Inspiração: Porque a fé não costuma faiá

Lucia Faria*
Especial para o PROPMARK

Esta coluna Inspiração sempre me incomodou. Positivamente, claro. Leio semanalmente o PROPMARK e sempre me deparo com esse chamado para uma reflexão interna. O que me inspira? O que tem me inspirado nos últimos anos? Reflito, reflito e não chego a um acordo comigo mesma.

Em uma trajetória como a nossa, profissionais focados em comunicação, tudo deveria nos inspirar. Coisas boas e ruins, personagens decrépitos e grandes líderes, sol e chuva, revista Caras e Valor Econômico. Quem atua na nossa área não pode ter amarras. Precisa, sim, é ter senso crítico e muito discernimento.

Em tempos remotos, me inspirei em uma amiga do colégio que escrevia poemas com pegada política. Ela falava de anistia, de injustiças sociais, era diferenciada. Soube, anos depois, que se matou porque não conseguiu assumir sua homossexualidade para a família.

Quando estudávamos juntas, até tentei rascunhar uns versos, estimulada por nossa convivência. Só que eu era óbvia. E um poeta pode ser tudo, menos óbvio.

Ou alguém acha que o fato de ter “uma pedra no caminho” faz a poesia de Drummond ser óbvia? Que sujeito esse Drummond…Já me inspirei em Marília Gabriela, confesso. Sim, queria fazer aquelas entrevistas, ser tão inteligente quanto ela, fazer caras na frente de um entrevistado boquiaberto. Depois ela foi para a dramaturgia, deu um tempo no jornalismo, e nos distanciamos. Sinto falta.

Nas redes sociais quem me inspira são os bem-humorados, acima de tudo. Não aquele que ri de tudo (como diz o Frejat, rir é bom, mas rir de tudo é desespero). Nem os benevolentes de plantão, nem os que só choram pelos animais abandonados e não se compadecem com o assassinato de jovens num baile funk da periferia paulistana.

Gosto daqueles que enxergam a vida de uma maneira mais leve, que levantam cedo e pensam: o que vou falar de legal na minha timeline hoje? Às vezes, essas pessoas inventam pequenas histórias, nem sempre verdadeiras, mas que poderiam ser.

Não faz diferença se distorcem um pouco os fatos, contanto que os tornem interessantes. Acho que o Luiz Buono é um pouco assim. Nunca troquei mais do que duas palavras com ele e, se nos encontrarmos na rua, creio que não me reconhecerá. Não importa. Sigo.

Queria me inspirar no Fernando Meirelles, por exemplo, mas o cara está em outra dimensão.

Quando vejo Dois Papas fico num estado de admiração gigantesco, pensando como uma trajetória profissional pode evoluir tanto numa só encarnação.

Nesse balaio que chamarei de “além da inspiração”, insiro uma geração inteira que fez a minha cabeça da juventude e assim segue até hoje. Para não gastar todo este espaço com muitos nomes, vou me concentrar na tríade Gil, Caetano e Chico. De Marieta Severo senti ciúmes por muito anos, confesso.

Pessoas inspiradoras são repletas de atitude, por isso nos surpreendem e encantam. Elas não têm idade, cor, raça.

Jane Fonda em protestos ambientais aos 82 anos. Quer mais do que isso? Michelle Obama, a pirralha Greta, a coroa Fernandona, Drauzio Varela, meus pais…

Somos um amálgama, aquilo que o dicionário define como uma “fusão perfeita de coisas ou pessoas distintas que formam um todo”.

E, assim, uma hora depois de começar a escrever este texto e a refletir sobre inspiração, me lembro da palavra transpiração. Uma está sempre associada à outra.

Criar é difícil, chega a doer algumas vezes. Dói porque nos achamos medíocres, dói porque temos medo das críticas, dói porque a palavra certa não aparece ou porque uma noite de sono faz desaparecer a nossa imaginada genialidade.

Vou dar uma volta e reler este texto depois, antes de enviá-lo ao PROPMARK.

Preciso ter certeza de que esse misto de desprendimento e coragem de me expor só vai valer se a coluna inspirar alguém. Pelo menos uma pessoa, caso contrário não terá utilidade!

Alguém que consiga perceber ousadia numa jornalista que há 18 anos resolveu empreender e que, de lá para cá, luta para pagar impostos em dia, salários em dia e ainda não enxergou na esfera política alguém para se inspirar de verdade.

Mas que não perde a fé, porque essa não costuma faiá!!

*Lúcia Faria é diretora-geral da LF Comunicação Corporativa