Histórias de Cannes: PJ Pereira
Soberba
Desde 1999, só não fui a Cannes uma única vez. Em 2001.
Foi o ano seguinte ao que ganhei o Grand Prix de Cyber pela AgênciaClick, que também foi a agência mais premiada do mundo naquele ano. Foi o segundo GP do Brasil e o primeiro de Cyber! Lembro da farra que fizemos, nós e outros brasileiros enleãozados e alcoolizados, acordando os locais no fim da noite caneense com gritos de falso sotaque portenho: Argentina, Argentina, Argentina!
Depois de tanto sucesso, em 2001 dobrei o número de inscrições, e estava tão confiante que decidi que não iria para o festival para não dar muito na cara. Em vez disso marquei férias convenientemente em Paris. Digo isso e confesso o que é evidente: marquei lá porque seria o voo mais curto para Nice, para pegar os troféus que, sem dúvida, viriam.
E não vieram. Zeramos. Redondo. Nenhum leãozinho pra me afagar à noite.
Entre a depressão e a raiva do jurado brasileiro, o Fernand Alphen, que na época estava na F/Nazca e nada teve a ver com isso (sorry pelos meus insultos silenciosos, Fernand!), meu mundo caiu: como poderia o rei do Cyber não ganhar um Leão sequer? O mundo estaria tão cego que não entendia mais meu trabalho?
Demorou anos, confesso também, para isso passar. Tive que mudar de país, deixar o cabelo ficar grisalho e a barriga crescer para ver o festival de um jeito diferente.
Cannes não é, nem nunca foi, um campeonato. Não serve para identificar a soberana agência mais criativa do mundo, tampouco o país. E menos ainda para identificar reis e rainhas da propaganda. Até porque rei só cai quando morre ou quando é derrubado, e em Cannes, todo ano, começa tudo de novo.
Para mim, a lição do zero foi muito maior que a lição do Grand Prix. Mas as duas, tão seguidinhas, que me ensinaram mesmo o que é que se traz de volta do Palais: a compreensão do que o mundo está enxergando, naquele momento, como “brilhante”. Uma referência do que é o padrão mundial de excelência para você poder corrigir o rumo. Cannes não é para ver o que você mesmo ganhou – serve para ver o que você não ganhou. As ideias que você sabe que poderia ter tido, que poderia ter vendido, mas que não conseguiu. Ou aquilo que é tão impossível para você alcançar que lhe faz mudar tudo quando chega de volta ao trabalho. Qualquer coisa além disso é uma corrupção do evento e da ideia do que deve ser e para que deve servir um festival criativo.
Cannes não pode ser uma conquista ou um destino. Ele é um sinal – uma indicação de que naquele ano você parece estar no caminho mais certo ou errado. E mesmo assim apenas uma indicação. Como placas na estrada, que ao mesmo tempo que indicam o caminho, também fazem sentir seguro de que você continua na direção correta.
Depois disso, já tive muitos anos bons e ruins no festival. Mas nunca mais me deixei cair em depressão por perder, nem deixei a soberba tomar conta quando ganhei. Minto: deixei sim, mas continuo tentando diminuir o impacto de ambos os lados. Mas uma coisa eu resolvi: agora eu vou todo ano – vai que foi isso que deu azar.
*fundador da Pereira & O’Dell (SF-NY-SP); foi o presidente de júri mais novo da história do Cannes Lions