Inspiração: Desmontar para montar o novo

Desmontar coisas me inspira e me ajuda a montar ideias. No projeto Framed Tech, eu, Guilherme Fregonesi e Icaro Abreu desmontamos coisas e enquadramos. Como uma espécie de declaração de vitória diante desses objetos tão simples que para a maioria das pessoas são tão complexos e inacessíveis (www.framedtech.com).

Já perdi a conta do número de eletrodomésticos que desmontei. Nem precisa falar que, quando eu era pequeno, minha mãe enlouquecia comigo. Só de liquidificadores, foram uns 30. Com o tempo, descobri que desmontar coisas me inspira. Qualquer coisa. Não estou falando só de eletrônicos, aprendi a programar porque queria “desmontar” softwares e entender como funcionavam.

No outro extremo, gosto muito de natureza, mas também desmonto ela. Fico procurando padrões na paisagem, para entender, o que é o quê: a folha de uma pitangueira tem um padrão, limão-cravo nasce no meio do mato, mas sempre próximo a uma fonte de água. Enfim, assim me inspiro: desmontando tudo.

Na engenharia, isso tem nome: engenharia reversa. Ajuda os engenheiros a entenderem como as coisas funcionam. Só desmontar te ajuda a conseguir montar algo igual, ou melhor.

Faço isso com a propaganda também. Quando vejo uma campanha interessante, penso como alguém montou ela, como vendeu, como chegou até a ideia, como produziu. Pra mim funciona.

Existe um movimento maker que fala que “Se você não pode abrir, não merece ter (if you can’t open it, you can’t own it)”. Levo isso à risca até hoje. Desmonto celular, desmonto móvel, desmonto a batedeira, desmonto a paisagem.

É claro que ainda enlouqueço minha família com isso. Pois mesmo estudando muito, na grande maioria das vezes, não monto de volta. Mas até nisso, a tal da engenharia reversa me ensina. Aprendi a aceitar melhor a frustração (que na nossa profissão é algo presente e frequente). Às vezes simplesmente não dá pra montar de volta, e eu fico observando as carcaças nas gavetas, sinalizando minha derrota.

Com o tempo, passei de desmontador oficial para montador. Monto kits, e faço os próprios kits. Hoje a minha maior inspiração é fazer kits para os meus filhos montarem. Eu quero que eles aprendam que podem mudar o mundo ao seu redor e inventar algo que melhore a vida. No vídeo The Lost Interview, Steve Jobs fala o quanto montar kits o ajudou: “Montar kits me deu um tremendo nível de autoconfiança, por saber que, através da exploração, podíamos compreender coisas, aparentemente muito complexas, que estavam ao nosso redor”. 

É a mais pura verdade, desmontar coisas me ensinou a ter a confiança para montá-las. E isso ocorre também com as ideias.

Entender quais são os padrões te faz ter confiança, tanto para saber o próximo passo para uma ideia ser feita, até qual tecnologia usar. Te faz prever qual é a pequena etapa que você tem de cumprir agora, para que a ideia seja feita no futuro. Como se localizar numa trilha: saber que, se você está no meio do mato, e encontrou um pé de limão-cravo, está perto de uma fonte de água. É um padrão.

Montando um kit com as crianças, aprendi que muitas coisas funcionam simplesmente fazendo um motor pequeno rodar uma peça fora de centro. O vibracall de qualquer celular é isso. Quando os meus filhos descobriram, já tiveram algumas ideias de robôs usando esse mecanismo.
A inteligência dentro de uma máquina que se autodesliga, que é só uma grande brincadeira, é impressionante. A simplicidade é brutal e, posso afirmar, não é nada do que você está pensando. Dica: ela nunca desliga. (Google: Useless Machine)

Não faço isso para ser mais criativo, faço isso por hobby. Mas tive a sorte de ter um hobby que me ajuda a ser mais criativo. Assim, exerço a criatividade quase que 24 horas por dia. Cansa. Mas me ajuda a buscar novas combinações para poder fazer com que as ideias sejam originais. Também me dá uma certa tranquilidade diante de uma ideia de execução complexa. Inspira-me. Força-me a ficar “up to date”. E, de quebra, me traz um gostinho bom, de infância.

Pedro Gravena é sócio e diretor de criação da Mosh

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