Grandes marcas são denunciadas por publicidade infantil abusiva

Quatro grandes marcas e um parque de diversões estão prestes a enfrentar complicações judiciais por direcionar publicidade para crianças. Segundo o Instituto Alana, organização não-governamental que reúne projetos pela garantia e condições para a vivência da plena infância, as empresas Perdigão, Duracell e Vigor, além do parque Kidzania, cometeram abusos em propagandas e ações de marketing que visam impactar diretamente o público com menos de 12 anos.

Segundo o Alana, a prática desrespeita a Resolução 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), aprovada há um ano e que ratifica o que já está escrito também no Código de Defesa do Consumidor, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na própria Constituição Federal. “Estão desenvolvendo estratégias cada vez mais complexas para colocar as crianças em contato com a marca em todos os ambientes de convivência que ela transita, tanto físicos como virtuais, com o interesse único de persuadir e seduzir a consumir um produto. Isto é injusto, antiético e ilegal”, afirma a advogada do Instituto Alana, Ekaterine Karageorgiadis.

De acordo com a advogada, o Instituto juntou evidências que comprovam a prática de publicidade abusiva por parte das marcas e já enviou os documentos ao Procon e ao Ministério Público, órgãos que têm o poder aplicar as sanções necessárias caso concorde com as acusações.

Sobre a Duracell, pesa a campanha que exibiu a animação “Pilhados”, websérie que já está na segunda temporada e ressalta a importância de usar as pilhas da marca nos brinquedos comunicando a ideia diretamente à criança. Para a ong, além de ser abusiva por direcionar a publicidade ao público infantil, a ação incentiva o contato das crianças com um produto que contém componentes químicos tóxicos e perigosos. “Apesar de pilha não ser exatamente um produto infantil, aproveitam datas como o Natal e associam os produtos a brinquedos, por exemplo”, explica Ekaterine.

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Já a Vigor é denunciada pela parceria com a Disney. A marca de alimentos patrocinou a série Star Wars Rebels, que foi exibida na televisão, e desenvolveu uma ação mercadológica em múltiplas plataformas para as crianças. Os produtos da linha Vigor Grego Kids passaram a ser vendidos junto com cartas colecionáveis das personagens da série e são como chave de entrada para um jogo que poderia ser baixado no celular ou tablet. No entendimento do Alana, a estratégia procura atrair as crianças sob a ilusão de que ao consumir os produtos é possível adquirir a ação e aventura presentes no jogo e na animação.

Além disso, segundo a advogada da instituição, a marca realizou ações de experimentação em escolas e chegou a convidar alunos para visitar as fábricas. “Uma clara tentativa de cativar crianças como consumidores”, argumenta Ekaterine.

A publicidade do produto Chicken Perdigão também faz parte da lista de denúncias. Na televisão, o produto é anunciado com personagens clássicos de Walt Disney que também estão presentes nas embalagens, com intuito de atrair as crianças. Outro agravante, de acordo com a organização, é que a mensagem tenta convencer de que o consumo do produto é benéfico para sua saúde enquanto as informações no próprio produto revelam que três unidades de frango possuem quase 500mg de sódio, o que representa um quarto do consumo diário recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

No material enviado ao Procon e ao MP, também está notificado o parque Kidzania, instalado em São Paulo, por expor as crianças de maneira sistemática a inúmeras marcas – a atração simula uma cidade em miniatura onde crianças podem desempenhar profissões e serem pagas pelo trabalho, podendo utilizar o dinheiro para consumir outras atividades. Atualmente o parque abriga cerca de 50 atrações que, em sua maioria, contam com o patrocínio de marcas que estão presentes durante as atividades desenvolvidas pelas crianças.

Segundo Ekaterine, mesmo produtos que têm as crianças como público-alvo precisam direcionar a comunicação para as pessoas que cuidam delas. “É uma forma de resguardar quem ainda não tem condições de se proteger do consumismo. Elas (crianças) precisam do suporte de um adulto nesse processo de saber o que realmente querem comprar”, diz.

Consumismo

A advogada do Instituto Alana reforça a mensagem de que é preciso obrigar as empresas a respeitarem a legislação que protege as crianças contra um consumismo que gera problemas na vida dos menores e inclusive para a sociedade de forma mais ampla. “É importante pensar e chamar a atenção dos pais para os malefícios, que envolvem desde obesidade infantil a endividamento das famílias. Existe uma preocupação social com o tema”.

“O interesse da empresa não pode prevalecer em detrimento dos interesses e direitos das crianças. Infelizmente as marcas não percebem que há uma demanda da sociedade para que essas estratégias mercadológicas mudem e respeitem as leis. Não se trata do fim da publicidade, mas a mudança do seu direcionamento para os adultos e não mais para as crianças”, conclui Ekaterine.

Denunciadas

Por meio de comunicado, a Perdigão afirma que “a campanha Mini Chicken atende todos os preceitos” que abordam a publicidade infantil no Brasil e que os comerciais foram transmitidos em canais infantis com audiência formada – majoritariamente – por telespectadores maiores de 12 anos, conforme relatório emitido pelo canal.

Na mesma linha, a Duracell diz que “os produtos da marca, bem como suas campanhas, são desenvolvidos para adultos, os responsáveis pelas decisões de compra e pelo próprio manuseio do produto. A marca ainda menciona que “não patrocina canais ou programas voltados ao público infantil e ressalta que o coelho Bunny é o símbolo oficial e mundial da marca há cerca de 50 anos e que todas suas campanhas respeitam a legislação vigente.”

Outros casos

As marcas citadas no relatório atual do Instituto Alana não são as únicas. No ano passado, a Pespsico do Brasil foi autuada pelo Procon e multada em R$ 1.413.986,67 por veicular a campanha “Invasão Angry Birds”, em que ao comprar salgadinhos, achocolatados e bolachas da empresa os consumidores poderiam trocar por bonecos de pelúcia. Já a Nestlé precisa pagar R$ 4.610.986,67 por fazer merchandising do produto Chamyto 1+1 durante a novela infantil Carrossel. As duas marcas foram condenadas em primeira instância.