'Latinos são caóticos por natureza e buscam solução através de vários ângulos'
CCO global da rede AKQA, Hugo Veiga tem 14 Leões e o Grand Prix do Cannes Lions de 2013 com a campanha Dove Real Beauty Sketches
Nascido em Portugal, o publicitário Hugo Veiga construiu uma relação íntima com o Brasil e com o jeito caótico, mas encantador, da criatividade latina. Ele ganhou projeção internacional quando conquistou 14 Leões e o Grand Prix do Cannes Lions de 2013 com a campanha Dove Real Beauty Sketches, que contribuiu para a Ogilvy ser reconhecida como a Agência do Ano.
Esse trabalho foi desenvolvido junto com o diretor de arte Diego Machado, com quem faz dupla desde 2010. A parceria permanece até hoje. Eles comandam a parte criativa da AKQA, posição que dividem sem estrelismos e com foco mútuo de atrair talentos para a estrutura. “Trabalhar com o Diego é um prazer e tudo acontece naturalmente”, frisa Veiga, que busca nos 33 escritórios da rede, que absorveu a Grey, suas expertises.
No Brasil, com a parceria com o Coala.Lab, a AKQA é referência global em projetos ligados a música.
Como está a integração da AKQA com a Grey?
O AKQA Group tem a agência AKQA, que é uma network com mais de 33 estúdios pelo mundo afora. Depois a Grey, que tem operação independente, bem diferente da fusão entre a VML e a Y&R. A prioridade é não ter duplicidade de operações, mas sermos complementares e usando o melhor de cada network. A Grey passou a fazer parte do AKQA Group, que, com essa nova estrutura, tem mais de seis mil profissionais e clientes globais em mais de 50 países. O fundador da AKQA, Ajaz Ahmed, é o CEO da operação que também contempla empresas como a Made Thought (design), Universal Design Studios (arquitetura e design de interiores) e, por exemplo, a MAP (production design). Até bem pouco tempo, o Michael Houston era o CEO da Grey e presidente global da AKQA. Agora ele foi para o WPP dos EUA. E a Laura Maness ficou na liderança da Grey.
Como o Brasil está integrado neste cenário do AKQA Group?
Em primeiro lugar, muitos dos nossos escritórios têm expertises próprias, que são utilizadas pelas demais unidades quando necessário. Essas abordagens garantem criatividade livre e isso provoca disrupção. Algumas agências são bem estruturadas para tecnologia. O escritório de São Paulo, onde atuei com o Diego, é uma referência para projetos ligados à música, com o AKQA Coala Lab. Não à toa ganhou o GP de Entertaiment for Music do Cannes Lions de 2019, com o projeto Baco Exu do Blues. Cada unidade é diferente. O escritório de Atlanta é especializado em aplicativos e todo o ecossistema digital de uma marca.
Por exemplo?
Qualquer tela da Delta Airlines vista nos canais foi feita pela AKQA. O app da UBS conecta toda a empresa e tem a assinatura da agência. A operação de Atlanta também faz hyperlinks e-commerce para vários clientes. Tentamos fazer em cada projeto, que já fazíamos antes da pandemia, a conexão dos clientes com o que há de melhor na rede. Se algum redator conhece a estrutura de roteiro, ele pode ser chamado para um projeto que precise desse conhecimento.
Como a AKQA se integra com o WPP?
Uma relação muito amigável. Mas temos independência para lidar com as nossas demandas. A AKQA tem como principal característica trabalhar por projetos. Mas também temos contas fixas, como parte da Nike, para quem trabalhamos no seu aniversário de 50 anos. A UBS e a Delta Airlines também são do portfólio. Um dos principais projetos do WPP que contribuímos recentemente foi participar do grupo de agências que conquistou a conta global da Coca-Cola. Mas o que mais eu gosto é a possibilidade de atrair talentos para a rede.
Como foi sua experiência como presidente do júri da competição Mobile Lions 2022? Quais foram os aprendizados?
O celular é o objeto mais democrático da atualidade. Com ele conseguimos interagir com outras mídias, como out of home, por exemplo. Desde o início, procuramos definir como a tecnologia propicia experiências nesse device que permite acesso a vários tipos de conteúdo, como vídeos e música. Um exemplo que vai de encontro à essa linha é o GP de Mobile conquistado pelo Google com o software Real Tone, cuja tecnologia de imagem garante que câmeras móveis capturem com precisão diferentes tons de pele. Desde o início, ficou claro para o júri que esse trabalho seria GP. O projeto traz conscientização sobre a questão da equidade da imagem e chamar a atenção para a solução do Google, que trabalhou com T Brand Studio, Nova York; Wieden+Kennedy, de Portland; e GUT, de Miami, para desenvolver um comercial de 60 segundos que foi ao ar durante a temporada de 2022 do Super Bowl. O filme promoveu o lançamento do smartphone Google Pixel 6, que começa com imagens malfeitas de pessoas com vários tons de pele, enquanto diferentes narradores explicam os problemas que tiveram com a tecnologia da câmera.
Você é europeu (nasceu em Portugal), mas consolidou sua carreira no mercado brasileiro. A criatividade latina agrega que tipo de valor à publicidade?
Nesse longo período convivendo na América Latina, em especial no Brasil, pude constatar algo que faz a diferença: os latinos são caóticos por natureza. Consequentemente, suas abordagens são menos processuais e encaram os problemas apresentados como um desafio e buscam a solução através de vários ângulos. Admiro muito a visão abrangente dos latinos, que leva a soluções de comunicação bem criativas. Minha relação profissional com o Diego Machado, que é brasileiro, contribuiu muito para essa compreensão do jeito latino de ver as coisas. Que é muito bom para a publicidade.
O Brasil foi disruptivo para você? Quando você chegou ao país?
Muitos pensam que minha carreira começou na Ogilvy devido à visibilidade do trabalho para Dove. Na verdade, cheguei ao Brasil em 2005, para trabalhar na equipe criativa da Ogilvy que tinha uma outra diretoria criativa. Retornei a Portugal depois de seis meses. Em 2006, aceitei convite da McCann-Erickson e retornei ao Brasil. Em 2009, porém, fui chamado e voltei para o time da Ogilvy.
Sua carreira no Brasil sempre foi ao lado de Diego Machado, seu partner na AKQA, como líder criativo da rede?
Não! Eu e o Diego Machado nos conhecemos em 2010. Ele começou na Ogilvy como assistente e, como eu estava sem dupla, começamos a fazer alguns projetos juntos. Acabamos nos conectamos de um jeito e, como consequência, começamos a trabalhar juntos e com bons resultados para os briefings que participávamos.
Qual foi o ponto mais relevante para a carreira de vocês dois?
Certamente que foi em 2013, quando tivemos a oportunidade de construir o case Dove Real Beauty Sketches, o mais premiado do Cannes Lions de 2013, inclusive com a conquista do Grand Prix de Titanium, que foi chave para o prêmio de Agência do Ano do festival. O vice-presidente de criação, Anselmo Ramos, hoje no comando da GUT, nos deu uma liberdade enorme para criar o projeto que ganhou 14 Leões.
Apesar de ser realizada em 2013 e de estar alinhada com a campanha global de Dove Beleza Real, lançada em 2004, a narrativa também teve uma pegada digital, não é mesmo?
Sim! Antes de chegar à mídia de fato, ela fez sucesso no YouTube, com mais de 55 milhões de visualizações em curto espaço de tempo. Mas nos primeiros quatro dias de exibição chegou a sete milhões. Ela foi lançada uns três meses antes do Festival de Cannes. Esse trabalho envolve uma marca que acredita em comunicação. Em 2007, ela já tinha ganho o GP do Film Lions, com Dove Revolution. Eu e o Diego acertamos em 2013.
Poderia detalhar um pouco essa produção que foi feita nos Estados Unidos?
Ela foi produzida em São Francisco, nos Estados Unidos, com a participação decisiva do desenhista do FBI Gil Zamora, um especialista em retratos falados. Como Dove objetiva valorizar a beleza natural das mulheres, mas elas têm uma preocupação até excessiva com sua aparência, tivemos a felicidade de criar algo que ponderava isso. O Zamora trabalhou em duas situações. Na primeira, ele fazia o retrato falado com base nas autodescrições das mulheres, sem vê-las. Depois, ele produzia retratos com base na descrição de pessoas que tiveram contato com as modelos. O resultado foi completamente outro. Muitas pessoas não conseguem ver a própria beleza e isso interfere na percepção positiva sobre elas mesmas.