal. Nem dos redatores das manchetes.
A dinâmica da língua está caminhando para normatizar o equívoco. Infelizmente. Cabe aos próprios profissionais de marketing e aos publicitários mudarem esse jogo. Com marketing bem feito, propaganda honesta e bons exemplos. Garanto que talento, ética e coragem não vão faltar.
José Guilherme Vereza é publicitário, redator, diretor de Criação, escritor, roteirista e professor de Criação Publicitária na Unesa (zeguivereza@gmail.com)