Scott Buck esteve no Brasil para dar dicas ao grupo de profissionais brasileiros que participaram do 2º Programa Globosat de Roteiristas. Showrunner de “Dexter” e roteirista das séries “Roma” e “Six Feet Under”, Buck integra hoje o dream team dos mais admirados mundialmente, considerado praticamente tão célebre quanto os personagens cujas tramas ajudou a alinhavar. Veja a seguir os principais trechos de sua palestra.
Dexter vive
Dexter era um grande personagem para a Showtime e eles não quiseram se livrar de seu maior personagem. Talvez ele volte, mas mesmo se esse não for o caso, na minha primeira aula de escrita criativa na universidade o professor nos pediu para escrever uma história curta e nos disse que algo que não devemos fazer é matar o personagem no final, porque todo mundo faz isso, é uma maneira fácil e simples demais de finalizar. E mesmo que essa fosse uma alternativa para encerrar a série, eu quis imaginar algo um pouco diferente para ele, que fosse além disso. Houve alguma reclamação sobre o final porque acredito que as pessoas queriam uma “solução final”, uma conclusão, um “final feliz”, ou um final que respondesse a todas suas perguntas, que parecesse correto e justo. Mas em “Dexter” nem tudo funcionava do jeito que ele pretendia, as pessoas ao seu redor morriam, e ele sempre sobrevivia. Não queríamos encerrar a série agradando a 100% da audiência porque as coisas para os assassinos em série nem sempre funcionam do jeito que eles gostariam.
Competição
Acredito que os autores brasileiros conhecem melhor a audiência brasileira. Mais do que os escritores de Hollywood. Gostamos que nosso trabalho viaje o mundo, mas em geral estamos sempre pensando na audiência americana. Pensamos no que nós gostaríamos de assistir. No mercado americano, os segmentos de nicho estão se expandindo. Antes tudo se resumia a três emissoras, mas agora há cabo, internet, podemos escrever programas para audiências específicas.
Conflitos
Foi um longo processo nos Estados Unidos, porque originalmente, quando se pensa no teatro, os direitos eram dos escritores, e ainda são, depois, o cinema veio e os diretores e produtores entraram em cena e continuam tendo grande poder na indústria do cinema. Quando trabalhei em “Roma”, que foi filmado na Itália, eles ainda eram adoradores de diretores, e ainda que fôssemos autores que produzem e contratam o diretor, que trabalha para nós, eles eram adorados porque não conheciam outro modelo. Quando veio a TV, os escritores perceberam bem cedo que precisavam entrar de maneira bastante agressiva e esse poder se estabeleceu aos poucos, com muitos conflitos. Isso foi antes que eu entrasse no negócio, ainda bem, mas o fato é que os escritores se tornaram produtores. Os escritores são showrunners, mas ainda há conflito com os profissionais de produção.
Produção
O que me parece é que os roteiristas brasileiros precisam sair um pouco da novela e produzir mais material de séries, focar mais em personagens. É isso o que sempre me interessa, bons personagens, e por isso fui para a televisão. Nos Estados Unidos fizemos várias séries baseadas em produtos internacionais, há coisas como “The Office”, que tem sua versão americana – de maior apelo para a audiência local. Isso funciona muito bem. Os brasileiros podem produzir coisas que sejam replicadas ou adaptadas para os Estados Unidos. Os americanos gostam de assistir boa televisão, basicamente.
Novas maneiras
É interessante ver como as coisas acontecem hoje, o Netflix colocando todos os episódios de uma temporada no ar de uma vez. Ainda não sei como isso irá nos afetar. Um artigo que li num jornal dizia que “House of Cards” foi o show menos comentado e de maior sucesso. Porque normalmente se um show vai ao ar no domingo à noite, as pessoas falam sobre ele ao mesmo tempo. Mas se for “House of Cards”, as pessoas o assistem em momentos diferentes, você não sabe se seus amigos assistiram. Como roteirista não acredito que isso fará alguma diferença, sinceramente. Muitas pessoas assistiram “Dexter” dessa forma, via download. E também assisti a alguns programas assim, como “The Wire”, do qual ouvi falar muito tarde e acabei adquirindo em DVD e assisti a tudo muito rapidamente. Acho ótimo que haja mais maneiras de assistir. As pessoas não querem mais esperar. Agora, sinceramente, assistir a uma série no celular, acho que não é o ideal.
Grandes personagens
Tive muita sorte de trabalhar em três séries que eu realmente amei. Sinto a pressão de que meus próximos jobs sejam tão bons, mas ao mesmo tempo não tenho a menor ideia do que será. Nesse momento estou na Showtime criando para eles.
Bons escritores
Se você tem talento pode escrever para qualquer meio, precisa apenas aprender a técnica. Tudo é prática porque quando comecei meus scripts não eram bons. Eu tinha talento, mas não dominava a técnica. Tive muitos roteiros dissecados, destruídos por escritores mais experientes, que me diziam o que estava errado. Foi preciso ser “casca grossa” para ouvir todas as críticas sem desanimar e aprender com os erros. Fazer parte de um “Writers Room” é um exercício de, o tempo todo, dar ideias e ver 99% delas rejeitadas. Até isso incomoda a alguns escritores, especialmente se não estão acostumados a ouvir “não”.