'Heroico': o primeiro ano da Galeria, sob a óptica do CSO Pedro Cruz

Sócio-fundador, o executivo conta que a agência quadruplicou o número de marcas atendidas e dobrou o quadro de funcionários

Criar uma cultura nova de agência e transformar a propaganda são as principais pautas de Pedro Cruz, chief strategy officer e quarto sócio-fundador da Galeria. Ex-FCB, Cruz estava afastado da publicidade quando se uniu aos executivos Eduardo Simon, Rafael Urenha e Paulo Ilha, que, em setembro de 2021, deixaram oficialmente a DPZ&T para iniciar a Galeria, levando com eles as contas do Itaú,  McDonald’s e Natura.

Um ano depois, a agência quadruplicou o número de marcas atendidas e praticamente dobrou o quadro de colaboradores, que passou de 180 para 350. “Foi um ano fenomenal”, destaca ele. Nesta entrevista, Cruz faz um balanço da operação e fala sobre como o uso do tempo se tornou o cerne do negócio. “O compromisso de mudança para mim nesse projeto é uma coisa de vida ou morte”.

Qual o balanço que você faz desse um ano de operação da Galeria?
Eu acho que a gente teve um primeiro ano que foi praticamente heroico. E eu gostaria de destacar que sou o único dos sócios-fundadores que não pertencia à estrutura da DPZ&T anteriormente, me juntei a eles depois de ter me afastado da propaganda (estava há cerca de dois anos se dedicando a uma galeria de arte). Então, eu acho que isso marca algumas coisas na minha cabeça que talvez não marque tanto na cabeça do Edu (Eduardo Simon), Rafa (Rafael Urenha) e Paulinho (Paulo Ilha). Enfim, foi um ano fenomenal, apesar de a estrutura de sócios da agência ser positivamente agressiva porque a gente quer conseguir grandes coisas. O primeiro paralelo é com o que se estabeleceu como ruptura para fazer diferente. E essa não é uma pauta fácil, porque ela não é uma pauta só para mostrar a quantidade de clientes que conquistamos e como dobramos o tamanho da agência. Ela não é só uma pauta quantitativa, ela é qualitativa. Temos um grupo fundador que está muito preocupado com o futuro da publicidade, com o futuro do negócio, que vem sofrendo transformações muito radicais. É uma diferença estrutural para a construção de uma cultura nova.

E como vocês estão construindo essa nova cultura?
A gente está construindo a cultura nova em várias frentes, porque não dá para ser diferente. Ela, obviamente, tem uma frente de negócio; de tecnologia; de inteligência de dados, mas precisa ter também uma frente de inteligência humana. Nós somos um negócio de capital humano e não podemos esquecer isso nunca. Quando a Galeria se arquiteta dessa forma e desde o lançamento já incorporou novos sócios (com participações menores), é uma verdade que está sendo vivida no dia a dia. É um primeiro sinal de que não é uma cultura de butique, só para o outro ver. A cultura que dá certo, na minha opinião, abraça quem faz parte dela e expele quem não faz. Hoje o maior desafio no nosso negócio é a gestão do tempo.

Por que a gestão do tempo é o maior desafio hoje?
Eu reputo esse tema como central do nosso negócio, porque é um assunto que é verdade não só para a gente, mas é uma verdade atroz e fundamental para os nossos clientes também. Todo mundo dentro da rede desse mercado vive o mesmo drama. O uso do tempo tem a ver, no fim das contas, com a estrutura operacional que nós criamos e nutrimos ao longo do tempo e a competência que tivemos ou não para equalizar e produzir um trabalho criativo arrojado. E óbvio, o mercado não está todo no mesmo lugar. E a gente quer estar no melhor lugar possível. No nosso projeto, essa história do uso do tempo tem a ver com as minúcias do trabalho, porque temos certeza absoluta de que tem muita coisa que a gente faz que não deveria estar fazendo.

Existe uma metodologia por trás dessa ideia ou é algo intuitivo?
É uma mistura das duas coisas. E eu acho que tem de ser assim. Nós temos um diretor de operações que faz um mapeamento minucioso de como as coisas acontecem aqui dentro para a agência entender quais são os nós da operação e agir para desconstruir esses nós. Esse talvez seja o grande desafio no nosso segundo ano de operação, que é reorganizar essa parte da nossa cultura que é do uso do tempo. Como é que a gente quer usar o tempo e não como a gente usa o nosso tempo em decorrência da inércia de um mercado que já deveria ter se reinventado completamente há mais de uma década. Eu fico sempre com a sensação de que a gente está atrasado, de que deveríamos estar à frente de onde estamos. Na Galeria, a gente busca coragem e não conforto. O primeiro chart de apresentação da agência diz exatamente o seguinte: “Nós nascemos do desconforto”.

Como a Galeria conseguiu praticamente dobrar de tamanho e conquistar vários clientes em um ano?
Não tem fórmula, mas o que me impressiona muito nessa operação é o nível de transparência, não só entre os sócios, mas com os funcionários e os clientes. Para mim, isso tem um nível de novidade muito fora da curva. Essa questão da transparência e do livre acesso que nós, sócios, temos, numa medida crescente, aos clientes, revela muito sobre o crescimento da agência. E a gente cresce não apenas em número de contas novas, mas também em novos negócios dentro dos clientes. Existe uma outra coisa que é a gente se prepara para fazer diferença. A coragem de correr riscos para assumir novos negócios é algo muito presente no DNA da Galeria. Hoje, fruto de concorrência, temos 100% do OOH do Itaú e de Vivo. Isso exige uma inteligência de dados, criativa e estratégica, e uma estrutura dedicada e um entendimento completamente à parte, específico que, no entanto, conversa com todo o resto. É um grande desafio do ponto de vista organizacional e de fluxo de trabalho. A criação para o out of home evoluiu e tem hoje em dia uma plataforma de realizações muito mais instigante do que antes. Não é mais um painel só estático, tem movimento que desafia as pessoas que estão nas ruas. E a gente vive um momento que estar nas ruas é maravilhoso.

O que é fazer diferente para você?
Uma das primeiras coisas que a gente está tentando fazer, e vou voltar no assunto do uso do tempo, é quebrar os paradigmas de como a gente usa o tempo. O Edu me disse, logo no começo, que não acreditava muito mais em como a área de estratégia interage dentro da agência e no que ela produz para os nossos clientes e me perguntou se era possível rever isso. A ideia é não fazer mais do mesmo e fazer diferente. O primeiro cerne é o olhar de negócios. O cerne do pensamento estratégico que a gente está construindo na Galeria tem a ver com ser relevante para os negócios dos nossos clientes. Não tem a ver com ser relevante na hora da apresentação ou vamos fazer uma rampa para a criação vender algo que a  gente queira. Ela tem a ver com uma relevância construída solidamente com o cliente antes dessas coisas todas.

O que é necessário para realizar as transformações necessárias?
A gente não acredita que consegue construir nada que seja transformador nesse mercado se não tiver uma base de confiança. Eu acho difícil que as transformações reais venham só na base do “tive uma ideia bacana e vamos aí”. Quando você tem uma base de confiança, isso abre uma avenida de trabalho contínuo que te leva para discussões mais profundas com outras áreas, e você passa a ter um entendimento mais profundo do negócio, porque não é só o entendimento de quem te pediu para fazer aquele projeto. Isso tem a ver com a mudança do uso do tempo. Eu quero fazer menos coisas, que ainda não sei quais e nem quero debochar de nada que já tenho feito, porque todas podem ser bacanas, só que a gente tem de escolher. Para se transformar, eu vou ter de não fazer alguma coisa para fazer outras. E criar uma cultura de pessoas interessadas nisso é muito difícil, mas a gente acredita que é possível, porque eu não consigo fazer isso sozinho. Preciso de uma equipe que acredite que entrar num cliente e chegar até os vice-presidentes para ter conversas sobre um projeto que a gente teria de fazer em 40 dias, mas que demorou quatro meses e, no entanto, vai valer muito a pena e faz toda a diferença do mundo. Isso inaugura uma dinâmica de interesse pelo negócio do cliente completamente diferente.

O que você quer dizer é que os projetos de comunicação precisam ser mais profundos?
Eles têm de ser mais profundos e também de natureza multidisciplinar, porque quando você tenta resolver só um pedaço do negócio, ele fatalmente vai dar problema depois.

A área de estratégia conversa com toda a agência?
A nossa tentativa é essa. A gente quer ser uma área mais profunda e relevante porque conhece tanto do cliente quanto ele. Uma parceria dessa é valorizada de forma muito diferente. A gente acaba tendo acesso a dados sensíveis. Em alguns clientes já conseguimos romper essa barreira. O drama não é o acesso aos números, mas acesso às ‘cabeças’ que trabalham com esses dados.

Então é um desafio ter acesso aos executivos C-Level dos clientes?
Com certeza. As agências vivem um drama histórico de perda de relevância. De 30 anos para cá, o marketing se profissionalizou, está mais técnico e com muito mais acesso à informação num mercado muito mais complexo e a gente precisa conversar com eles. Se a gente não usar o nosso tempo para destruir as desinformações que se constroem naturalmente no dia a dia, não vamos conseguir os melhores resultados, inclusive criativamente.

E o que a área de estratégia tem a ver com tudo isso?
Estratégia tem a ver, em primeiro lugar, com ampliar e aprofundar a qualidade das conversas e da informação que trabalhamos para alcançarmos qualidade. A
ideia é ter uma relação com a criação e as outras áreas da agência que não seja parcial hierarquicamente. Como otimizar o que a gente produz em menos tempo, sem tantas refações, tornando nosso negócio mais eficiente porque usamos bem o tempo.  É muito menos sobre qual o insight que o planejamento vai passar para criação e sim sobre uma troca madura e profunda de informações. A disposição dos sócios de fazer junto, de fazer diferente, está mudando o cenário. Temos uma série de programações para rever o que a gente combinou, entender o que não quer mais e o que ainda queremos mudar e até quando. Estamos tentando fazer um negócio para que a gente não passe o resto da vida contando a mesma história.

Você acredita que o segundo ano da Galeria vai ser mais desafiador do que o primeiro?
Acho que vai trazer desafios novos. O primeiro ano é desafiador pelas incertezas que acompanham o início da operação. E a Galeria já nasceu grande, com três clientes absolutamente significativos e importantes no mercado. Para mim, especialmente, que não vim da outra operação, foi muito difícil. O segundo ano trará desafios mais qualitativos do que quanti, no sentido de que agora com as coisas mais estabelecidas vamos apertar os parafusos mais fundo em relação a tudo que a gente quer construir do ponto de vista de cultura. Para mim, só fazia sentido voltar à propaganda se fosse algo realmente transformador. O compromisso de mudança nesse projeto é uma coisa de vida ou morte.