Histórias de Cannes: Juan Carlos Ortiz

 

 

A bandeira de ouro

A memória é a melhor amiga do primeiro. Talvez porque o primeiro sempre passa à história. Nisso consiste sua mágica. Como esquecer o primeiro amor, o primeiro beijo, o primeiro trabalho, a primeira vez? É o espírito do pioneiro, do que abre a porta, do que transforma sonhos em realidades.

Há alguns anos, um comercial de televisão que eu tinha criado ficou no shortlist do Festival de Cannes. Seu nome: “Caspa”. Foi feito para a campanha antidrogas da Presidência da República da Colômbia. Mostrava um homem com aspecto cadavérico, de pé, dentro de um ônibus, bem atrás de uma pessoa cheia de caspa nos ombros. O homem, muito inquieto, aspira de repente a caspa dos ombros como se fosse cocaína. A cocaína é viciante, muito viciante. Para mim, era uma grande honra saber que era finalista. Além disso, lá estava eu, em Cannes, ao vivo, caminhando pelo Palais, cercado pelas grandes figuras mundiais desta indústria.

Um dia antes da premiação, um membro do júri me ligou e contou que o comercial havia ganhado um prêmio. Dentro de minhas expectativas terceiro-mundistas perguntei-lhe, com humildade, se era um bronze. A resposta foi negativa. Então, muito feliz, supus que era uma prata. Outra vez a resposta foi negativa. Incrível! Eu havia ganhado um ouro! Não podia acreditar. Nunca, na história da publicidade colombiana, havíamos ganhado um Leão de ouro! Pela primeira vez na história, um colombiano subiria ao palco do auditório em Cannes para receber o tão sonhado e disputado Leão.

Muito emocionado, fui imediatamente para a rua com dois objetivos bem claros: uma roupa para a cerimônia do dia seguinte (pois, como dizia minha avó, não estava preparado para a ocasião), e uma bandeira da Colômbia, para ser testemunha eterna do que seria aquele momento.

O problema da roupa resolveu-se rapidamente. Quando estava provando um terno na loja, apareceu meu chefe, o presidente mundial de criação da empresa. Abraçou-me e disse: “Amanhã você vai representar a todos nós e a seu país. O terno é por minha conta”.

Que alegria! A terno novo e dado não se olha os dentes.

E agora, a bandeira. Tarefa difícil, porque em Cannes, por mais patriota que eu fosse, não existiam bandeiras da Colômbia. Entrei em um ateliê de alta costura e contei a história à mulher que me atendeu. A senhora teve pena de mim e sentiu-se enternecida com minha narrativa: Leão de ouro, Colômbia, bandeira. Conclusão: a mulher, cordialmente, me deu de presente três pedaços de tecido: um amarelo, um vermelho e um azul. Além disso, costurou-os uns aos outros. Assim, foi criada a mais bela bandeira da Colômbia que poderia existir sobre a terra em Cannes.

Chegou a noite da grande premiação, com milhares de pessoas, meios de comunicação e transmissão ao vivo. Aproximei-me, bem-vestido e de banho tomado, da porta, com minha bandeira dobrada debaixo do braço. O encarregado da segurança me parou, leu meu nome e disse que eu não poderia entrar por ali. Tinha de passar pelo tapete vermelho.

Tapete vermelho? O que eu queria era entrar. Desci rapidamente e entrei pisando no tapete, cercado de estrelas. Era como um roteiro surrealista.

Começou a cerimônia. O Palais des Festivals estava lotado. O apresentador da BBC, como nos filmes, abriu o envelope e leu, um pouco constrangido: e o vencedor é Co…, Col…, Colômbia.

Apresentaram o comercial e ouviram-se aplausos frenéticos. Subi ao palco, recebi o Leão de Ouro e, de repente, diante de todo o público, puxei minha bandeira da Colômbia e a abri.

O público se pôs de pé e não parava de aplaudir. E eu, não parava de me emocionar. Um momento inesquecível. Aprendi muito.

Minha vida profissional dividiu-se em duas: antes e depois do ouro em Cannes. Naquele dia, entre aplausos, entendi que as pessoas aplaudiam a Colômbia. Compreendi que não importa o que a gente faça na vida – publicidade, ciência, música, engenharia, empanadas ou conserto de sapatos –, existe uma responsabilidade para com nosso país.

Há vários anos, vivo e trabalho nos Estados Unidos. Porém, hoje me sinto mais colombiano do que nunca e, sobretudo, orgulhoso de sê-lo e de ter contribuído com algo para a história da publicidade no país: seu primeiro Leão de ouro.

*presidente da DDB Latina