Jurídico e criação viram parceiros na hora de viabilizar a propaganda
Está levando o guarda-chuva? Blusa de frio? Celular? E o advogado? Pode parecer coisa de avó e superproteção, mas a expressão “não saia de casa sem o seu advogado” não tem nada de brincadeira, especialmente na publicidade.
“Não existe outra atividade que utilize tantos direitos de terceiros como a propaganda”. A frase é de Paulo Gomes de Oliveira Filho, da Paulo Gomes Advogados Associados, um dos mais experientes nesse mercado, com mais de 40 anos atendendo entidades, produtoras, agências e anunciantes.
Além de trabalhar intensamente com direitos de terceiros, como de música, de ilustração e de imagem, a atividade precisa estar atenta ao que é divulgado e às regras de cada produto ou serviço, como bebidas ou assistência médica.
Outro ponto que requer cuidado é o chamado “politicamente correto”, que engloba questões já não aceitas na sociedade, seja por desrespeitar um determinado perfil, seja por reforçar estereótipos ou comportamentos ultrapassados. A atenção, portanto, inclui dimensões éticas, legais e sociais.
Por tudo isso, Gomes avalia que a participação do advogado previamente é importante. “Não participamos da criação, mas examinamos as peças, o próprio conceito publicitário a ser adotado ou o que está sendo proposto ao cliente. Não é um acompanhamento diário. Normalmente as agências nos consultam quando têm dúvidas. Por outro lado, fazemos permanentemente workshops, artigos e seminários levantando problemas que são legais no aspecto da propaganda, como a Lei Geral de Proteção de Dados, que vai impactar tremendamente a publicidade. Há antecipação para orientar”, diz.
Segundo Rafa Coelho, head para projetos e desenvolvimento da Havas+, viabilizar um projeto vai além das necessidades técnicas/operacionais para se levantar a ideia. O profissional explica que, ao sair da criação, o possível case precisa ser recebido por um time multidisciplinar que vai afinar as arestas. “Uma parte deste time é a equipe jurídica. Além de viabilizarem a execução legal do projeto, serão fundamentais para orientar a fim de que erros que comprometam a jornada produto/comunicação/consumidor sejam evitados”, diz.
Parte da solução
Anna Ferraz, diretora de produção integrada da BETC/Havas, comenta que o surgimento intenso de plataformas e formatos desafia constantemente a entender o que pode ser feito e o que é permitido ser feito.
Para ela, dizer que o jurídico vai engessar uma ideia ou limitar a expressão criativa é algo do passado. “Trazer o jurídico para o momento de criação dá a segurança de como a ideia pode crescer de maneira disruptiva e, ao mesmo tempo, saudável. Mais do que isso: dá a oportunidade de ressignificar os riscos e usá-los a nosso favor para gerar mais visibilidade e resultados para a campanha”, comenta.
A visão é semelhante à de Carolina Boccia, VP de Atendimento e Operações da Africa. Para ela, com a velocidade de mudanças no mundo, é essencial o suporte jurídico de qualquer iniciativa de comunicação. “Tê-lo como aliado no início do processo criativo nos dá a possibilidade de mitigar problemas, corrigir rotas e dimensionar o tamanho do risco que agência e cliente estão dispostos a correr”, afirma.
Na agência, por exemplo, quem aciona o jurídico normalmente é o atendimento. Mas, na maioria das vezes, criação, planejamento e atendimento conversam nessa parceria com o jurídico, buscando caminhos e soluções para os questões.
A executiva explica que não existe regra sobre a entrada do jurídico em um projeto. Alguns, mais sensíveis, já nascem com esse envolvimento, como Tagwords, para Budweiser, um dos mais emblemáticos e premiados da agência. “O projeto jamais teria saído para a rua e se tornado um case tão conhecido se o nosso jurídico e o da Ambev não tivessem nos apoiado e contribuído para que a ideia fosse viabilizada”, afirma.
Outro trabalho que teve apoio para sair do papel é a campanha Recalcula, feita para a 99, com vários vídeos como o do amigo imaginário que diz ‘Para que chamar um carro para te levar do mesmo jeito pagando mais caro? Na 99 é mais barato. Recalcula isso aí, Gabi, e vê se cresce’. “Se no passado tínhamos um advogado especialista em publicidade e o Conar, hoje temos uma rede de especialistas e comitês para cobrir pautas diversas”, comenta Carolina.
Doutor Gomes resume que o bom advogado sempre procura dar uma saída, inclusive criativa. “Brinco que é uma relação de amor e ódio entre criativos e advogados. Quando tem uma baita ideia e a gente vê que é inviável do aspecto legal, vamos dizer ‘desse jeito não pode, mas se fizer uma alteração assim, utilizar outro formato, outra imagem, realiza a sua ideia que é genial’. Procuramos oferecer uma saída legal sem invadir o campo criativo. Damos o meio para que o criativo desenvolva uma nova ideia”, explica.
Amor e ódio
Tão necessária e intensa, essa relação, mesmo com os possíveis nãos, precisa ser guiada por processos colaborativos.
A viabilização é ponto central no trabalho dos advogados junto às agências. Ainda que o primeiro seja a voz a dizer ‘não faça, não pode’, ele precisa oferecer possibilidades. E é esse perfil que tem sido cada vez mais valorizado e demandado.
Pernil, diretor-executivo de criação na AlmapBBDO, recorda que houve muitas mudanças nessa relação de uns 15 anos para cá. “Sempre era aquela história de ‘ter de passar pelo advogado’. Parecia um step a mais. Mas pisamos em ovos e eles são pessoas absolutamente preparadas para nos ajudar. Nosso consultor é um aliado, que entende e ajuda a colocar as coisas no ar”, lembra.
O criativo se refere a Augusto Fortuna, consultor jurídico da AlmapBBDO e integrante do Conselho de Ética do Conar (Conselho Nacional Autorregulamentação Publicitária). Apesar de não estar alocado permanentemente dentro da agência, o contato é ágil e direto.
Para o publicitátio, não basta ter um superadvogado, ele precisa gostar da propaganda e ter o espírito ‘vamos fazer dar certo’. “Hoje temos de estar melhor orientados/preparados. É muito melhor consertar no caminho, do que ir para a rua e criar um problema maior. A gente quase sempre acha uma saída. É importante ter esses caras próximos, ainda mais sendo pessoas que entendem de comunicação e gostam de propaganda. O Augusto tem esse perfil: ele pode dizer não e dar todos os motivos para dizer não, mas vai buscar caminhos para dizer sim”, diz.
Para o criativo, por mais que os profissionais de agências estejam preparados, entendam de legislação ou mesmo tenham experiência de mercado sobre os limites e possíveis erros, nada substitui o trabalho do jurídico. “Precisamos ter o bom senso e respeitar o trabalho deles. O nível de detalhes que eles sabem é gigantesco. E o nível da exigência do mundo mudou. Nada vai para o ar sem passar pelo jurídico. O jogo ficou muito maior”, defende.