As três vezes que eu me recusei a ir a Cannes

A minha primeira agência foi a Julio Ribeiro – Mihanovich, na qual eu e meu sócio, Armando Mihanovich, fazíamos tudo: mídia, criação, atendimento e filmes. Nosso principal cliente era a Swift, uma companhia de carnes que fabricava salsichas, mortadela e tudo que se pode fazer com carne.

Um dia, recebi um telefonema excitado do diretor de criação de uma outra agência dizendo que nós havíamos ganhado um Leão de prata em Cannes e que eu e meu sócio deveríamos viajar para recebê-lo.  Foi o primeiro ano em que o Brasil ganhou um prêmio em Cannes, em 1971.

Eu tinha efetivamente sido coautor do filme feito pelo Olivier Perroi e estrelado pelo Raul Cortez. Mostrava um nobre, entediado, triste, que um dia, passeando pelo castelo, ouve risadas na cozinha e descobre que as risadas provinham de um grupo de empregados tomando vinho e comendo mortadela Swift.

Até hoje, eu não sei quem mandou o filme para Cannes. Na época, eu estava tão cheio de serviço que não cogitei viajar para receber o prêmio. Ele foi entregue na agência, e eu não pensei mais nele.

A segunda vez que eu me recusei a ir a Cannes teve por base um convite para ser jurado no festival.  A esta altura, eu já tinha fundado a Talent. Não fui porque achei injusto que eu, um empresário, fosse ocupar o lugar de um criador, dos muitos que havia no Brasil. Recomendei à pessoa que me convidou me substituir pelo diretor de criação da agência. Ele não topou, e eu nem sei por quem fui substituído.

A terceira vez foi quando nós ganhamos no ano passado, entre outros prêmios, o Leão de ouro e o Grand Prix de Criação de Rádio. Foi o primeiro Grand Prix do segmento rádio que o Brasil ganhou em sua história. Meu primeiro pensamento foi pegar no dia seguinte um avião e ir cumprimentar a equipe, que ainda estava em Cannes, porque é muito raro o Brasil ganhar um Grand Prix. Aí eu pensei: “Por duas vezes, o pessoal do festival me convidou e eu não fui. Desta vez, eu vou”. Mas não deu: o festival acabou.

Agora, fiquei frustrado. Se o festival é uma festa tão interessante para tantos publicitários, não tem cabimento eu nunca ter ido a Cannes. Como eu não guardo frustrações, é provável que no próximo ano eu compre uma passagem e me junte ao pessoal para receber algum prêmio. Sei lá. Depende em primeiro lugar de a gente ganhar algum prêmio. Vai saber…

*Julio Ribeiro é sócio e presidente da Talent