Gincana Kibon, ou, como legislar-se por antecedência
No que se basear sobre negócios que jamais imaginávamos viessem a existir? Esse é um dos maiores desafios da transição do velho para o admirável mundo novo. O monumental abismo dos tempos que vivemos entre a nova realidade e a mais que necessária regulação. Mas, leva tempo e, enquanto isso…
Nos fins das tardes de domingo, na TV Record na subida da Consolação que era ainda uma rua e não uma mega-avenida como hoje embora preserve rua no nome, tentando ocupar um espaço decorrente da proibição da transmissão dos jogos de futebol e, simultaneamente, encontrar um substituto para um dos programas de maiores sucessos junto à família brasileira na época, a Gincana Kibon, que estreou no dia 17 de abril de 1955, sob o comando de Vicente Leporace e Clarice Amaral, a agência de propaganda Magaldi, Maia & Prosperi decide criar o programa Jovem Guarda. Inspirado na frase de Vladimir Lenin, “O futuro pertence à jovem guarda porque a velha está ultrapassada”. Mais ou menos o que se diz hoje, também, e novamente…
E como recheio e conteúdo do novo programa prevaleceu uma galera originária do Rio, que mudou-se para São Paulo, indo morar na Rua Albuquerque Lins, Higienópolis baixo, sob a liderança de Roberto e Erasmo Carlos, mais Wanderléa e convidados: Ronnie Von, Eduardo e Silvinha Araújo, Wanderley Cardoso, Jerry Adriani, Martinha, Vanusa, Leno e Lilian, Evinha, Deny e Dino, Paulo Sérgio, Reginaldo Rossi, Antônio Marcos, Kátia Cilene, Os Incríveis, The Fevers e muitos outros mais. E aí Roberto e Erasmo fortaleceram os laços de amizade e mergulharam em sucessivas composições de sucesso. Tudo o que existia naquele momento eram os 78 rpms, mais os long plays, e ninguém, absolutamente ninguém, conseguiu imaginar que plataformas de distribuição de músicas seriam totalmente outras, e a partir da virada do milênio. Assim, nada, absolutamente nada do que existe hoje, encontra-se previsto nos contratos de direitos autorais celebrados na época.
Conclusão, desde a virada do milênio para cá brigas e mais brigas referentes aos direitos de exploração comercial nas novas plataformas. Neste momento, por exemplo, Roberto e Erasmo tentam rescindir na Justiça um contrato de edição de 73 músicas compostas entre 1964 e 1987, com a Editora Fermata. Na ocasião, todos os direitos foram transferidos pela dupla à Editora. Mas, sobre as possibilidades existentes naquele momento. O contrato de cessão jamais poderia contemplar o que não existia… Paro por aqui e acho desnecessário entrar em mais e maiores detalhes. Vivemos uma ruptura. A cada dia que passa, cada vez mais, com maior intensidade, os formatos de utilização de propriedades e direitos autorais por novas formas e possibilidades serão contestados por todos os envolvidos. E isso alcança negócios de todos os setores de atividade. Conclusão, no território da Justiça e dos direitos das propriedades intelectuais, seguiremos caminhando nas trevas durante no mínimo duas décadas, a menos que algum tribunal consiga em alguns dos processos que chegue até o final, estabelecer algum tipo de súmula vinculante.
Caso contrário, continuar caminhando, assumindo riscos e, diante de todos
os possíveis acidentes de percurso, partir para acordos entre as partes. Hoje, mais que nunca, prevalece o aforismo “mais vale um mau acordo que uma boa demanda”, muito especialmente num país onde via de regra as grandes contendas seguem vivas enquanto seus possíveis beneficiários já partiram há décadas… Um mau acordo que ponha fim a um conflito é infinitamente melhor que uma guerra sem nenhuma perspectiva de algum final, qualquer final…
Assim, se era impossível imaginar-se o que viria pela frente, absolutamente impossível alguma das partes ter procedido de má-fé. Portanto, antes que o dia escureça, a noite chegue e a vida acabe, nada melhor do que um acordo salomônico entre as partes, tipo 50 x 50, e todos que se deem por felizes pelo dinheirinho mais que extra que caiu do céu, graças e obras da Santa e Abençoada Tecnologia… “e que tudo mais vá pro inferno…”.
Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br)