Histórias de Cannes: Ruy Lindenberg

 

Sensações que o festival não pode nos contar

Esta não é uma história sobre Cannes com personagens incríveis como John Hegarty, Joe Pytka, Sedelmeier, Ridley Scott, Ed McCabe, Lee Clow e tantos outros. É uma história muito mais simples, mas nem por isso menos importante. Porque provavelmente é a sua história e ela está acontecendo agora, você indo ou não a Cannes.

Como muita gente não sabe, o festival nasceu para valorizar os comerciais no cinema, pois, na década de 1950, a televisão já começava a mostrar seu enorme poder de comunicação. Naquela época, os resultados de Cannes ainda chegavam ao Brasil pela Varig, pelo Fontoura ou pela imprensa internacional. Só nos anos seguintes é que os Leões começaram a desembarcar nas fitas U-MATIC para serem exibidos nas agências. Então nós nos reuníamos em volta da telinha para aplaudir o fino humor inglês, os antológicos comerciais americanos, a estética irreverente dos nórdicos e os nossos primeiros sucessos.

Naquele momento, os criativos do mundo inteiro se sentiam no centro do palco, os magos que faziam aquele fabuloso espetáculo acontecer. Depois surgiram as categorias Press & Poster, Cyber, Media, Direct e Titanium. E aquele que já era considerado o prêmio de publicidade mais importante do mundo, despertou a atenção da Emap, a editora britânica que se especializava em conferências e eventos. A partir daí, o festival incorporou cada vez mais categorias, premiando quase tudo o que se relacionasse com a nossa profissão. Enquanto isso, os delegados chegavam a Cannes em número cada vez maior, atraídos pelas novas áreas, como Rádio, Promo, Design, Relações Públicas. E ele se tornou a grande feira da indústria da comunicação publicitária mundial que conhecemos hoje.

Aí está um modelo de negócio invejável, desenhado e executado com rara criatividade. Ninguém comenta, propaga e se orgulha mais do festival do que nós publicitários, seus autores e consumidores. Divulgamos o evento nas rodas de bar, nas entrevistas à imprensa, em artigos como este, em anúncios, em cases e causos. E as agências inscrevem maciçamente no evento, enviam delegados e convidam clientes. Pode ser que esta história incomode alguns criativos que acham que são os donos do show (como tantas vezes é anunciado), mas na verdade somos parte de um brilhante modelo de negócio. E nós participamos como contadores de histórias, alguns como premiados, outros como jurados, mas todos, sem exceção, como copatrocinadores de um negócio que começou timidamente em Veneza há 60 anos.

Ao mesmo tempo que Cannes representa uma enorme oportunidade para os criativos, também é um lugar onde muitos perdem o pouco juízo que tinham. Principalmente aqueles que são seduzidos mais pelo sucesso do que pelo trabalho relevante, que buscam um brilhareco dourado, prateado ou bronzeado em vez de um projeto que realmente faça diferença na vida das empresas, e não apenas na sua.

Cannes prova a cada ano que a formação do profissional de Criação está cada dia mais diversificada e complexa. E talvez o festival seja apenas um capítulo no nosso calendário. Outros acontecimentos, outros cursos, outras experiências, seja ao vivo ou pela web, parecem igualmente importantes. Eventos como o South by Southwest (SXSW), que tem como tema cinema, música e interatividade, ou o Comic-Con, que nos ajuda a entender melhor a linguagem dos quadrinhos, da televisão, do anime, do mangá, da animação e dos games, são alguns exemplos. Encontros como a Flip, as visitas guiadas como as de Inhotim me parecem fundamentais para abrir novos caminhos. E, sem dúvida, cada capítulo de “Mad Man”, “Downtown Abbey”, “Game of Thrones”, “The Tudors”, são uma lição de roteiro, diálogo, interpretação, cenografia, etc.

A revista Wired de fevereiro traz matéria de capa sobre uma antena de wi-fi que vem numa lata de spray. De dentro dela, um líquido com milhões de neurocapacitadores é expelido e adere a qualquer superfície, recebendo sinais de rádio melhor do que o metal. Não é à toa que o festival anunciou uma nova categoria para 2013: Inovação. A explicação oficial é premiar as tecnologias que tornam possível o surgimento de ideias criativas.

Hoje, tão importante como o que vamos ver em Cannes é o que não vamos ver em Cannes. E isso ninguém vai nos contar. Cabe a nós ir atrás, descobrir e aprender.

*Vice-presidente de criação da Leo Burnett Tailor Made