Histórias de Cannes: Washington Olivetto

 

O publicitário Washington Olivetto, chairman da WMcCann e CCO da McCann Worldgoup América Latina e Caribe, assina  o primeiro artigo da série “Histórias de Cannes” que o propmark publica, a partir da edição impressa desta segunda-feira (14) — sempre com reprodução em nosso portal —, em homenagem aos 60 anos do Festival Internacional de Criatividade de Cannes, o Cannes Lions. Serão publicados 60 artigos no decorrer de 2013 assinados por profissionais de propaganda, mídia online, produção audiovisual, marketing direto, relações públicas, marketing promocional e design que atuam no Brasil e em outros países. O projeto conta com ilustrações de Rodolfo Patrocinio, da Digital 21.

Um dos brasileiros mais premiados no maior festival de publicidade do mundo, Olivetto relata o que considera “a pré-história da minha história”. Conta sobre o começo de sua carreira no início dos anos 70 e sobre a conquista de seus primeiros Leões. Em seu artigo, ele revela a curiosa origem de um pseudônimo utilizado em 1974, para ficha técnica de comercial para o Bamerindus já que na época, ele, Olivetto, trabalhava na DPZ e criava para o Itaú. O publicitário inventou o nome George Remington. “George por causa de George Washington e Remington por causa das máquinas de escrever Remington, que, naquela época, concorriam com as Olivettis”.

A primeira edição do Festival Internacional de Criatividade, que hoje reúne milhares de profissionais em Cannes, foi, na verdade, realizada em Veneza, na Itália, em setembro de 1954. No ano seguinte foi em Monte Carlo e, somente em 1956, houve o primeiro festival na cidade da Riviera Francesa. Na sequência, até meados dos anos 70, o festival foi realizado alternadamente em Cannes e Veneza. Em 1984, Cannes tornou-se a sede permanente do Festival.

Criado inicialmente para destacar a publicidade veiculada em cinemas, Cannes transformou-se no maior evento multidisciplinar da comunicação mercadológica e hoje abrange 16 competições, de filmes a mobile marketing. No ano passado, o festival recebeu um total de 34.301 inscrições e o Brasil obteve número recorde de Leões, um total de 79. Confira abaixo o artigo escrito por Washington Olivetto ou acesse a versão flip do propmark.

 

A pré-história da minha história

por Washington Olivetto*

Início dos anos 70 do século passado. Eu iniciava a minha carreira de publicitário, trabalhava como redator numa agência chamada Lince Propaganda e tive a oportunidade de escrever meu primeiro comercial de televisão, o filme “Pingo”, para as torneiras Deca (as mesmas torneiras Deca que, hoje, são clientes da WMcCann). O comercial foi dirigido pelo Guga de Oliveira, irmão do Boni, e ganhou um Leão de bronze no Festival de Cannes daquele ano.

Com a minha total falta de experiência (era o meu primeiro comercial), fiquei numa dúvida cruel. Quem teria errado? Eu ou o júri? Fora essa dúvida, meu primeiro Leão em Cannes trazia ainda mais uma peculiaridade: tinha sido conquistado em Veneza. Naquela época, apesar de já ser chamado pela maioria dos publicitários de Festival de Cannes, o festival se alternava entre Cannes e Veneza, onde foi originalmente criado, tendo como prêmios os Leões inspirados nos leões da Piazza San Marco.

O Leão de Cannes conquistado em Veneza mudou minha vida. O mercado começou a falar daquele moleque que tinha conquistado um dos poucos Leões da história da publicidade brasileira com o seu primeiro comercial. Assim, eu, que estava na boa Casabranca (uma fusão da Lince com a Julio Ribeiro Mihanovich), fui convidado para trabalhar na excepcional DPZ. Trabalhar na DPZ não; bem mais do que isso. Fazer dupla com o genial Francesc Petit.

Assim que cheguei à DPZ, conheci um diretor de comerciais que já havia ganho alguns Leões de Cannes para a publicidade argentina, estava de mudança para o Brasil, tinha acabado de dirigir o brilhante comercial “Menino sorrindo”, da Seagrams (Leão de prata em Cannes), criado pela dupla José Zaragoza e João Augusto Palhares Neto, e estava curioso para conhecer o tal menino prodígio que tinha ganhado um Leão de bronze com seu primeiro comercial. Acabamos ficando muito amigos e, assim, Andrés Bukowinski e eu começamos a trabalhar juntos. A maior parte dos comerciais da dupla Francesc Petit e Washington Olivetto passou a ser dirigida pelo Andrés.

Para o dia 1º de maio de 1974, escrevi, com o aval do Conselho Nacional de Propaganda, um anúncio de jornal sobre o problema do desemprego e do preconceito com os homens de mais de 40 anos no mercado de trabalho brasileiro. O anúncio obteve enorme repercussão, e o sócio do Andrés, Oscar Caporale, sugeriu que a gente fizesse um comercial com aquele mesmo tema.

O Conselho Nacional de Propaganda aprovou a ideia, as emissoras de televisão e os cinemas cederam o espaço, o comercial foi produzido e fortemente veiculado e gerou uma lei que proibiu para sempre o preconceito sublinhado em negrito nos classificados de emprego: idade máxima 40 anos.

Essa lei, para nós, já era o maior dos prêmios, mas o segundo e também histórico prêmio viria logo depois. Naquele mesmo ano, o comercial “Homem com mais de 40 anos” foi inscrito no Festival de Cannes e  ganhou o primeiro Leão de ouro da publicidade brasileira.

Depois daquele primeiro Leão de ouro, além de dirigir a maior parte dos comerciais da dupla Petit e Washington, Andrés continuava produzindo comerciais para clientes que confiavam no seu trabalho e procuravam sua produtora diretamente. Esses clientes, que usavam suas agências somente para fazer os planos de mídia, eram basicamente a Esso, a Phillip Morris, a Cia. Aérea Cruzeiro do Sul e o Banco Bamerindus.

Andrés dirigia e eu escrevia esses filmes como freelancer. Na verdade, não eram tantos filmes a ponto de atrapalhar o meu trabalho na DPZ, mas, por outro lado, além da possibilidade de ganhar uma grana extra, era uma enorme oportunidade de criar coisas novas e brilhantes devido à grande liberdade que esses clientes davam a mim como criador e ao Andrés como diretor.

Meses depois do nosso primeiro Leão de ouro, Andrés me pediu para escrever um filme para uma campanha de segurança no trânsito do Banco Bamerindus. Escrevi o filme, que tinha uma abordagem revolucionária, mas disse a Andrés que, como eu atendia o Banco Itaú na DPZ, não ficaria elegante também assinar a ficha técnica da criação de um filme para um outro banco, mesmo sendo uma peça institucional e de utilidade pública.

Como eu adorava o filme, para registrar a minha autoria, resolvi inventar um pseudônimo para as fichas técnicas, que continha uma private joke: George Remington. George por causa de George Washington e Remington por causa das máquinas de escrever Remington, que, naquela época, concorriam com as Olivettis.

Inscrito em Cannes naquele ano, o filme “Homem frustrado”, excepcionalmente dirigido pelo Andrés e brilhantemente interpretado por Irene Ravache, conquistou o segundo Leão de ouro da publicidade brasileira. Mas ainda conquistou outros dois feitos históricos: foi proibido pela censura do governo militar brasileiro em todo o território nacional, depois de apenas nove dias de veiculação em cinemas (veículo apropriado para aquela mensagem), e recebeu uma das maiores vaias que um Leão de ouro de Cannes já recebeu em todos os tempos.

A razão da proibição e das vaias: no filme, a personagem interpretada por Irene Ravache, em um ambiente que lembrava um consultório psicanalítico, insinuava, durante um minuto e meio de monólogo, que seu marido corria demais no trânsito para descarregar a frustração por ser um impotente sexual.

Evidentemente, os milicos não gostaram dessa abordagem, que começou a ser comentada como inovadora e eficiente na mídia em geral já nos primeiros dias de veiculação. E é claro também que o auditório de Cannes, naquele momento prioritariamente masculino e machista, não se encantou nada com essa história de que o sujeito corre porque é brocha.

Independentemente das vaias (elas passam e os prêmios ficam) e da proibição da censura (que até aumentou o prestígio da peça), “Homem frustrado” se tornou rapidamente um clássico e todos queriam saber quem era o tal do George Remington que havia escrito aquele texto.

Petit sabia que tinha sido eu desde o início (não existiam segredos entre nós) e resolveu, por conta própria, contar para o pessoal do Itaú que o criador do segundo Leão de ouro da publicidade brasileira era o mesmo do primeiro, e, para a sorte deles, era o menino que criava com ele as campanhas do Itaú na DPZ. O pessoal do Itaú, em vez de ficar bravo, ficou orgulhoso, e então a necessidade de eu me manter na moita desapareceu.

O adorável Fernando Reis, que editava a Revista Propaganda, resolveu fazer a capa da revista com uma foto minha e do Andrés sob o título “Andrés e Washington. Bicampeões em Cannes”.

O bicampeonato em Cannes — somado à proibição do filme pela censura, à polêmica das vaias e à história do pseudônimo — acabou levando o meu nome para a grande imprensa, e assim comecei a ser conhecido também fora do circuito publicitário. Daí para frente, foi e continua sendo só trabalho. Muito trabalho.

P.S.: curiosidades

“Homem com mais de 40 anos”, primeiro Leão de ouro da publicidade brasileira, é, esteticamente, o pai de outro Leão de ouro da publicidade brasileira: o filme “Hitler”, da Folha de S. Paulo, feito quase 15 anos depois.

A locução final do comercial “Homem frustrado”, do Banco Bamerindus, segundo Leão de ouro da publicidade brasileira, interpretada por Ferreira Martins, era: “O homem que corre no trânsito tem um problema. Se você não tem um problema, então, por que você corre? Ou será que você tem um problema?”.

Dá para entender por que os milicos e os machões da plateia de Cannes ficaram putos.

*Chairman da WMcCann e CCO da McCann Worldgroup América Latina e Caribe