Em 2012, o Brasil conquistou quatro Leões de bronze em Media Lions no Festival de Cannes, mesmo número dos dois anos anteriores – resultado considerado bom para um país que não inscreve tanto na área como em outras do festival. Frequentador do Palais des Festivals há 20 anos, e com a experiência de ter sido jurado em 2000, Paulo César Queiroz, copresidente da DM9DDB, volta ao júri da área. O executivo destaca as dificuldades de se preparar para julgar uma categoria tão complexa, defende a necessidade de um storytelling de qualidade e garante que não há inovação sem risco. “A ideia tem que impactar o público em três segundos. Se o cara bateu o olho e gostou da ideia, ela é merecedora de estar entre as melhores do mundo. Mas, se você tiver que dar uma explicação, já era”, diz.
O FESTIVAL
“Tenho muita experiência no Festival de Cannes. Fui pela primeira vez há vinte anos e, de lá pra cá, acho que participei umas quinze vezes. Fui o primeiro mídia do Brasil a frequentar Cannes porque, na época, a DM9DDB fazia questão de pagar. O Nizan (Guanaes) investia muito para que fôssemos. Ele dizia: ‘Paulo, se um mídia não entender de criação, ele não fará boa mídia’. Trabalho com propaganda há 32 anos e 20 desses foram na DM9, uma agência que vive a serviço da criação. Então, sempre vi Cannes como um piloto de corrida vê a Fórmula 1, como um atleta vê as Olimpíadas ou como um jogador de futebol vê a Copa do Mundo. Lá é o lugar onde se vê o melhor do melhor e se consegue estabelecer comparações entre o que você está fazendo e o que outras pessoas do mundo estão fazendo. É a meca da publicidade.”
PARTICIPAÇÃO
“Fui jurado pela primeira vez em 2000, o segundo ano em que houve o julgamento de Media. Foi difícil para mim, porque foi o ano em que Nizan saiu da DM9 e o Afonso Serra, então presidente, decidiu dar um tempo de Cannes. A DM9 havia sido Agência do Ano em 98 e em 99, então o Afonso disse: ‘É óbvio que não ganharemos o título pelo terceiro ano consecutivo e não quero estabelecer essa relação direta com a saída do Nizan, então não escreveremos nada no festival em 2000’. Eu fui como jurado, o que foi muito legal porque a categoria estava começando a se desenvolver, mas foi um pouco frustrante porque a agência não estava concorrendo com nenhum caso. Esse ano é diferente, temos peças concorrendo. Não que eu ache que nossos cases são os melhores, mas eles são muito bons e investimos em Cannes porque acreditamos na sua força.”
CONVITE
“Inicialmente, recebi um convite despretensioso. Quando o Estadão (representante oficial do país em Cannes) me procurou perguntando se eu aceitaria, eu era COO do Grupo ABC. Na época, falei para o Gabriel Comprido (diretor de mercado anunciante do Grupo Estado): ‘Que coisa estranha, eu nem trabalho mais em agência’. Ele me disse: ‘Pois é, mas recebi um briefing de só convidar gente muito experiente. Seu trabalho em uma agência que ganhou tantos títulos tem tudo a ver’. Mesmo assim, acho diferente ser jurado trabalhando como COO de uma rede de comunicação. Na agência, eu estou no meu jogo, e aquele não era meu jogo. Quando, enfim, fiquei sabendo que voltaria para a DM9, pensei que poderia dar certo a história de ser jurado. Mas aí houve aquele atraso para anunciar o júri e eu, como não levo o menor jeito para ser sofredor, decidi esquecer esse assunto. Voltei para a DM9 faz 60 dias e logo recebi a notícia. Fiquei muito feliz, principalmente porque as coisas casaram e pude dar essa alegria para a DM9 e para o ABC. Volto ao jogo no melhor lugar que se tem para jogar o jogo, talvez no júri mais seleto que Cannes já escolheu desde sua criação. Vai ser show.”
MUDANÇAS
“Eu me sinto muito diferente em relação a 2000, porque, na época, a categoria de mídia não era bem-vinda no festival. A imprensa internacional era preconceituosa. No dia em que anunciamos os Leões, fiquei com vergonha do presidente do júri, que era inglês, porque havia apenas um jornalista o entrevistando, enquanto eu tinha oito para atender. Isso porque, felizmente, o Brasil sempre deu a maior importância à categoria, mesmo quando o resto da imprensa não dava a menor bola. Hoje, isso mudou. A categoria está consolidada e, cada vez mais, os clientes estão dispostos a investir nela.”
ORGANIZAÇÃO
“Algo que me aflige diz respeito à organização do festival. Ele só tende a crescer e o número de inscrições aumentar, então como os jurados vão dar conta de conhecer todas as peças e fazer uma análise justa em um tempo tão curto? Talvez, se o ritmo se mantiver assim, será preciso ampliar o que se faz em mídia para todas as categorias, ou seja, começar a julgar os trabalhos vários dias antes.”
MÍDIA
“Ninguém quer levar para Cannes um caso que foi veiculado em maio do ano passado por um motivo básico: ele já virou carne de vaca. Então, algumas vezes as pessoas guardam as peças até o último momento. Elas esperam até a data limite de inscrição para lançar um trabalho e chamar a atenção do mercado. Um case precisa ser muito bom para ganhar um Leão com algo que fez sucesso há um ano. Vivemos em um mercado dinâmico, no qual algo que foi considerado legal no ano passado pode ser ultrapassado hoje. Um exemplo disso é o ‘Fashion like’, que fizemos para a C&A no ano passado. Quando vimos aquilo pela primeira vez, ficamos em choque. Pensamos: ‘Não é possível, isso é mentira’. Hoje, se alguém apresentar uma ideia daquela, ninguém mais vai dar bola, porque já foi. O que é novidade hoje, amanhã estará velho.”
PREPARAÇÃO
“Por sorte, alguns cases impactantes ganham atenção da imprensa internacional antes do início do festival, então os jurados chegam lá conhecedores de 10 ou 15 trabalhos que fizeram barulho. Mas, quando chego lá, vou ver muito mais do que 10 ou 15, verei uma quantidade absurda de peças. Isso sem contar os relatórios imensos que temos que ler, as estratégias que discutimos. Então, por mais que eu diga que vou estar preparado, não vou. Nem tem como estar.”
CRITÉRIOS
“Participarei de uma reunião de briefing para conhecer os critérios estabelecidos pela organização e, por mais que não concorde, devo respeitá-los. Não posso criar meus próprios critérios, mas tentarei defender trabalhos criativos que trouxeram resultados e, portanto, são relevantes. A relevância resultante da criatividade e do resultado é o que me atrai.”
QUALIDADE DAS INSCRIÇÕES
“Não há vídeo de apresentação que conserte uma má ideia, mas há vídeo que destrua uma ótima ideia. Uma peça mal inscrita certamente irá para o mato. A peça vencedora é aquela para a qual o jurado olha e imediatamente pensa: ‘Opa, essa é diferente, vale minha atenção’. Se a apresentação for enrolada ou parecer amadora, a ideia vai precisar ser muitíssimo boa para sobreviver. Tem gente que nunca foi ao festival, nunca acompanhou os cases e inventa de inscrever em Cannes. Não adianta contar com a sorte, é preciso investir no storytelling, ir direto ao ponto e contar a história de forma rápida e eficiente. O Philip Thomas (CEO do festival) deu o maior conselho para uma pessoa que vai inscrever alguma peça, e assino embaixo: a ideia tem que impactar o público em três segundos. Se o cara bateu o olho e gostou da ideia, ela é merecedora de estar entre as melhores do mundo. Mas, se você tiver que dar uma explicação sobre ela, já era.”
BRASIL
“No festival, de modo geral, o Brasil vai muito, mas muito bem. Já em Media acho que vai razoavelmente bem, porque existem países que tratam o assunto melhor do que a gente. Temos 36 Leões em 11 anos na área. É um número baixo, acredito que por dois fatores: o país inscreve pouco em Media e, quando tem casos bons, não inscreve; e as peças inscritas, como disse, carecem de um storytelling de qualidade. Então, sinceramente, não espero que de repente o país traga dez Leões em Media. Só espero e torço para ver peças brasileiras que apostem no uso inovador da mídia.”
PAÍSES FORTES
“Espero muita coisa boa da África do Sul, da Inglaterra, da Alemanha, do Japão e dos Estados Unidos.”
HISTÓRICOS
“Os cases que me impressionaram muito foram o do Google de Londres (“Pesquisa de voz do Google”, da londrina Manning Gottlieb OMD para o Google Voice Search, vencedor do GP de Media Lions de 2012), e “Carro invisível”, da Mercedes-Benz. Também tem um trabalho muito antigo, da época em que fui jurado, que me conquistou demais. Era um merchandising da AT&T, que fazia alusão ao “Who wants to be a millionaire”, programa que dava um milhão de dólares ao vencedor de um jogo de perguntas e respostas. Na peça, o apresentador fazia a pergunta final, que valia um milhão, e o participante tinha a opção de pedir ajuda a alguém por telefone, graças à ajuda da AT&T. Ele, então, pede para falar com o pai. O pai atende e diz, animado: ‘Eu sei a resposta!’, e o garoto responde: ‘Eu também sei, só queria ouvir sua voz quando ganhasse um milhão de dólares’. É maravilhoso.”
GRUPO DE MÍDIA
“O Grupo de Mídia tem uma importância vital e o Luiz Fernando Vieira, presidente dessa gestão, vem fazendo um belíssimo trabalho. Reunir os mídias em uma sala para apresentar casos relevantes e, depois de Cannes, filtrar o que foi visto de melhor e comparar com o que fazemos aqui é quase como um trabalho acadêmico. Sou partícipe do grupo e, antes de ir ao festival, quero pedir a todas as agências que me mostrem seus trabalhos.”
ESTRUTURA
“No passado éramos chamados de ‘jurassic park’ da mídia. No final dos anos 1990, eu ia para a Europa e para os Estados Unidos e as pessoas falavam que a mídia brasileira estava atrasada. Eu brincava e dizia: ‘Olha, daqui uns anos vamos nos encontrar e não vai ter um publicitário trabalhando na sua empresa, porque vocês estão contratando tantos estatísticos, matemáticos e homens de negócios que a propaganda ficará de lado’. Passados todos esses anos, encontro os mesmos colegas, ou outros, e eles falam: ‘Nossa, que benção, você trabalha integrado, na sua agência nascem as ideias e tem gente colocando-as de pé’. Se você for para a Europa hoje, vai ver que as empresas de mídia estão contratando criativos e, se for aos Estados Unidos, verá que as agências estão contratando mídias. Então eu não tenho a menor dúvida de que o mercado brasileiro tem uma mídia sólida porque é independente. Independente porque tem muito investimento publicitário e tem investimento publicitário porque os veículos são fortes. Ou seja, por uma ironia do destino o Brasil entrou em uma contramão e, no fim do túnel, descobriu-se que a mão certa era a nossa e não a do resto do mundo. Eles erraram e nós acertamos.”
DESAFIOS
“O maior desafio do profissional de mídia é a atualização. Uma empresa hoje não pode se dar ao direito de ter um mídia online e um offline, até porque hoje tudo é convergente. Antigamente, a mídia era proprietária de um jornalista/artista que vendia conteúdo publicitário dentro do seu canal. Num segundo momento, o mesmo jornalista/artista lançou outras plataformas para difundir seu conteúdo. Em um terceiro, o consumidor passou a gerar conteúdo em plataformas próprias dos jornalistas/artistas. Em um quarto, foram criadas as plataformas agregadoras de qualquer tipo de conteúdo, como o YouTube. Por fim, surgiu uma grande aldeia global das redes sociais, que falam mal, bem, participam e compartilham. Tudo isso criou uma confusão enorme na cabeça dos profissionais, porque a estrutura do consumo de mídia e do tráfego de dinheiro foi toda bagunçada. O nosso desafio é descobrir como extrair mais valor para as marcas nesse cenário tão complexo. Agora que conseguimos ter uma busca estruturada das marcas por meio de ‘likes’ no Facebook, por exemplo, que tal se a gente começasse a botar um pouco de conteúdo nesse ‘like’ e criasse pesquisas mais profundas que expliquem a relação entre preferência de marca e intenção de compra? Caso contrário, ficaremos apenas com essa coisa etérea chamada ‘like’, que estará desconectada da cadeia de valor que faz o anunciante botar dinheiro no marketing. O anunciante não compra ‘like’, ele compra preferência por marca. Depois que você tem milhões de likes de milhões de pessoas, como vou tirar de pessoas uma lembrança positiva? Essas questões precisam ser investigadas.”
INOVAÇÃO
“O Celso Loducca (presidente da Loducca) tem uma frase maravilhosa na sua agência: ‘Ideia que não tem risco não deveria ser chamada de ideia’. Inovação sem risco não existe. Então é aquela velha história, se algo tem que ser testado, calculado, medido e depois todo mundo concordou e aprovou, certamente não é inovador. Para alcançar a inovação é preciso arriscar. Se o cliente não assumir riscos, ele não perde dinheiro, mas também não ganha.”
HOBBIES
“Bem no início, aproveitava o tempo livre para conhecer as cidades ao redor. Em 94, um mês depois que o Ayrton Senna morreu, fiz o circuito de Mônaco a pé para fotografar as tomadas de curva. Hoje em dia, meu maior barato é encontrar amigos que moram por perto. Quando chego lá, ligo para eles e sempre damos um jeito de nos encontrar, reunir as esposas e tomar um vinho. Também aproveito para encontrar meus clientes e discutir o que anda acontecendo por lá. Felizmente, eles vibram com a gente a cada Leão conquistado e acham sensacional essa premiação, pois perceberam que o festival faz bem para a marca. Se sobra tempo, vou namorar. Quando tinha meus 30 anos, frequentava os points da cidade, mas agora costumo frequentar a minha esposa (risos). Começamos a namorar durante o festival de Cannes, há dois anos, então isso é sempre motivo para comemorações.”
QUEIROZ X QUEIROZ
“Eu me defino como uma pessoa de muita sorte. Trabalho em propaganda há 32 anos e amo o que faço. Encontrei um grupo de pessoas por quem tenho verdadeira adoração: Guga (Valente), Nizan, Bazinho (Ferraz)… Trabalhei na DM9 até achar que não tinha mais o que fazer pela agência e, então, me pediram para assumir um novo cargo, talvez em uma das horas mais difíceis da minha vida, quando perdi minha esposa depois de 25 anos muito bem casados. Isso quase me matou. Quando consegui me recuperar emocionalmente, conheci uma mulher maravilhosa e me casei com ela. Agora, fui convidado a voltar à agência como comandante, ao lado do meu querido Alcir (Gomes Leite), e ainda fui convocado como jurado. Sou a pessoa mais sortuda do mundo.”