Inspiração/Contas a pagar, família, livros e televisão

Antes de chegar à parte poética, quero dizer que minhas principais musas são a “Contas a Pagar” e a “Data de Entrega”. Crescer numa família de classe média baixa no interior da Bahia, pais acadêmicos e com vários empregos para fechar a conta no fim do mês te ensinam isso. Em nossa casa, sempre existiu a urgência de se criar para ser pago ou inventar algo novo para mais cedo ou mais tarde ganhar algum. Então acho que minha família é uma das minhas maiores fontes de inspiração…

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Obras de William Shakespeare integram relação dos “livros de contar histórias mais importantes da minha vida”

Meu avô paterno era um “engenheiro prático”, que construiu inúmeras estradas no interior da Bahia usando sua experiência e intuição, sem nunca ter ido à faculdade. Mais tarde, outros engenheiros formados ficaram admirados com sua habilidade de ter realizado aquilo sem educação formal.

Antes de me mudar para o Rio, aos 9 anos de idade, eu achava que meu avô materno era aquele velhinho gordo e barbudo da foto em preto-e-branco de nossa sala em Vitória da Conquista, Karl Marx. Sim, para mim Karl Marx era Nelson Rodrigues.

Ao chegar ao Rio, descobrir quem era Nelson Rodrigues, ver meu tio-avô nome do Maracanã (Mario Filho) e entender que o pai da minha mãe morreu com menos fama e grana do que ele mereceria, desenvolvi a obsessão de descobrir novos modelos de criação e negócios para novos e antigos criadores de histórias.
Meus avôs me inspiraram a pensar novas maneiras de fazer as coisas.

Minha primeira fonte de inspiração foi, sem dúvida, minha mãe. Foi ela que me mostrou como construir uma carreira independente e bem-sucedida no setor privado e acadêmico, lidando com o peso de ser filha de Nelson Rodrigues. Com ela, abri minha primeira empresa e vendi um jogo educativo, que criamos juntos, em escolas públicas dos 15 aos 17 anos de idade.

[Ela me deu os livros de contar histórias mais importantes da minha vida: 1) A Bíblia – “Leia como uma fonte de histórias e não como religião” – ela dedicou na primeira página quando eu tinha 12 anos; 2) O Poder do Mito, de Joseph Campbell (entrevistado por Bill Moyers), base para qualquer roteirista; 3) Obra Completa de Shakespeare, em inglês, (momento crucial em que acelerei meu controle do idioma com a ajuda da MTV e seus clipes); 4) Introdução à Prática Amorosa, de Moacyr Scliar. Claro que houve centenas de livros, filmes e outras narrativas que ela me apresentou, mas esses marcaram e me construíram profissionalmente. Na nossa casa, poderíamos estar apertados de grana, mas sempre comprávamos e trocávamos livros em sebo, íamos a peças de teatro e ao cinema.

Vindo um pouco para o presente, a minha maior inspiração é Katie, minha mulher e sócia. Ela mostrou que havia um caminho para mim fora de publicidade, me dedicando completamente à narrativa e produção para TV e cinema. Ela, que já fazia isso para ONGs e fundações na Nigéria, Egito, Papua-Nova Guiné e México, produzindo séries de TV e radionovelas, passou dois anos me ajudando a fazer essa transição até o ponto de virarmos sócios e produzirmos uma série que quebrou diversas regras da TV norte-americana: East Los High. E no meio do caminho fomos indicados ao Emmy, ganhamos Leão em Cannes com a série e hoje produzimos a quarta temporada (feito que só 2,5% das séries conseguem alcançar).

Outra fonte de inspiração para mim são e foram meus mentores e mentoras, pois, na verdade, eles sempre compartilharam comigo seus repertórios, experiências, livros, viagens, quedas, lombadas e ascensões profissionais: Carla Esmeralda (curadora e produtora do Rio Content Market), Orlando Lopes (Kantar Ibope), Henry Jenkins (Universidade do Sul da Califórnia e autor de Cultura da Convergência, livro que mudou minha carreira), Nicole Clemens (VP de Desenvolvimento dos canais FX e considerada uma das 100 mulheres mais poderosas de Hollywood), Jonathan Taplin (Laboratório de Inovação da Annenberg School, produtor dos primeiros filmes do Scorcese e um cara que trabalhou com Dylan e Joplin), Luis Erlanger (que foi meu chefe na TV Globo por dois anos), Sylvia Panico (hoje na David) e por último, mas não menos importante, Paulo Camossa, que me mostrou como o departamento de mídia e as outras áreas de uma agência devem realmente trabalhar.

 

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Mauricio Mota é copresidente e sócio da Wise Entertainment em Los Angeles