Hans Damann se foi, mas deixou texto inédito

Nada mais atual do que a necessidade de nós publicitários nos reinventarmos. Dar um refresh nas ideias, explorar novos formatos e conceitos, quebrar paradigmas e repensar o próprio negócio e nossa atividade dentro dele.

O Hans Damann representou tudo isso como publicitário. E quem teve a felicidade de conhecê-lo ou trabalhar com ele, sabe disso. O que poucos sabem é que, além de um ótimo redator, excelente diretor de criação e empresário e sócio de diversas agências, o Hans foi também um ótimo executivo de novos negócios. Trabalhamos juntos por mais de 10 anos, primeiro na Grey e depois na minha ex-agência Z+, onde além de atuar como consultor na direção de criação, trouxe-nos importantes contas como Habibs, Bayer Cropscience, Shopping Paulista, entre outras.

Em 4 de novembro faz um ano que o Hans faleceu. E como uma justa e ao mesmo tempo singela homenagem, gostaria de compartilhar um texto inédito dele, escrito da forma como só ele sabia fazer, sobre a atividade que ocupou grande parte do seu tempo nos últimos anos de vida.                          

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Prospecção: o patinho feio da propaganda?, por Hans Damann

Um dia você vai trabalhar em propaganda, muito provavelmente numa agência. Se você tiver a sorte de cair na criação, parabéns: sempre haverá um holofote para iluminar a sua autoestima. Essa é uma das vantagens de se trabalhar na área criativa. É lá que nascem as grandes ideias, é lá que acontece a badalação, é lá que os egos batem no teto (isso quando não explodem antes).

Por outro lado, também é na criação que se engole mais pizza: criação não tem hora para chegar na agência, não tem hora para sair, mas sempre tem uma hora certinha para entregar o trabalho. Pode reparar: quanto mais estrela o cara fica, mais gordinho, também, ele vai ficando. É o “efeito pizza”. É como uma maldição:

 você vai ficar famoso, vai ganhar uma boa grana, vai ganhar muitas menininhas…mas corre o risco de virar um faustinho silva antes de emplacar os 35.

Talvez você termine na mídia. É bom também. Dá o direito de deixar os caras de veículo no maior chá de cadeira. Enquanto você fica ao telefone com os figurões da Globo, a turma da imprensa nanica que se ajeite no sofá. Nessa função você vai mexer com muita grana, e o truque é não contar que ela pertence ao cliente. E agir como se os milhões que vão para a televisão são todos seus. Já imaginou o seu cartaz, chegar na namorada e mandar: “só hoje, Lili, autorizei 3 comerciais para a novela das 8 e mais 2 no Jornal Nacional. Quase 2 paus.”

No atendimento, precisa tomar cuidado. Se na hora de ser contratado pedirem para você esticar os braços, é porque querem ter uma idéia de quantos layouts cabem embaixo deles. E você corre o risco de virar um leva-e-traz. Vai cansar de carregar anúncio, vai cansar da propaganda, vai cansar da vida. Sem contar uma coisa ainda pior: numa agência em que trabalhei, fizeram a maldade de fajutar um mata-burro entre criação e atendimento. Veja que sacanagem: dum lado era para os gênios, do outro ficavam os jumentos. Maldade é pouco.

 Um lugar legal para ficar é na área digital. Deixe crescer uma barba de 2 dias, evite lavar o cabelo e use um tênis pedindo água (diz-se dos calçados onde a sola descolou e eles parecem estar de boca aberta). Sobretudo, adote o digitalês como idioma oficial do departamento. Se vier um cara do planejamento com perguntas, seja solícito: “Ô,meu, só tem 40 pixels. Vamos dar um drop-out que fica bom.” Se vier o presidente da agência, explique tudo direitinho: “Seo Sergio, são 400 hits no target. A gente dá um shut down com cross mídia, mais um enhance no set-up, não tem pra ninguém.” Se vier o financeiro, finja um desmaio. O filho da mãe vem do Ibemec.

Falando sério. Por que será que tão pouca gente faz prospecção? Conta nova é o oxigênio da agência. É a maneira mais indicada para uma agência crescer. É um seguro contra conta-que-de-repente-sai-da-agência-ninguém-sabe-porquê.

Resolvi chutar o balde. Depois de ter sido redator de várias agências, diretor de criação de quatro, sócio de outras três – abri meu home-office (estava na hora) e me dedico a fazer prospecção (qualificada) e consultorias. E capricho: quero encontrar a agência mais adequada para cada cliente. Procuro fazer o encontro entre clientes que tem potencial com agências que sabem desenvolver negócios.

Casar a fome com a vontade. Sabe da maior? A coisa começa dar certo. Xô, patinho feio.

*Hans Dammann faleceu em 4 de novembro de 2016 e esta é uma homenagem a um grande cara da propaganda

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Miguel Villalobos é sócio da Pragma Comunicação