Histórias de Cannes: Silvio Matos

 

Obrigado, Luiz Antônio

Cannes não é um lugar. É uma qualificação.

Ninguém vai lá para aprender, discutir a indústria ou debater as ideias. As pessoas vão lá para aparecer. Em primeiro lugar, para elas mesmas.

Cannes é um espelho que deixa a gente mais bonito. Sabe quando você vai para Londres, Milão, NY ou Cingapura e a sua mulher diz: “Nossa, como o meu cabelo fica bom aqui”. Não é o cabelo, fofa. É a cabeça.

Em segundo lugar, as pessoas vão a Cannes para serem vistas em Cannes.

Quando vamos visitar um psicoterapeuta especializado em distúrbios mentais de alto risco torcemos para não encontrar nenhum colega de profissão na recepção. (Há outros lugares que também torcemos para não encontrar ninguém na recepção). Quando vamos a Cannes não só torcemos para encontrar logo alguém importante que nos veja por lá, como também nos contorcemos, nos entortamos, vamos e voltamos nos mesmos 100 metros de calçada. É ridículo. Mas somos nós.

Em terceiro lugar, as pessoas vão para Cannes para causar uma enorme inveja a todos os outros coitadinhos que não tiveram essa oportunidade e estão virando enlouquecidamente as noites para tentar acertar os projetos para seus clientes na ausência dos jogadores da seleção principal. Para sustentar essa razão você deve, sempre, fazer duas coisas: estando em Cannes, meter o pau no festival deste ano (seja qual for o ano em que você estiver por lá). E antes de ir, ou depois de voltar, falar compulsivamente que o festival foi incrível. Principalmente pelo fato de ter tido a fabulosa oportunidade de encontrar o John Hegarty. (Olha, se o John Hegarty falasse com todas as pessoas que te contam que falaram um pouquinho com ele, a casa dele não ficaria em Londres, mas em Cap D’Antibe).

Em quarto, pessoas vão a Cannes porque outras pessoas interessantes foram a Cannes. E se foram é porque o lugar é interessante. E aí me tornarei eternamente interessante indo lá. O mesmo motivo pelo qual milhares de pessoas compram um BMW ou um Louboutin.

Em quinto, as pessoas vão para Cannes porque as agências pagam. Faça as contas. Pegue um avião em setembro e vá passar uma semaninha de férias por lá. Pagando com seu cartãozinho. Vá.

Em sexto, as pessoas vão para Cannes para receber. Prêmios, aumentos, elogios, tapinhas nas costas e propostas. E voltam ou somem quando isso não acontece.

Em sétimo, muitos vão para Cannes para trabalhar. Sim, eles existem. E sim, é verdade, eles trabalham. Curiosos, observadores, pensadores, profissionais, empresários, criativos, clientes, produtoras, executivos de agências internacionais, executivos de agências locais, lideranças, imprensa, palestrantes, jurados, fornecedores etc.

Em oitavo, as pessoas vão para Cannes porque fica na praia, na França e acontece no verão. Eu já fui jurado do Festival Internacional dos Emirados Árabes, no inverno, e não encontrei ninguém lá.

Em nono, as pessoas vão para Cannes na tentativa desesperada de entender para onde diabos está indo a nossa indústria. Mas esses são minoria. Geralmente acordam cedo, anotam coisas, voltam aos mesmos assuntos, reveem as categorias. São do grupo que acha que o festival ficou melhor e não pior.

E, por fim, as pessoas vão a Cannes para beber.

Talvez você tenha outro motivo para ir. Ou vá por um desses motivos. Pouco importa. Afinal, Cannes não é um lugar. É uma marca. Eu vou para Cannes há 27 anos. Seguidos. Com apenas uma falha. São dois terços da minha vida.

No início, o Brasil era uma mesa. Literalmente. E só. Sete pessoas. Hoje é o primeiro ou segundo país em número de participantes.

Quem me levou para lá foi meu pai. Sabe quem levou você para lá? Te conto. Porque se Cannes é o que Cannes é, existe um responsável por isso. Esquecido por muitos, desconhecido pelos mais jovens, ignorado pelos ignorantes.

Luiz Antônio Ribeiro Pinto é o brasileiro com o maior número de Leões da história do Festival de Cannes. Por um simples motivo: todos os Leões brasileiros, não importa a agência, são dele. Porque foi ele quem trouxe o Festival para o Brasil e levou os brasileiros para o Festival. Isso tem mais de 27 anos. E deve seguir assim por muito tempo.

*presidente e diretor de criação da Idealista