Histórias de Cannes: Ricardo Chester
Impressões sobre o futuro
Primeira pessoa, com licença. As próximas linhas não serão sobre você.
A despeito desta seção se chamar Histórias de Cannes vão aqui algumas impressões sobre o futuro do Cannes Lions. Se gerar algum bom debate a transgressão terá valido a pena.
Só uma ideia. O Festival de Cannes deveria acabar com pratas e bronzes. Assim como paca é paca, Leão seria Leão. E ponto final.
São muitas categorias e, de uns anos para cá, inúmeras subcategorias. A impressão que se tem é que outras estão a caminho. É evidente que o número de Leões vai aumentar. O que parece bom para a receita do festival também vai acelerar a inflação na distribuição dos prêmios. A moeda corrente em Cannes, que é o Leão, tende a ficar enfraquecida. E isso não é bom. O futuro de toda inflação é a recessão. Entenda-se como recessão uma eventual retração nas inscrições e aí “danô-se”. Tem que ver isso aí.
Tenho um amigo que menciona, com justificado orgulho, um Leão ganho num ano em que apenas quatro filmes foram premiados na sua categoria, uma das mais disputadas em todo o festival. Apenas quatro filmes entre quase mil inscritos. Cannes, e aqui sigo apenas sugerindo uma discussão, deveria adotar o mesmo pensamento de quem é premiado: eu ganhei um Leão.
O Oscar não tem prata nem bronze. Pergunte a quem tem um Oscar o que é ter um Oscar. Ok, Chester. E o que fazer com pratas e bronzes? Simples. Dos que hoje conhecemos como ouros e pratas sairiam os Leões. Os que não chegassem a Leão nessa dura disputa e os que hoje têm força para bronze comporiam o verdadeiro shortlist. Os “nominees”. E também ser um “nominee” teria de novo a honra que se perdeu. Pergunte a um “finalista” do Oscar o que é ser um “finalista” do Oscar.
Ganhar um Leão de bronze em 2013 ainda é uma façanha estatística, tá certo. Mas a verdade – e as cerimônias de premiação do Cannes Lions estão aí para comprovar – é que alguma coisa deveria ser feita para que um Leão voltasse a rugir como um Oscar. Hoje, exceto para os rankings das ações das maiores holdings, não está mais assim. Wall Street e a Croisette poderiam sentar e tomar um café para falar do futuro.
Outra ideia. Não te parece estranho o TED ser conteúdo de um streaming como o Netflix e o Cannes Lions ainda não? Não falo de um seminário ou outro transmitido, e parece que este ano sai alguma coisa assim. Falo de conteúdo mesmo. Dos últimos 20 anos. Prêmios e seminários. Festas de entrega e o escambau. Acho curioso, por tudo que Cannes Lions representa, o maior festival de tendências do nosso negócio ainda não figurar como conteúdo de streaming.
O Palais chegou no seu limite operacional há algum tempo. A entrada dos clientes – que mudou o festival para muito melhor – acresceu mais de 25% da demanda de espaço em relação à época em que eles nem imaginavam que existia uma Rue d’Antibes. Uma das formas de ampliar a receita e o interesse pelo evento, seguramente, é negociar parte do seu conteúdo para o streaming. O Cannes Lions num Netflix da vida poderia chegar a milhões de pessoas. E não aos poucos milhares logados no site de hoje.
Porque, convenhamos, com exceção dos que conseguem a vaga pelo Young Lions, é muito difícil publicitários e clientes em início de carreira ter acesso ao Festival. É muito caro. Um projeto de streaming poderia aumentar o interesse do Cannes Lions em escala mundial. E faria o mesmo com a receita. Estudantes de comunicação conseguiriam entender desde cedo o que o Cannes Lions representa. Os jovens analistas de marketing também.
E o último pitaco. A construção de um MoMA da Propaganda, da Criatividade, da Comunicação ou de como queiram chamar lá em Cannes. O acervo merece.
De novo, só uma ideia.
*Diretor de criação da Africa