Histórias de Cannes: André Torretta

 

A necessidade dos fantasmas

Eu gostaria de ter ganhado todos os Leões fantasmas que o Brasil conquistou nos últimos 25 anos. E não digo isso por ironia, descaso ou qualquer outra coisa. Mas sim pela importância que eles tiveram e porque nunca foram reconhecidos. Sim, reconhecidos, e pelas mais distintas razões. Enumero aqui algumas delas.

 

Os fantasmas eram necessários. A nossa indústria era muito pequena, sem muito dinheiro, sem muitos clientes ousados ou com possibilidade de ousar. Enfim, o talento era maior do que o nosso mercado. A criatividade era tanta que tinha que transbordar para algum lado do prato. A vontade de fazer e a falta de possibilidade não podiam conviver.

Sim, os fantasmas eram necessários para mostrar ao mundo o verdadeiro potencial da comunicação e do marketing brasileiro. Tínhamos os Leões de verdade. Muito importantes. Não tínhamos um, nem dois, mas dezenas e dezenas de Leões verdadeiros. Mas não podemos negar que os fantasmas nos ajudaram a ficar mais bem colocados no ranking dos países mais criativos do mundo. Tivemos, com os fantasmas, a possibilidade de mostrar ao mundo o modelo brasileiro de fazer propaganda. Criamos reputação, criamos respeito, criamos história.

Os fantasmas eram necessários porque a maioria das decisões de marketing e comunicação era feita lá fora. E um monte de comerciais, anúncios e tudo mais eram importados, e ainda são. Ou seja, na maioria das vezes era necessário fazer/criar um fantasma. Os fantasmas eram necessários porque todos eles pairavam pelos festivais mostrando não apenas a criatividade na própria peça, mas construindo o branding de todos os profissionais da comunicação brasileira.

Os fantasmas e seus criativos foram os Quixotes da propaganda brasileira. Subiam ao palco e, com orgulho e sem qualquer vergonha, enfrentavam os moinhos e ganhavam o seu fantasma. Que inclusive deixava de ser fantasma naquele momento, pois, ao se ganhar um prêmio, ele passa a existir. Carreiras foram construídas e pastas foram feitas com peças fantasmas. Eu mesmo fiz várias. Porque não interessa se ele é fantasma ou não, importa é se tem alma e é criativo.

Os fantasmas foram necessários porque eles nos proporcionaram diversos Dry Martinis na Croisette e no Hotel Martinez.

Mas sei que hoje tudo mudou. Estamos em um novo mundo, em uma nova era. Sei que hoje a indústria de comunicação no Brasil é outra. Maior, melhor, mais forte, mais reconhecida. Nesse mundo de hoje, os fantasmas talvez não sejam mais necessários. Afinal, hoje a nossa indústria tem estatura e competência para viver com os seus fantasmas. Hoje, o que vale são os Leões reais, os problemas reais, as soluções reais, o dia a dia, o resultado, a estratégia, a mensuração, o ROI.

Com certeza, o mundo dos fantasmas era bem mais romântico que o mundo de hoje. Era mais romântico e mais simples. Tinha TV, Rádio e Impresso. E apenas isso. Agora é tudo multifacetado, multiconectado, e tem que ser realizado.

Temos que matar os fantasmas e conviver com a realidade. É esse o leão que temos que matar todos os dias. Mas não podemos esquecer dos nossos fantasmas.

*sócio-diretor da consultoria A Ponte Estratégia