Inspiração/Guerra é uma surra emocional
Depois que voltei do Iraque Curdistão e da Síria, onde passei 30 dias intensos produzindo o ‘Zona de Conflito’, com Gabriel Chaim, em outubro de 2015, muita gente me pergunta: mas, e a guerra? Como é?
A guerra é fascinante e, ao mesmo tempo, uma merda. Viver nela foi a base para o conteúdo do nosso programa. Um dos maiores desafios que já enfrentei na minha carreira profissional. Aos 47 anos, é como uma grande surra emocional, na qual pude usar a máquina fotográfica como escape e documentar a experiência.
Arma em região do Iraque Curdistão: “A experiência não é de medo, mas, sim, de bravura e desespero”
O que eu aprendi foi que a indústria da guerra encontrou uma região para se desenvolver, gastar, produzir e criar o bom conceito de business capitalista Supply & Demand. Os países desenvolvidos, como Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, Espanha, França e Alemanha, estão por trás disso tudo – e eles falam isso lá. É o que faz o mundo girar.
Somado a isso, existe o povo curdo, que não possui o reconhecimento de seu território como um país pela ONU e, portanto, segura suas terras a qualquer custo. Bingo. Uma bela oportunidade em todos os sentidos.
Os curdos, hoje mais organizados e presentes nas regiões da Síria, Iraque, Turquia e Irã, não conseguem uma agenda de “compromise their interests” entre eles. Um povo que me surpreendeu pela bravura, simplicidade e a abertura com o brasileiro.
Agora, em termos de povo, um caos. Os chefes de cada território curdo (são quatro) se encontram todo mês em um local secreto para debater, mas não conseguem união. A piada local é: na verdade, os líderes gostam de viajar, comer e fumar.
Ou seja, eles buscam algo para fazer além de defender suas terras e liderar seu povo com exércitos de armas doadas. São armas “antigas”, jogadas em galpões velhos sem uso ou sem “mercado para venda”.
Ficamos alguns dias no quartel-general, a 800 metros do front com o ISIS, que tomou a cidade de Sinjar/Iraque Curdistão, fronteira com a Síria. Esta invasão gerou um dos maiores genocídios documentados na história. Uma tragédia.
Alex Mehedff
O que vimos foi uma escola transformada em quartel-general dos Peshmergas, exército dos Curdos no Iraque, para retomar a Sinjar, invadida pelo ISIS em agosto de 2014. Um mês e meio depois, Sinjar foi libertada pelos Peshmergas, a dois dias dos ataques em Paris. Nossos contatos enviaram mensagens, hastearam a bandeira no dia da libertação. Fiquei feliz por eles. Mas não tinha noção do que seria a retaliação do ISIS.
Voltando a Sinjar, vimos como é a vida deles. No quartel, diariamente, um cabrito é morto para que todos possam ter a carne – o famoso Kebab -, que se come de manhã, no almoço e no jantar. O prato não muda e não tem alternativa. Um soldado é responsável por abater o cabrito criado por eles dentro do quartel. Corta-se a carne para ser grelhada e logo a refeição é servida a todos, inclusive àqueles que estão no front de batalha. Tudo servido coletivamente. Outro detalhe curioso: Todos fumam e muito.
Fomos a vários fronts de batalha, mas o de Sinjar foi o mais “casca-grossa”, onde ocorreu o confronto mais intenso. Algumas bombas quase nos acertaram. Caíram a 10 metros, quando estávamos no topo da montanha ao lado Sul da cidade. Você ouve a bomba, o barulho é alto e rápido, pois a velocidade é absurda. A reação dos Pershemegas foi gritar em curdo e atirar contra.
Foi a única vez – espero – que experimentei algo assim. A experiência não é de medo, mas, sim, de bravura e desespero. Porque o que vem é agonizante, uma situação em que não há controle. Ouvimos o barulho da bomba vindo, sem saber onde cairia, e a vontade era pegar a primeira arma e mandar bala de volta à Rambo Style.
Passar 30 dias tão intensos e tensos foi uma vivência incrível e de muitas formas inspiradora. Se algum dia alguém quiser se aventurar por lá, temos ótimos contatos que podem ajudar. Vale a experiência. Detalhe: aos que pensam ou ouviram falar que a Coca-Cola está em todos os lugares, reparem na foto. Divirtam-se com este detalhe.
Finalizando, faço um agradecimento especial a Fabio Pinheiro, que me ajudou a traduzir minha experiência neste texto.