Grafites mudam paisagem urbana de SP
Se a Lei Cidade Limpa diminuiu a poluição visual em São Paulo desde a sua implantação em 2007, com a retirada de cartazes, outdoors e letreiros publicitários, os grafites pintados nos muros da Avenida 23 de Maio – um dos principais corredores viários da cidade e que faz a ligação entre as zona sul e norte –, além de outros em bairros como o centro, mudaram novamente a paisagem da capital paulista.
O projeto foi lançado pela Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, no final do ano passado e, de acordo com a previsão oficial, mais de 70 muros foram pintados, entre o Terminal Bandeira e a Passarela Ciccilio Matarazzo, em frente ao Museu de Arte Contemporânea (MAC), antigo Detran. Segundo a prefeitura, o projeto reúne mais de 200 artistas na produção de 15 mil metros quadrados de murais com a arte urbana. No anúncio oficial, a prefeitura diz que “a ideia é que o projeto se torne um dos maiores corredores de grafite da América Latina, a frente dos murais da Copa do Mundo, na zona leste, até então considerado o maior.”
No entanto, o projeto vem causando polêmica nas últimas semanas. Isso porque o prefeito Fernando Haddad (PT) autorizou que também fossem realizadas intervenções artísticas nos Arcos do Jânio, sob o viaduto da Rua Jandaia, no centro da capital. Patrimônio histórico de quase cem anos, o local teve as paredes cobertas por grafites, que tiraram sua originalidade, segundo especialistas.
“Os Arcos do Jânio não são um espaço urbano simples. É uma construção protegida pelo patrimônio histórico. A intervenção simplesmente acabou com a originalidade da construção. Se ela faz parte do patrimônio histórico, tem que ser preservada na sua originalidade, caso contrário, se está afirmando que ela não tem importância. Guardadas as devidas proporções na comparação, e se autorizassem a pintura do Cristo Redentor?”, questiona Carlos Frederico Lucio, coordenador da ESPM Social e professor de antropologia.
Segundo ele, a falta de planejamento na autorização da pintura dos grafites nos muros da cidade também pode gerar uma poluição visual. “É preciso avaliar que tipo de artista combina com tal espaço, para que de fato aquela obra componha aquela paisagem. É preciso tomar cuidado para que não se torne uma medida populista ao apoiar um tipo de arte e aquilo que faz parte da história fica relegado ao segundo plano”, diz ele.
Para o professor, também parece curioso que o incentivo da prefeitura ao grafite esteja acontecendo sem ouvir as partes envolvidas, como arquitetos e urbanistas que trabalham com o patrimônio histórico e artístico de São Paulo. Frederico destaca que não necessariamente esses especialistas são contrários ao grafite, a arte urbana. O questionamento feito é que, se por um lado a prefeitura apoia essa arte, por outro lado, abandona o patrimônio histórico da cidade. “Há muitos monumentos pichados, obras quebradas, vandalizadas, principalmente no centro”.
Apesar das críticas, Frederico acredita que o grafite dá um colorido em vários pontos da cidade, mas volta a dizer que é preciso tomar cuidado para não descaracterizar o espaço público. “Na 23 de Maio, por exemplo, tem muros bastante cinzas, detonados, e o grafite dá um colorido. E em vários pontos da cidade, isso acontece. Mas o grande problema é quando se começa a provocar interferências que acabam descaracterizando o patrimônio público e o espaço público também. O papel da prefeitura tinha que ser o de gerenciar cada tipo de obra e não simplesmente sair autorizando grafiteiros”, ressalta o professor da ESPM.
Panfletários
O professor adverte que de forma alguma os grafites podem ser confundidos com comunicação, apesar de toda obra transmitir uma mensagem e ser, no fundo, panfletária também. Prova disso é a polêmica que um grafite específico vem provocando. É o caso da pintura, nos Arcos do Jânio, do suposto rosto do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, morto em 2013. Nesta semana, internautas disseram em redes sociais que a Prefeitura de São Paulo permitiu homenagear o venezuelano. O autor do desenho, Rafael Hayashi, disse à Folha que a intenção era retratar um “homem negro, mas a imagem ficou distorcida”. Mas a polêmica não parou por aí e ganhou novas proporções quando o grafite amanheceu pichado, nesta quinta-feira (12).
Vale lembrar que os Arcos do Jânio foram construídos na década de 1920 e permaneceram parcialmente encobertos por cerca de 60 anos pelos cortiços erguidos no seu entorno. Em 1980, o local foi revitalizado pelo então prefeito Jânio Quadros e os arcos voltaram a aparecer.