Histórias de Cannes: Rui Branquinho

 

 

Evolução e harmonia

Cannes é o nosso Carnaval: o maior espetáculo da Terra. Quem já participou não esquece; quem já ganhou não se cansa de lembrar; quem ainda não ganhou não tira da cabeça. A cada ano muda tudo: fica o Palais, tal qual o Sambódromo, mas o resto é sempre novidade. Novas cores, novas histórias contadas, novas tecnologias… Tudo para tornar o espetáculo inesquecível. E conseguem. Tem gente que até acha que todo ano é igual, mas definitivamente não é. O Festival é feito de pessoas e critérios, e só isso já é argumento suficiente para comprovar que não há um ano igual ao outro.

O primeiro a gente nunca esquece… Minha primeira vez foi em 1993 – 40ª edição do Festival. Eu e Cesar Finamori ganhamos um prêmio que dava a passagem e a inscrição. Santo fio dental e Santa Editora Abril. Lá fomos nós. Petit fez questão de turbinar o prêmio e nos levou, de carro, de Barcelona a Cannes. Fantástico. Dicas e mais dicas sobre o festival e a região. Talvez nunca tenha agradecido decentemente: obrigado, Petit! E não só por isso.

O Festival ainda era 99,99% filmes. Era o segundo ano de Press, se não me engano. A exposição do shortlist ficava resumida a poucos “biombos”, em uma passagem, e podia ser vista em dez minutos, com folga. Para nós, tudo era novidade: entender o Palais, as programações, a praia, as ruas próximas, aquele bando de gente que fazia quase a mesma coisa que você não sabia onde… Era muita coisa. Aqueles gigantescos catálogos com todas as fichas técnicas de todos os inscritos – parece loucura, mas havia isso – sendo carregados pra cima e pra baixo… Era olhar a lista, calcular quanto demorava, mais ou menos, o próximo filme do Pytka para ver se dava ou não para ir ao banheiro. Ninguém queria perder nada. O Brasil saindo de lá com o nosso primeiro Grand Prix de Press. Marcello, Nizan e a tampinha de Guaraná. Consagração mais do que merecida. Repetida pelo Marcello e sua AlmapBBDO novamente, anos depois.

Por tudo isso, perdemos a hora da cerimônia de entrega dos Leões. Hotel longe: chegamos suados, esbaforidos. Auditório lotado… Dane-se, ficamos de pé, né, lá no fundo. Viemos até aqui e vamos ver no telão do auditório ao lado? Tá louco.

Ficamos perto de uma saída, eu de um lado e o Cesar do outro, no mesmo corredor. Tempos depois chega mais um, atrasado. Fica no meio, black tie e tênis. Estranho. Olho para o Cesar, ele olha pra mim, estranhando o cara. Sendo bem sincero, até rimos um pouco dele. Ele, supersimpático, atento à premiação. Achei que conhecia aquele rosto… Conhecia mesmo. Ele ajeita a gravata, uma luz ilumina o cara – nós de papagaio de pirata – e lá vai o Philip Knight, fundador da Nike, receber o prêmio de Anunciante do Ano. Não era excentricidade aquela combinação tênis/black tie… Era consistência mesmo.

Ao longo desses últimos 20 anos, muita coisa surpreendente: ano sem Grand Prix; recordes brasileiros em número de Leões; uma Copa do Mundo logo ali, em 98; a presença cada vez maior de brasileiros; a fase da criatividade nórdica; a busca pelo ainda inédito Titanium do Brasil; a fase da criatividade holandesa; criatividade pura vindo de categorias que não geravam tanta expectativa assim; primeiros Leões de países até aquele momento sem grande expressão; um prêmio especial a um filme que não poderia ganhar o Grand Prix, segundo as regras do Festival, embora esta fosse a vontade de todos… Isso sem falar das descobertas em Antibes, Nice, St. Tropez e Vence.

A lista recém divulgada dos presidentes do próximo festival já entrou nesse hall de coisas surpreendentes: Dan Wieden, Sir John Hegarty, David Droga, Bob Greenberg, Tony Granger, Rei Inamoto, Marcello Serpa, Joe Pytka, Mark Tutssel… Todos juntos avaliando o trabalho global. Todos por ali na mesma semana. Faltou um Lee Clown, um Washington…

Cannes reúne gente muito interessante, uma profissão estimulante demais, em um lugar encantador para uma celebração coletiva. Não há como não gerar histórias e mais histórias sobre o Festival. Nem todas podem ser contadas ou mesmo entendidas por todos, mas a matéria-prima para uma boa história está lá. Sempre, uma vez por ano, à disposição.

Não, não é folia, mas é “dez, nota dez”. Se puder, vá.

*Rui Branquinho é vice-presidente de criação da Y&R