Games atraem usuários com conteúdo e música ao vivo
Se há até pouco tempo, os games e eSports sofriam com o paradigma de supostamente contribuir para o afastamento social de seus usuários ou, ainda, a responsabilização por comportamentos agressivos, a pandemia da Covid-19 acelerou um processo mais do que bem-vindo de amadurecimento do setor e aceitação do ecossistema gamer no Brasil. Com parte da população em quarentena, não apenas o número de novos jogadores cresceu, alcançando mais de 90 milhões no Brasil, como também houve um aumento de oportunidades e pontos de contato com outros perfis de público.
Assim como o sucesso das lives com artistas como Ivete Sangalo ou Sandy & Jr. nos canais sociais como YouTube, Instagram e em veículos de mídia, como Globo e Record TV, jogos como Free Fire, Fortnite e Avakin Life também têm servido como plataforma de transmissão de shows in-game, atraindo fãs de nomes como o DJ Alok e da banda de rap nacional Haikaiss, por exemplo.
O show do rapper americano Travis Scott, em abril, foi um marco para o movimento de intersecção dos games com a cultura pop. O cantor ganhou uma avatar no Fortnite e fez uma apresentação ao vivo em uma turnê de 23 a 25 de abril, dentro do jogo da Epic Games. O resultado? Mais de 45 milhões visualizações, com pico de 12 milhões simultâneos. Apenas a título de comparação, o recorde mundial de acessos simultâneos em uma live no YouTube é de uma transmissão feita pela cantora Marília Mendonça, em abril, que somou pouco mais de 3 milhões de pessoas ao mesmo tempo.
Para Bernardo Mendes, game specialist da agência Cheil, é um movimento crescente de os jogos se posicionarem como redes sociais para trocas e interações, além do jogo em si. “O Fortnite sempre teve essa veia. A funcionalidade de chat é uma forma de socializar. Agora, com a criação do modo Party Royale para entretenimento, é um passo a mais de aproximação do jogo a uma plataforma social, onde o público entra para entreter e não para jogar, mas para compartilhar experiências, aproveitar os shows”. O especialista chama a atenção para um palco que ainda não foi ativado no jogo, dando a entender que o Fortnite deve trabalhar com outros artistas em breve.
No cenário brasileiro, projeto semelhante tem sido trabalhado pelo Free Fire, da Garena. No último dia 3 de maio, o DJ Alok promoveu um show ao vivo em um projeto em parceria com a Globo e o game. Além de abrir a transmissão com uma música criada para o mundial do jogo em novembro de 2019, o artista também estava usando uma réplica do traje que seu personagem no game também usa. Segundo Fernando Mazza, chefe de operações da Garena Brasil, o objetivo da companhia é criar experiências locais que funcionam para os jogadores em cada mercado.
Não à toa, já foram criados no Brasil, por exemplo, ações dentro do jogo com itens especiais, roupas para personalizar seus personagens e bônus exclusivos para datas temáticas como o Carnaval. “Os games, assim como a música, têm muito a oferecer. Com o Alok, pudemos transmitir a live também pelo Free Fire. Essa experiência foi muito legal para mostrar que é possível mesclar os dois mundos”, destaca.
Outras experiências da mescla com a cultura pop já haviam sido feitas. Durante o mundial de Free Fire, o rapper Mano Brown e o MC Jottapê, da série Sintonia, da Netflix, cantaram uma música criada para os fãs do game. A canção fez sucesso e pouco tempo depois foi lançado um videoclipe que contou com participação de streamers de Free Fire.
Na semana passada, foi a vez do Avakin Life transmitir um show ao vivo da banda Haikaiss. O projeto, em parceria com a Som Livre, teve mais de 2,5 milhões de visitas durante a apresentação, que ficou disponível na plataforma por 72 horas.
Negócios
Com previsão de receita global de US$ 1,05 bilhão em 2020, segundo a consultoria Newzoo, o mercado de eSports segue aquecido mesmo com a pandemia. Principalmente com o potencial das lives, que devem render receita de US$ 19,9 milhões só com streaming, grandes marcas têm encontrado oportunidades de novos formatos e conteúdos.
Segundo Daniela Branco, diretora de desenvolvimento de negócios da agência ABCM, especializada em games, as plataformas de streaming viraram uma opção de estratégia para as marcas durante a quaretena. “Este já é um terreno explorado pela indústria de games e eSports há anos. Eles já têm esses modelos sólidos e ‘produtizados’, então a curva de adaptação é menor”.
Vale lembrar que o consumo de streaming de games em plataformas como Twitch e YouTube Gaming teve aumento de 10% na quarentena. Não à toa, influenciadores e novos produtores de conteúdo estão surgindo nesses espaços. O lutador do UFC Anderson Silva, por exemplo, inaugurou seu canal como streamer da Twitch no último dia 7 de maio. O atleta vai transmitir partidas ao vivo do game Call of Duty direto de sua casa, além de responder perguntas de seus fãs.Para Leandro Valentim, head de games e eSports da Globo, o momento atual pede inovação e a quebra de conceitos e padrões, permitindo ideias e entregas multiplataforma.
“A comunidade gamer há alguns anos já responde por mais de um terço da população brasileira. Universo gigante, com maioria jovem, conectada e engajada, que cresce em ritmo acelerado. O que vem mudando é a exposição fora da comunidade, desmistificando preconceitos e mostrando sua força e versatilidade. O casamento entre games com as competições de jogos eletrônicos (eSports) e o mainstream veio para ficar”.
Recentemente, a Globo também promoveu o torneio Futebol em Casa, reunindo jogadores de times brasileiros como Gabigol, do Flamengo, em uma competição virtual e transmissões no SporTV. Segundo Valentim, a proximidade com algumas das maiores publishers do mundo permitiu o desenvolvimento ágil de iniciativas que atendessem a este momento de tantas restrições, “para que pudéssemos levar entretenimento e diversão, e também estimular as pessoas a ficar em casa”.
Mas as transmissões ao vivo não se limitam a conteúdo de entretenimento. O Brasil tem também experimentado na pandemia live streaming com foco em educação e profissionalização no cenário gamer. Quem lidera o movimento é a Live Arena, que, em parceria com o Senac, tem feito transmissões de cursos gratuitos EAD de pro player de League of Legends e criador de conteúdo, entre outros. Quem explica os detalhes é Rodrigo Rivelino, da Live Arena.
“Nesse período de pandemia, entendemos que os conteúdos gratuitos poderiam aumentar o interesse pelos nossos cursos, ao torná-los mais acessíveis, até para o público testar esse ambiente e também os nossos conteúdos. O cenário dos games ainda tem muito a ser trabalhado e desenvolvido, no que diz respeito ao entorno do jogo, das competições”, destaca.
“Muitas oportunidades de negócios ainda vão surgir no ecossistema gamer, assim como acontece com os grandes movimentos socioculturais. A tendência é surgirem cada vez mais eventos, conteúdos, plataformas de ativações, arenas e ambientes de experiências”, finaliza.