Após dois dias ouvindo experiências de países que introduziram agências reguladoras de conteúdo e técnicas, o governo vai finalizar até o mês de dezembro Projeto de Lei para criar organismo de fiscalização aos canais de mídia. Os pontos que vão constar da proposta para substituir o Código Nacional de Telecomunicações de 1962 são convergência de mídias, estímulo à produção independente nacional e regional, direito de resposta, respeito à privacidade, proteção ao menor e mecanismos para questionamento de conteúdos – comerciais, jornalísticos e de entretenimento.

O jornalista Franklin Martins, ministro-chefe da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República), responsável pela organização do Seminário Internacional de Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias, realizado na semana passada em Brasília, já tem a estrutura básica do PL pronta, mas vai reunir atas do evento para indexar tópicos ao relatório final. Não sabe ainda se a proposta vai conter sugestão para criação de uma ou duas agências reguladoras. Tem apenas a certeza de que o PL vai ser finalizado com a Casa Civil, mas a decisão de encaminhá-lo ao Congresso Nacional caberá à presidente eleita Dilma Rousseff. A tendência da presidente após a posse em 1º de janeiro de 2011, de acordo com apuração do propmark, é a promoção de uma audiência pública para embasar decisão.

O ministro Martins justifica a criação de agência de regulação à mídia como essencial para que os empreendedores do setor não sejam “atropelados” por negócios com base nas novas tecnologias. Em sua opinião, a lei atual não consegue sustentar inovações surgidas nos últimos anos. Cita como exemplo o volume de faturamento das empresas de telecomunicações, de aproximadamente R$ 180 bilhões no ano passado, contra R$ 13 bilhões das rádios e emissoras de televisão aberta no mesmo período.

As medidas, porém, soam para o mercado como intervencionistas e que podem abrir espaço para a censura. Martins, que define como “jamanta” as telecomunicações, discorda. “Defendemos um novo marco regulatório porque a legislação em vigor está ultrapassada. Temos que estimular a competitividade e a inovação. Como está, o mercado não acompanha. Mas com liberdade de informação, proteção à cultura regional nacional, concorrência, neutralidade e inovação. Censura, não. Sou contra. Defendo as liberdades desde os tempos da ditadura. Sou contra, inclusive, que o judiciário censure a imprensa. Agora, temos que ser mais rápidos. Desde 1988 os artigos 220, 221 e 222, que tratam da produção independente nacional, ainda não foram regulados. Vamos insistir nesses pontos na proposta regulatória. O governo federal tem consciência de que nesse processo de convergência de mídias tem que dar condição especial à radiodifusão porque sabe a sensibilidade e relevância social do rádio gratuito no País”, enfatizou.

Eduardo Levy, presidente do SindiTele (Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal), disse, em tom irônico, que a “jamanta não quer atropelar ninguém”, mas defendeu a atualização das regras. “Sem viés ideológico e debate público para dar garantias aos investidores”, afirmou. Um mercado com cerca de 200 milhões de clientes, o setor de telecomunicações prefere aguardar decisão final sobre o PL. “Não é o momento”, resumiu Levy, que intermediou a palestra de Harald Trettenbein sobre a experiência da União Europeia na regulação à mídia.

Ronaldo Mota Sardenberg, presidente da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) disse que “é importante” colher informações de outros países. “Temos que entender que a convergência é um fato e que o tema está na pauta. Ouvir outras experiências pode ajudar a formar opinião”, disse. O setor de telecomunicações é realmente uma “jamanta”? “Isso não sei”, despistou.

No ano passado, durante a Confecom (Conferência Nacional de Comunicação), a Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão), a ANJ (Associação Nacional de Jornais) e a Aner (Associação Nacional dos Editores de Revistas) formalizaram retirada do evento por discordarem do tom “agressivo” de entidades sindicais. Para José Roberto Antonik, diretor geral da Abert, a entidade resolveu participar do seminário “porque o clima de confronto foi deixado de lado”. Para ele, há espaço para estabelecer discussão sobre o tema, mas sem restrições à produção de conteúdo. “A proposta era muito dura com a radiodifusão: contra lucro e favorável ao controle social da mídia. Era um tom ideológico. Aqui é um debate de altíssimo nível. Censura já passou. Como haver punição de erros sem censura? É uma resposta impossível porque exercer controle sem, por outro lado, intervir, não faz sentido. Quando alguém controla o conteúdo há censura. Como a mídia é remunerada pela propaganda ela é autônoma”, defendeu o executivo da Abert.

O ministro Martins disse que são situações diferentes. “Temos que aproveitar o momento e fazer o que já tinha que ter sido feito, sem olhar para trás. A legislação tem que ser mais integradora, cidadã e democrática. Essa é uma discussão que não pode ser interditada. É hora de deixar os fantasmas no sótão. Talvez o fantasma mais garboso seja a tese de que regulação é censura à imprensa. É um truque porque a liberdade não está em jogo. A imprensa é livre, mas tem que ter regulação. A liberdade não significa que a imprensa não pode ser alvo de críticas”, ponderou Martins.

Os ajustes que precisam ser feitos, na opinião da Abert, são estabelecer limites para avanço das empresas estrangeiras de internet que precisam se enquadrar à lei que garante 70% das ações de uma empresa de comunicação a empresários brasileiros. O diretor geral da entidade diz que os legisladores foram genéricos, mas amplos.

“A internet deve respeitar essa fronteira. O texto da internet livre e sem regras vale para muita coisa, mas nenhum portal aceita propaganda de cigarro, por exemplo, e quando exibe mensagens de bebidas não se esquece da tarja de advertência. Estamos em um processo de amadurecimento e a Abert vai contribuir sempre que for possível. Somos contra que as regras atuais, até que a discussão seja encerrada e regulada, sejam quebradas pela internet. Tanto não pode que seguem parte das regras. A lei precisa proteger a geração de conteúdo jornalístico dos jornais, rádios, TVs e revistas. Muitos se apropriam sem pagar direitos. No jornalismo não dá para fazer isso, porque é uma produção cara”, disse o dirigente da Abert.

Para a entidade corporativa das emissoras de rádio e TV, a publicidade garante a liberdade de imprensa. É como se o usuário exercesse o controle da situação usando como arma o controle remoto. “Os números de emissoras de TV em setembro do ano passado eram 496 geradoras no País, das quais 295 formadas por TVs comerciais, e 201 educativas (universidades, fundações, governos e entidades sem fins lucrativos), todas cedidas por regulamento próprio do Ministério das Comunicações. No caso das comerciais, o ministério faz um business plan para uma outorga ou concessão, e em função disso estabelece o preço que vai dar base a um processo licitatório cuja melhor proposta garante a prestação do serviço. E custa caro. Uma outorga no interior de São Paulo saiu recentemente por R$ 30 milhões. Fora os investimentos em infraestrutura. O empresário que compra essa outorga se remunera economicamente apenas pela propaganda. Mas, em troca, garante programação gratuita”, argumentou Antonik.

por Paulo Macedo