Imitação é prática comum, mas decisões judiciais têm mais espaço
Vira e mexe o assunto volta à tona e lá vem mais polêmica. Algumas empresas insistem em encurtar o caminho e tornar seus produtos tão conhecidos como o da concorrência rapidamente. E escolhem a imitação de trade dress, ou aquela copiadinha básica. As embalagens ficam tão parecidas que podem enganar o consumidor. As diferenças são sutis, porém o prejuízo pode ser grande para ambas, imitadas e imitadoras.
Marcas consagradas que gastam muito em design de marca e embalagem, além da publicidade, e veem o trabalho de anos ir por água abaixo, ou quase.
Um recente caso ocorreu com Engov, da Cosmed, que, de repente, passou a ter um concorrente chamado PosDrink, de um laboratório catarinense. Os nomes são diferentes, mas a embalagem passa muito bem aos olhos do consumidor. Só que o PosDrink dançou no fim do ano passado. É que a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu pela retirada do mercado do PosDrink, “nos moldes atuais, haja vista a configuração de concorrência desleal, diante da imitação do trade dress por parte da PosDrink”.
“O trade dress é um conceito originado do direito norte-americano, que vem ganhando importante espaço nos últimos anos em decisões judiciais no Brasil, que trata da “roupagem” de um produto. Ou seja: todo o aspecto visual que diferencia, para o consumidor, um determinado produto ou serviço dos demais concorrentes, incluindo, exemplificativamente, a forma da embalagem, cores e fontes utilizadas”, explica Bruno Accioly, advogado e sócio da LBZ Advocacia.
Segundo Accioly, Engov ajuizou ação visando proibir a comercialização do medicamento concorrente PosDrink diante da explícita semelhança entre as embalagens de ambos os produtos. “Como há uma semelhança no visual dos dois medicamentos, que são destinados a uma mesma finalidade, o juízo de 1º grau entendeu que poderia ocasionar confusão ao consumidor, caracterizando, portanto, concorrência desleal e possível desvio de clientela. Em instância superior, o TJ/SP manteve a decisão”, complementa o advogado.
O PosDrink recorreu ao STJ sob o argumento de que o nome PosDrink diferencia seu produto daquele comercializado pela Engov – e não a embalagem. “Entretanto, ficou decidido por unanimidade que a utilização da embalagem do PosDrink viola o trade dress do Engov, impossibilitando a convivência no mercado de tais medicamentos”. O STF entendeu que não se trata apenas da simples utilização das mesmas cores, mas sim da imitação de todo o aspecto visual da embalagem criada pela fabricante do Engov, segundo o advogado da LBZ, sendo que a mera utilização de outro nome/marca no produto “não é suficiente para desnaturar o ato de concorrência desleal.
Pelo fato de o Engov já estar consolidado no mercado, seus consumidores estão habituados a escolhê-lo simplesmente com base na aparência externa.
A fabricante do PosDrink precisou parar de produzir e vender o medicamento em sua embalagem atual, além de ter de recolher todos os produtos disponíveis no mercado.
Outro casos
O advogado lembra outros casos que que tiveram discussão semelhante. Um deles é o de Jequiti e Natura. Em outubro de 2019, a marca do Grupo Silvio Santos foi condenada pela utilização indevida de produtos com a expressão Erva Doce — registrada pela Natura — e de outras denominações de sua propriedade.
Além da reprodução indevida das marcas, segundo Accyoli, a Jequiti usava identificação e grafia muito semelhantes às empregadas por ela, “especialmente com relação à disposição visual dos elementos nominativos, caracterizando, para a 4ª Turma do STJ, concorrência desleal e tentativa de confundir o público consumidor”. “Diferentemente do caso Engov x PosDrink, a Jequiti foi além: não apenas adotou trade dress semelhante, mas também se aproveitou das marcas utilizadas pela Natura. A Jequiti foi então condenada a se abster de utilizar as marcas registradas pela Natura, assim como de adotar o mesmo trade dress”.
Também no fim de 2019, a 1ª e a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP entenderam ter ocorrido imitação de trade dress em relação ao Biotônico Fontoura, condenando as produtoras do Bioforzan e do Tônico NTS, respectivamente, em danos morais e materiais. Além disso, as duas empresas tiveram de se abster de imitar o trade dress do Biotônico Fontoura. “Julgamentos como estes garantem proteção à marca contra uma possível concorrência desleal. Também têm a função de preservar o consumidor, que pode ser levado ao erro no momento de uma aquisição, optando por um produto que não era o já conhecido e testado anteriormente”.
O escritório do advogado não atendeu nenhum caso de trade dress, porém ele se lembra que teve recentemente o caso de uma empresa internacional que iria “começar a operar no Brasil com uma marca bem parecida com a de um dos clientes do escritório e gerou certa discussão e negociação para encerrar a ‘concorrência’”.
“Existem regras bem claras sobre a proteção e o uso das marcas. O que não acontece tanto nas questões envolvendo trade dress. Mas já estamos vendo uma movimentação maior do Judiciário em torno dos casos”.
Ele afirma que essa é uma prática comum no mercado, “mais do que se imagina”. “Algumas empresas tentam se aproveitar do sucesso obtido por outras (geralmente mais famosas), criando produtos/serviços/estabelecimentos com aparência semelhante, na tentativa de ‘enganar’ o consumidor”. Para Accioly, a prática do trade dress tem mais a ver com o caráter da empresa. “Uma opção dessa natureza não está relacionada necessariamente a uma condição apenas de mercado. Mas sim ao caráter de certos empresários”, dispara, acrescentando: “Sob uma ótica prática, obviamente que ‘copiar’ algo que funciona é bem mais fácil do que desenvolver algo novo. Você elimina muitos dos riscos financeiros envolvidos”. Ele acredita que dá até para entender por que alguns preferem adquirir uma franquia – que já tem know-how e marca consolidada – do que desenvolver um negócio próprio, mesmo que no mesmo setor.
Olho vivo
Por sorte, na opinião dele, o consumidor não se deixa enganar, “não necessariamente”. “Em alguns casos, imagino que o consumidor realmente não perceba a diferença. Em outros, provavelmente até arrisque comprar/consumir o produto de uma marca semelhante, caso entenda que os benefícios sejam os mesmos, porém com custos menores”, afirma. “Na esmagadora maioria dos casos o argumento utilizado está baseado nessa premissa – de que o consumidor está sendo enganado. Comprando ‘gato’ por ‘lebre’”.
Quanto tempo costuma ficar no mercado uma imitação até que a Justiça obrigue a retirada do produto? Para esta questão, ele observa, para felicidade de todos, que há uma evolução do sistema Judiciário em entender melhor o conceito e começar a apreciar, cada vez mais, questões atreladas ao trade dress. “Ou seja, esse tipo de discussão está ganhando força e se tornará uma tendência de mercado, haja vista o reconhecimento por parte da comunidade jurídica e empresarial”, afirma.
Para o advogado, os prejuízos para a marca podem ser os mais variados, “e com menor ou maior amplitude”. “A empresa que desenvolveu o produto/serviço original pode não recuperar os seus custos, nem pagar suas despesas – uma vez que a receita vai cair em decorrência da diminuição da venda. Pessoas serão demitidas, prestadores de serviço poderão quebrar. Uma bola de neve, difícil de medir. No ponto de vista do consumidor, o produto/serviço ‘transvestido’ pode não trazer o benefício esperado (como durabilidade, prazo, qualidade) ou até mesmo causar danos (físicos e biológicos). Eventuais prejuízos podem respingar na marca, sem dúvida, e prejudicar seu detentor (que, não necessariamente, é o produtor/comerciante). Em tese, em um primeiro momento, ganha tão somente o empresário que adotou a estratégia de ‘copiar’ o produto/serviço/estabelecimento original”.
Ele comenta ainda sobre qualidade de uma imitação. Para o advogado, às vezes, podem até ser produtos com qualidade superior ao original. “Mas a questão decorre da apropriação/utilização de recursos visuais que o identifiquem como sendo um outro produto/serviço ‘famoso’”, declara.
O PosDrink, por exemplo, é do Laboratório Catarinense. “Mas o caso de trade dress não está relacionado, necessariamente, à qualidade do produto. A empresa pode ter ótimos produtos – inclusive esse, objeto da discussão. Mas o fato de copiar a embalagem e se aproveitar de outra marca é a questão”.