Foi mal

Franca Guerrante era a responsável pela comunicação da Eletrobras e uma vez foi chamada para preparar o material que daria apoio à missão brasileira que iria à China discutir a parceria na construção das usinas para produção de energia elétrica. Todos os documentos tinham de ter tradução em inglês e chinês, que para a Franca, tal como para o resto do mundo, é grego. A Franca é dessas detalhistas pentelhas que numa hora destas entra em choque. Revisar o português, dar uma olhada na versão inglesa, tudo bem. Mas quem é que vai saber se aquele ideograma cheio de risquinhos significa “produzir energia sem agredir o meio ambiente” ou “todo chinês tem bilau pequeno”?

Até porque só chinês e surfista depois de puxar fumo é capaz de ver lógica num ideograma que é uma casa, um raio e uma lagartixa que significa “gratidão”. Não me mandem e-mails dizendo que não é nada disso porque eu sei. É chute para vocês entenderem o espírito da coisa. Aliás, espírito da coisa é um ganso dentro de uma ânfora. Nada mais lógico. Voltando ao assunto, a Franca pediu para a embaixada que lhe mandassem um tradutor de chinês, um cobrão de verdade, que fosse capaz de passar para a língua do Confúcio aqueles cartapácios técnicos complicadíssimos mesmo em português. E avisou para a equipe inteira que estava esperando, para qualquer hora, a chegada de um chinês tradutor.

Passando pela recepção encontrou um cidadão com a maior cara de chinês se apresentando à segurança. Agitada, Franca segurou no seu braço, arrastou para a sala de reunião e começou a passar o material. Foi numa pausa para respirar que o chinês acabou podendo se explicar: não era tradutor, era um vendedor de equipamento, não era chinês nem entendia coisa alguma de eletricidade. Era um técnico nascido em São Carlos, orgulhoso filho de imigrantes japoneses, que mal sabia consertar uma tomada. Franca pediu desculpas, devolveu o japa para a recepção e começou a entrar em pânico: cadê o enviado da embaixada? Meu reino por um chinês! E estava no telefone, tentando falar com a embaixada, já quase em desespero, quando entra a secretária arrastando… o vendedor japonês, que tinha sido encontrado no corredor, à procura de uma sala. Mais desculpas e dispensaram o cidadão, a esta altura arrependido de não ter nascido na China e de não entender de produção de energia elétrica. E a equipe continuou procurando o homem da embaixada. Parecia um filme de espionagem. Neste momento, o japonês de São Carlos entra na sala de um dos gerentes e inicia uma apresentação de seus produtos, razão de sua presença na Eletrobras.

Estava todo animado contando a excelência da empresa que representava quando percebe, através da divisória de vidro, que duas pessoas estão apontando para ele e se preparavam para entrar na sala. Imagine a surpresa do gerente quando o japonês vendedor começa a gritar para a porta: “pelo amor de Deus, eu não sou o chinês! Vou repetir: eu não sou a porra do chinês!” O gerente deve ter pensado que era um surto. Esta história me lembrou o dia que o pessoal da agência, para me sacanear no meu aniversário, chamou uma massagista, disposta a entrar de biquíni na minha sala cantando um jinglesinho especialmente composto para a ocasião.

Minha assistente, a Patrícia, encarregada da produção do evento, vendo uma moça na recepção de minissaia e um certo ar de vadia, mandou ela entrar numa saleta, trocar de roupa e aproveitar para ir ensaiando a musiquinha. “Vamos lá minha filha, bota aí o biquíni, capricha na maquilagem e me chama quando estiver pronta que eu te levo na sala dele. Teu cachê já está comigo, se você quiser eu te entrego agora”. A moça era uma representante de veículo. A massagista chegou logo depois. A tempo de ouvir a Patrícia, morta de vergonha, implorando desculpas.

Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)