Inspiração: Sobre beleza e verdade

O escritor uruguaio Eduardo Galeano disse: “Devemos olhar o que não se olha, mas merece ser olhado: as minúsculas coisas de pessoas comuns, o micromundo onde eu acredito que se alimenta de verdade a grandeza do universo, e ser capaz de contemplar o universo através do buraco da fechadura.”

Sempre busquei e desejei a verdade e a beleza da vida, aquela que nunca seria reduzida a um objeto. Um desejo que dá sentido e movimento, que não estanca com o medo, que rompe o mundo porque não coincide com ele, um desejo que me deslocava do mundo e de mim mesma.

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Patricia Weiss

Nunca necessitamos tanto de beleza e de verdade como hoje. Vivemos em tempos tão estranhos, em que parecer ser e ter valem mais do que ser, um mundo pós-moderno hiperconectado, um presentismo baseado na permanente obsessão pelo futuro, angustiados pela sensação de que o tempo nos consome, reagindo ao que nos acontece e nos afeta e elaborando pouco, uma realidade permeada por narrativas colapsadas em que relações são mediadas por imagens e alguns caracteres, e o que vivemos, de forma tão apressada e dispersa na vida real, é representado por fotos e videos que são microespetáculos que produzimos, compondo a tal Sociedade do Espetáculo, preconizada no livro de Guy Debord.

Como definiu o sociólogo Jean Baudrillard, “Vivemos em um mundo com abundância de informação e escassez de significado”. Nunca antes precisamos tanto das narrativas estruturadas, das histórias com significado que fazem sentido porque são carregadas de valores humanos e baseadas na verdade.

Cresci no Rio devorando as crônicas de Drummond, Fernando Sabino, os romances brutalmente realistas do Rubem Fonseca, a poesia apaixonada de Vinicius de Moraes, Fernando Pessoa, a clareza fantástica de Clarice Lispector, os romances do israelense Amós Oz, que faz o cruzamento perfeito do real com o ficcional com imparcialidade sobre a realidade de Israel, uma terra que já morei e me define, como o Brasil também o faz.

Vejo tanta beleza nas histórias do cineasta Pedro Almodóvar, ser que desafia dramaticamente a beleza e o desejo, que mistura e reformula gêneros cinematográficos como os gêneros humanos, que compreende e distingue, de forma peculiar e visceral, o que é ser mulher do que é ser feminino, rompendo com os paradoxos da vida, desnudando a alma das personagens, independentemente do corpo que habitam. Fico emocionada com a profundidade dos personagens de Almodóvar, evidente na aparência deles, enquanto o que faz sentido parece ser contrassenso, como é na vida. Adoro me perder nas suas tramas e subtramas perfeitamente bordadas, seus universos coloridos e intensamente barrocos formados por imensa verdade.

Aliás, adoraria realizar o sonho da minha grande amiga Marilu Beer (do nosso programa Costanza & Marilu), uma das mulheres mais incríveis e inspiradoras que conheço: encontrar Almodòvar. Ele se encantaria por ela, na hora.

A beleza arrebatadora e a sensualidade dos filmes do cineasta Wong Kar-Wai também me inspiram. Imagens estonteantes em câmera lenta em filmes marcantes como Amor à Flor da Pele, My Blueberry Nights e o doloroso Felizes Juntos. E me comove também a ruidosa realidade do submundo transsexual de Los Angeles, revelada pelo surpreendente Sean Baker, um diretor indie que filmou o incandescente longa Tangerine com iPhone 5S e sem roteiro na mão, imprimindo incômoda autenticidade ao contar uma ótima história sobre pessoas verdadeiras.

Encerro com a genialidade de Fernando Pessoa: “Estou farto de semideuses. Onde é que há gente no mundo?”

Patrícia Weiss é consultora estratégica de Branded Content & Entertainment, produtora-executiva da asas.br.com e chairman do BCMA South America