Gaiolas de ouro

Gianni Morandi ergueu a guitarra e mandou ver: “C’era um ragazzo che come me amava i Beatles e i Rolling Stones…” e terminava, cantando: “Nel petto un cuore più non há. Ma due medaglie o tre tatatatatatatatatata…”. Já comentei sobre eles aqui. Talvez, de forma extemporânea, também, como o ragazzo de Morandi, amassem os Beatles e os Rolling Stones. Mas tudo o que queriam, mesmo, era fabricar uma cerveja artesanal de excepcional qualidade.

E assim caminhava a vida. Vitórias, derrotas, descobertas, percalços, tudo dentro da normalidade das pequenas empresas e de empreendedores que decidiram viajar nos próprios sonhos. Corta para 2017. Agora são diretores da Ambev! Que merda! Venderam os sonhos. Não resistiram.

Tiago e José Felipe Carneiro – Wäls – e Marcelo Carneiro – Colorado. O Carneiro no sobrenome é mera coincidência. Ou, quem sabe, o “critério” que a megacorporação adota – na falta de outro melhor – para escolher os protagonistas de uma história a ser fabricada sobre outra que fora contada e interrompida. E aí, a PEGN foi entrevistar agora, pouco mais de dois anos depois, os adquiridos, comprados ou vendidos.

Marcelo Carneiro, 57 anos, Colorado: “O que mudou após a venda?”. Marcelo: “Não perdemos nenhum funcionário importante nem tivemos de fazer demissões. Já na parte do maquinário é tudo mais moderno…, mas a melhor mudança é que eu não tenho mais de me preocupar em pagar as contas do mês…”.

Tiago Carneiro, 34 anos, Wäls: “Qual o seu papel atualmente?”. Tiago: “A AB InBev, controladora da Ambev, criou uma área global de novos negócios chamada Disruptive Growth Organization. Fomos a primeira empresa do mundo a fazer parte dela. Eu e meu irmão ocupamos oficialmente cargos de diretoria dentro dessa área. O relacionamento com os demais funcionários é muito menos traumático do que eu imaginava. Temos autonomia para tomar decisões. Essa condição foi discutida ainda durante as negociações…”.

Perceberam, esqueceram-se do produto. Nem mesmo se lembram mais dos dias e noites acordados em busca de uma marca. Os Carneiro agora vivem na gaiola. Quem sabe, talvez, de ouro. Podem cantar e voar o quanto desejarem e quiserem, desde que dentro da gaiola.

Quando os concorrentes eram/são de peso e descomunais, a AB InBev ia/vai lá e compra. Lembra Anheuser-Busch, a dona da Budweiser, 2008. Lembra Sabmiller, 2016. E quem mais se colocar pelo caminho. Passarinho pequeno, que eventualmente possa incomodar no futuro, castra-se ou desidratam-se as asas, se possível, no berçário.

Para tomar conta desse berçário, a Ambev criou uma diretoria. A de cervejas especiais. Segundo o diretor-responsável pela área, os clientes querem novos tipos de cerveja, novos estilos e produtos mais artesanais… é um negócio que vem crescendo muito mais do que a gente imaginava…”.

Tudo, eu disse tudo, que o trio de ouro ou três mosqueteiros tentaram fazer do zero deu com os burros n’água. Fracasso descomunal. São absolutamente incapazes de construir o que quer que seja.

Mas, pegar pronto e multiplicar, detonando dezenas de anos de branding, é a especialidade deles. Nisso são campeões. Jorge, Marcelo e Beto. Depois? Depois quem vier na sequência que cuide e resolva. Se você é empreendedor e tem Carneiro no sobrenome, acautele-se. Os caçadores estão de olho e no pedaço.

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br)