Histórias de Cannes: Leonardo Macias
Cali – Cannes com escalas
O que me fez mudar de cidade, de país, de vida, de tudo, e vir para o Brasil, foi o Festival de Cannes. Nasci na Colômbia e até eu me mudar para o Brasil, o meu país nunca tinha ganhado um único Leão em Cannes. Naquela época eu já acompanhava o mercado brasileiro e o festival de Cannes, tinha um chefe que era brasileiro e eu dava uma olhadinha nas informações que ele conseguia.
Já naquela época via que o Brasil ganhava todo ano vários Leões em Cannes e um dia pensei comigo: é pra lá que eu quero ir um dia! Quero ganhar um Leão e voltar com um Leão. Mal sabia eu que pouco tempo depois seria convidado por aquele chefe para vir morar no Brasil, e que a procura por aquele Leão me faria encontrar muitas outras coisas e ficar para sempre aqui.
Nesses 18 anos de Brasil tive a oportunidade de ir várias vezes para Cannes acompanhar o festival, e cada ano sempre tem alguma emoção diferente acontecendo, seja um shortlist teu na parede, um Leão que sorriu esse ano pra gente, poder trocar ideia com pessoas que normalmente a gente no dia a dia não consegue ver ou ter acesso, rever alguns amigos. Leões durante todos esses anos foram vários, mas o difícil foi sair o primeiro.
Uma coisa curiosa desse primeiro Leão é que saiu de uma olhada minha no espelho, fui colocar uma camiseta velha daquelas de Hard Rock Café que estava guardada há alguns anos numa gaveta (sim, muitos anos atrás as pessoas achavam bacana essas camisetas, você também já teve uma) e quando vesti, percebi que a estampa, que originalmente era redonda, ficou ovalada, de tão esticada que ficou quando a vesti. Desse olhar no espelho saiu uma campanha de Wickbold Light que ganhou prata no festival.
Outro Leão que também lembro com muito carinho foi um daqueles anúncios com presepada para fio dental Cepacol, um anúncio que, para a minha sorte, foi o único ouro desse ano para o Brasil em Press. Lembro que o Chester me disse naquele ano: “Leo, peça para alguém filmar vocês (eu e Renata Florio) recebendo o Leão. Naqueles dias que a gente acorda se sentindo um merda, assista, você vai economizar um dinheirão com terapia (rsrsrsrsrs, funciona mesmo).
Porém, uma das melhores coisas que me aconteceu com o festival foi o ano em que fui convidado para ser jurado de Press, 2009. Imagine a felicidade de um colombiano que vem tentar ganhar um Leão e termina sendo júri do festival na categoria historicamente mais importante para o Brasil, foi muita alegria!
Graças à oportunidade de ser jurado esse ano, conversei com algumas pessoas que sempre admirei e admiro até hoje, com a intenção de conhecer o trabalho que o Brasil estava inscrevendo naquele ano na minha categoria, afinal, representar o Brasil em Cannes, é uma responsabilidade das grandes, e precisava estar preparado.
Nessa história de tentar fazer um bom trabalho como jurado, pensei comigo, preciso fazer com que o David Lubars, presidente do júri na reunião de abertura com os jurados de Press, já me conheça e me chame pelo nome. Na minha cabeça, se isso acontecer, os outros jurados vão pensar, “esse cara deve ser foda! É amigo do Lubars”, e, com isso, teria uma voz mais ativa dentro do júri.
Liguei para ele e inventei que estaria em NY a trabalho no dia seguinte e que gostaria de aproveitar a oportunidade para conhecê-lo. Para minha surpresa, ele podia me receber. Desliguei o telefone e comprei uma passagem para o mesmo dia. No dia seguinte, o Lubars me recebeu, me atendeu incrivelmente bem, passei praticamente a tarde inteira com ele conversando e alguns dias depois, em Cannes, na abertura com os jurados de Press, escuto uma pessoa falar, “Leo, man!! How are you?”.
Tinha dado certo.
Coisas incríveis aconteceram nesse ano no Festival. Passei quatro dias olhando o que o mundo tinha produzido de melhor (amolando o olho), vi trabalhos incríveis do Brasil serem reconhecidos no palco, tive a oportunidade de ver a Colômbia ganhar o seu primeiro Leão de Press, e nesse júri conheci pessoas que só via em fotinha de júri de anuário gringo e hoje são ainda amigos.
Depois de 18 anos aqui no Brasil, posso dizer que ter vindo procurar aquele Leão foi a melhor coisa que poderia ter acontecido comigo. Encontrei a mulher da minha vida, tenho uma família maravilhosa, trabalhei com pessoas inteligentíssimas, conheci pessoas incríveis, fiz amigos para toda a vida.
Tive a sorte de ter nascido duas vezes e em países diferentes, e junto com tudo isso ganhei aquele Leão que tanto queria.
Muito obrigado Cannes, muito obrigado Brasil.
*diretor de criação da Publicis Brasil