Gloob quer ser exemplo em inovação

 

Paulo Daudt Marinho se divide com naturalidade entre as reuniões do Conselho de Administração das Organizações Globo e a direção do canal infantil Gloob. Um dos sete netos de Roberto Marinho e filho de José Roberto Marinho, ele e seu primo Roberto Neto são os únicos membros da quarta geração da família que trabalham no grupo. Decidiu não fazer jornalismo e focar-se na área de gestão. Ingressou no Programa de Formação e Carreira da empresa e assumiu o canal em outubro de 2011. Entre as principais metas está fazer com que o Gloob seja exemplo de inovação no cenário da TV por assinatura.

Por que você não foi para o jornalismo?
Cursei Administração na PUC-Rio e a opção de não ir para o jornalismo rendeu bastante. Mas trabalhei em marketing, planejamento e gestão. Na rádio trabalhei pela primeira vez com gestão de conteúdo, que é algo que eu gosto muito.

Como foi a entrada no Gloob?
O projeto já existia. Havia um business plan para um canal infantil aprovado, e um desenho inicial de canal, um ensaio de posicionamento, uma oportunidade de entrada com a identificação do nicho do público da pré-escola, com que temos trabalhado.

Por que esse nicho?
Em pesquisas, identificamos a oportunidade. Esse é um mercado altamente competitivo, com vários canais posicionados na faixa infantojuvenil. E um canal muito bem estabelecido na pré-escola. Apostamos na entrada intermediária entre a pré-escola e o infantojuvenil, entre cinco e oito anos de idade – é um foco editorial forte que temos. Tudo que colocamos no ar avaliamos se é adequado para esse público. Mas ele atinge um público mais amplo, que vai de quatro a 12 anos. O foco central, editorial, é essa criança.

O que essa criança gosta?
Ela assiste de tudo. Tem interesse por séries, filmes infantis e de animação, acessa conteúdo em todas as plataformas. A faixa com que trabalhamos começa a abandonar o conteúdo pré-escolar, o sing along, o conteúdo com muita repetição passiva. E se interessa por programações com histórias mais elaboradas. E reparamos a partir das pesquisas que as séries infantis, principalmente, puxavam muito o target para cima, falavam com o pré-adolescente, e as crianças que estavam no período intermediário não encontravam algo adequado. Foi essa a nossa aposta. Trabalhamos séries, mas procuramos tomar cuidado com a temática – evitar conotação sensual, violência.

Como vocês se comunicam com os pais?
A aceitação dos pais é natural. Parte do conteúdo do Gloob tem um conteúdo mais ingênuo e isso gera simpatia dos pais. Temos pesquisado e eles enxergam que o canal tem um conteúdo adequado para essa faixa. Usamos como estratégia chamar a atenção dos pais na largada do canal. Criamos a faixa “retrô” a partir das 22h, exibindo programas que marcaram a infância dos pais como “Smurfs”, “Popeye”, “He-Man”, “Caverna do Dragão”, “Sítio do Picapau Amarelo”. Trabalhamos assim a memória afetiva dos pais. Foi uma estratégia de conteúdo para atrair os pais e com isso os filhos. Deu certo.

Como dividir programação local e de fora? O foco maior é em produção nacional?
O Gloob é um canal brasileiro, nos posicionamos assim e isso implica em investir em produção nacional. Não temos a meta de ser 100% nacionais, mas nossa faixa nobre tem 45% de produções nacionais. Isso é mais do que a média normal dos canais concorrentes. Desde o lançamento do canal, a produção nacional já cresceu mais de cinco vezes. Acredito que essa é uma forma de estar mais próximos das crianças do Brasil, falando de questões da rotina brasileira e da cultura local. Elas enxergam crianças brasileiras na tela. Acreditamos que é um diferencial que o Gloob tem. Todas as nossas cinco produções nacionais dão resultados muito bons, têm audiência acima da média.

Qual o perfil dessas produções?
São terceirizadas. Fazemos a gestão, a equipe tem um viés muito artístico, mas não produzimos in-house. É o modelo da Globosat. É uma atitude de fomento ao mercado e à produção independente. Começamos com “Detetives do prédio azul”, um sitcom, que vai para a quinta temporada em abril. Depois veio um projeto de oportunidade, o “Tem criança na cozinha”, e o “Click”, de arts e craft. No final de 2013 lançamos a primeira novelinha, “Gaby Estrella”, e a primeira animação, “Osmar, a primeira fatia do pão de forma”.

Há desafios específicos no nicho infantil para encontrar conteúdo de qualidade?
Tem gente boa, mas é difícil. O mercado passa por um período de desenvolvimento e formação, principalmente de roteiristas. Às vezes, há ótimas ideias que não se transformam em bons projetos de TV. Mas temos tido sucesso no que escolhemos, acho que estamos com o olho bom. Há uma dificuldade de encontrar produções para o mercado infantil. A animação apresenta desafios extras: difícil encontrar. Produzir animação no Brasil tem sido caro e complicado. Demora muito tempo, os ciclos são de um ano e meio a dois anos para uma produção completa. E há muita oferta no mercado internacional.

Os roteiristas reclamam que os canais por assinatura pagam mal. É consequência de uma indústria em formação?
As coisas estão se encaixando. É um momento de adaptação. A crítica tem razão de ser, inclusive passamos por um processo de revisão do que vínhamos pagando por roteiros. Entendemos que é um ativo importante. Por outro lado produzir está ficando mais caro. A lei da produção nacional acarretou um inflacionamento do mercado. Há aí dois fatores: o custo Brasil, que cresceu. Vemos com a Copa empresas que tinham ambição de produzir aqui desistindo devido aos custos atuais. Por outro lado, temos demandado produtos mais sofisticados e elaborados, com mais qualidade. Saímos do patamar de fazer uma série padrão dentro de um único estúdio para fazer uma novela com elenco maior, número de externas grande. É uma combinação das duas coisas. Mas temos visto os custos de produção crescerem muito. Talvez no caso do roteirista houvesse de fato uma defasagem.

A conta desse investimento todo fecha? Está caro investir em produções nacionais?
Vivemos da receita de assinaturas e publicidade. Encaixamos as produções que consideramos adequadas. Temos um volume crescente de produção no canal, mas leva um tempo principalmente para o mercado publicitário começar a responder. O canal cresceu em faturamento publicitário 20% no ano passado – mais que os cerca de 15% do mercado de TV por assinatura. A publicidade em si, isoladamente, não financia ainda o volume de produção que temos atualmente.

A novela “Gaby”, por exemplo, como e onde é feita?
“Gaby” é uma parceria do canal com duas produtoras: a Panorâmica e a Chatrone, a primeira brasileira e a segunda internacional, mas estabelecida aqui. Ela é gravada na Penha, no Rio de Janeiro, numa escola rural de agricultura. Também gravamos muito em um hotel fazenda em Barra do Piraí. Agora estamos em processo de desenvolvimento da segunda temporada e devemos gravar em abril. Entrará no ar em outubro deste ano.

A audiência infantil é o maior share da TV por assinatura. E a audiência do canal, como vai?
Atualmente, 25% da audiência da TV por assinatura estão concentrados nos canais infantis. É o segmento de maior audiência. No corte do Ibope enxergamos apenas quatro a 11 anos – não temos o corte exato da faixa etária que escolhemos. Mas é uma aposta editorial. Temos acompanhado a audiência e o resultado tem sido muito positivo. Ano passado no horário nobre infantil crescemos 70% em audiência. No total do dia aproximadamente 40% – em relação aos primeiros seis meses do canal, em 2012. Foi um crescimento expressivo. Andamos 13 posições no ranking só no ano passado. Em janeiro desse ano já fechamos 20% acima em audiência em relação ao mesmo período no ano passado. E acreditamos muito que as produções nacionais têm alavancado nosso crescimento.

A geração que vocês querem atingir talvez seja a primeira verdadeiramente multiplataforma. Como lidar com essa pluralidade de devices, como mantê-los conectados?
Trabalhamos aqui com o conceito de propriedade, e ela tem que estar presente em todas as propriedades possíveis. O canal é onde fazemos o lançamento dessas propriedades. Mas depois são exploradas todas as frentes possíveis. No ambiente de internet, todo conteúdo que lançamos tem um braço no site – seja a partir de games, que é uma maneira da marca interagir com as crianças, seja por vídeos que colocamos no site. No caso da “Gabi Estrella” lançamos a novela, depois o hotsite explorando os personagens, músicas, temos blog, posts diários no Twitter relacionados à história, fan page no Facebook, no Instagram, mais plataformas de VOD (video on demand). Sempre ajudando a fortalecer a marca e a história que está sendo exibida na TV.

Mas não tem como assistir em nenhuma outra plataforma além da TV, certo?
Estamos evoluindo. Trabalhamos na plataforma de VOD das operadoras e na da Globosat que é o Muu, que deve passar por reformulação. “Gaby” tem quase a série inteira nas plataformas de VOD das operadoras. A tendência, com o tempo, é ter todo o conteúdo disponível lá também.

Mas a TV permanece como plataforma principal, certo?
Sim. No Brasil o mercado de TV por assinatura está em franco desenvolvimento. As coisas acontecem primeiro nos mercados maduros e depois são adotadas aqui. Acredito que o conteúdo se tornará disponível em diversas plataformas, mas queremos manter a relevância da televisão. Inclusive nos mercados maduros a TV segue relevante, o faturamento é alto, o tempo dedicado à TV continua alto. Há uma dinâmica social de assistir o inédito como se fosse o “ao vivo”. As pessoas gostam de ver ao mesmo tempo, comentar. É um hábito social que não deve mudar. Entre as crianças há uma adoção de outras plataformas com maior velocidade. Mas acreditamos que futuramente teremos por exemplo um aplicativo do Gloob no qual a criança possa acessar o mesmo conteúdo exibido no canal. Chegaremos lá. Mas temos um tempo de desenvolvimento, e é preciso respeitar o modelo de negócios existente. Tudo que é desenvolvido gera custos. No aplicativo, quanto mais audiência tem, mais caro ele custa. É preciso fechar a conta e somos um canal recém-lançado. Mas tenho certeza de que vamos acelerar esse processo “all platforms” na medida em que o canal for crescendo e o mercado for pedindo isso da gente. O próximo passo do canal é nos apropriarmos do conceito de inovação.

Em publicidade, que restrições vocês enfrentam e que segmentos são os maiores anunciantes?
Já nascemos num cenário natural de restrições um pouco maior. Mas o Brasil tem um modelo de autorregulamentação altamente sofisticado, que sempre deu respostas rápidas para a sociedade. Não podemos fazer branded content ou product placement, mas essa é uma decisão que tomamos até mesmo antes do Conar fazer essa determinação. Há anunciantes que por regra corporativa não anunciam em canais infantis, mas são poucos. A criança é impactada por publicidade onde quer que vá. Minha visão pessoal é de que isso faz parte do processo de educação: ensinar a lidar com mídia, publicidade e consumo. É uma questão familiar: as pessoas se eximem da responsabilidade e não sabem dizer não para os filhos. Se você diz não três vezes, eles aprendem.