Histórias de Cannes: Beia Carvalho

1997: Ano do Búfalo no horóscopo chinês. Você se lembra o que rolou?

Ano começa com a assinatura do Tratado de Ottawa, uma vitória de Lady Di na luta para banir minas terrestres. Dois meses após o Festival, ela morre, em Paris. Um mês antes, Gianni Versace é assassinado, em Miami.

Tony Blair é o primeiro-ministro britânico.

Guilherme de Pádua é condenado a 19 anos por assassinar Daniella Perez.

Hong Kong é devolvida à China.

Protocolo de Kyoto é assinado por 150 países.

Microsoft é a empresa mais valiosa do mundo com US$ 261 bilhões.

Madre Teresa morre em Calcutá.

Rio é eliminado pelo Comitê Olímpico para sediar os Jogos Olímpicos 2004.

Crise asiática causa um minicrash das Bolsas e encerra o boom dos anos 90.

Mike Tyson morde a orelha de Evander Holyfield.

Steve Jobs volta para a Apple.

Carlos, o Chacal, é pego e pega prisão perpétua.

Gripe Aviária faz primeira vítima e 1 milhão de aves são exterminadas, Hong Kong.

Dolly é o primeiro mamífero clonado.

Pathfinder “aterrissa” em Marte.

Publicado o primeiro livro Harry Potter.

Guga conquista o primeiro título de Roland Garros.

É o ano de Titanic, Jurassic Park, Men in Black e Tomorrow Never Dies.

FHC, Chirac, Mandela, Clinton e Boris Yeltsin são os líderes do mundo.

Beia Carvalho chega pela primeira vez no Festival de Cannes.

O Festival de Cinema havia acabado de terminar, celebrando seus 50 anos, e a cidade ainda estava decorada com todo tipo de souvenir. Única vez na vida que vi souvenir chic. Ainda tenho uma lata de filmes retrofit.

Cheguei a Nice me dando bem. Tinha comigo moedas de francos (se liga, que ainda não era euro) e consegui destravar o carrinho de bagagens do aeroporto, aos olhos invejosos de um desconhecido brasileiro. Troquei outra moeda por uma carona até Cannes, num sport conversível. É o efeito Cannes, na hora de alugar carros. Me hospedei no lendário Carlton, com sua fachada Belle Époque, de frente pro Mediterrâneo, com suas prainhas feias e cheias de pedra, mas que logo você releva, e troca pela delícia que é caminhar naquelas calçadas.

Como estava com amigos habitués, me levaram pra passear pelos arredores de Cannes. Juan-les-Pins, no conversível do diretor Rodrigo Lewkowicz, então com 25 anos. Fundação Maeght e almoço no La Colombe D’Or, em St. Paul de Vence, pelas mãos de habitués de outra geração, Larry Dobrow e sua inseparável Carol. Pôr-do-sol no Grand-Hotel Du Cap-Ferrat, enquanto tomávamos champanhe nacional e Larry me desfiava todos detalhes cool da famosa festa de Nizan, anos antes. Também compartilhei outro champanhe na piscina do Majestic com Lew, que na época era só Lew’Lara. Carlos Rocca, Roberto Cipolla e Cibar Ruiz, meu sócio à época, me levaram para comer um incrível spaghetti alle vongole, no La Mére Besson. Ma-ra!

Anos mais tarde, para comemorar meus 50 anos, refiz todos esses passeios com meus filhos. O spaghetti alle vongole já não era o mesmo. E dá-lhe filme! Novato é assim: vê tudo! Os “velhões” chegam no início da semana, mas só dão as caras depois do shortlist. Pelo menos, foi assim, naqueles idos de 1997.

E não tem como não esbarrar no Marcello Queiroz, sempre a milhão! E ele me pediu um artigo, “o que você achou de Cannes”, que escrevi e foi publicado, mas já revirei o armário e não o acho. Tinha alguma graça, porque inverti o título e ficou “O que Cannes achou da Béia”. Modéstia, sempre. Naquela época, ainda não tinha havido a atualização da língua portuguesa e meu nome ainda tinha acento.

E finalmente chegou o dia de ir à primeira festa. Lá no Museu do Automóvel. E você tinha que confirmar seu lugar num ônibus. Achei aquilo “uó”! Sozinha, decidindo por minha própria cabecinha, olhei o endereço, achei a rua no mapa e vi que era muito pertinho. Me arrumei e decidi ir a pé. Tudo errado!

O Museu ficava a alguns quilômetros dali (o nome da rua pertinho era apenas uma coincidência). Perdi o ônibus. Tive que pegar e pagar um táxi sozinha. E fiz minha grande rentrée, pelo parque do Museu, ao lado de uma íngreme estrada, pelo o que me recordo. Estava, na minha concepção, a-rra-saaan-do! E realmente estava, porque todo mundo me olhava e dava uma risadinha e fazia um comentariozinho.

Assim que encontrei o primeiro amigo, ele sorriu e me disse: “Ah, só você pra fazer isso!”. “Isso o quê?” “Vir vestida de oncinha ‘para tirar uma’ das Oncinhas”. Nunca tinha ouvido falar das tais Oncinhas. Pra quem não sabe, mãe e filha – a mãe, Pascaline, na faixa dos 80 hoje, que o tempo levou a juventude, mas não a postura, e Esmeralda – que estão presentes há décadas em todos os festivais de Cannes. Elas se autodenominam Femme Panther. Mas como elas mesmas dizem num vídeo super bem-humorado, são chamadas de tudo um pouco: prostitutas, traficantes, sadomasoquistas, espiãs e a minha predileta: agentes do FBI! É só gugar e quem nunca viu vai entender o que estou falando.

Ah, a moral da história é: na sua primeira vez, grude nos habitués!

*presidente da consultoria 5 YearsFromNow